Interessados
no Procedimento de Avaliação de Impacto Ambiental
- Introdução
As
primeiras posições jurídicas a serem admitidas no procedimento foram os
direitos e os interesses pessoais. Vasco
Pereira da Silva afirma mesmo que o reconhecimento da
titularidade de direitos subjectivos perante as autoridades públicas é um princípio
essencial do Estado de Direito, trata-se de uma projecção jurídica da dignidade
da pessoa humana. Como tal, tem como consequência a atribuição ao particular de
capacidade de actuação no procedimento para defesa preventiva dos seus direitos[1]. O
direito de participação dos cidadãos na formação das decisões ou deliberações
que lhes dizem respeito deve ser garantido através de uma lei reguladora do
procedimento administrativo, nos termos do Art. 267º nº5 da Constituição da República
Portuguesa (doravante CRP). Este direito tem a natureza de direito fundamental,
é um direito análogo aos direitos liberdades e garantias nos termos do Art. 17º
da CRP[2].
Estamos
perante um novo paradigma, a administração pública não tem apenas de cumprir a
lei e realizar o interesse público, tem de respeitar e garantir os direitos dos
indivíduos mediante um procedimento decisório aberto à participação dos
particulares. Surge assim o procedimento como o instrumento privilegiado de
manifestação de interesses públicos e privados, destinado a permitir a tomada
de decisões mais correctas e eficazes[3]. O
procedimento surge como o grande elemento de racionalidade da actuação
administrativa uma vez que impõe através dos seus mecanismos procedimentais a
racionalização das escolhas administrativas. Também é o procedimento o campo de
eleição para a composição de interesses, onde devem ser trazidos todos os
interesses, não só os públicos, como também os privados. Uma vez que só podem
ser tidos em conta no acto final os interesses levados ao procedimento é
essencial a participação dos interessados, não só como forma de racionalizar a
actuação da administração, como mesmo para salvaguardar os interesses e
direitos subjectivos dos particulares.
Dada
esta introdução, o nosso objectivo neste trabalho é analisar a forma como os
particulares podem intervir no procedimento de avaliação de impacto ambiental,
não só de forma a defender interesses difusos de defesa do ambiente, como mesmo
cooperando com a administração alertando para possíveis lesões ambientais que a
mesma não previu. Não se trata de uma mera defesa de direitos subjectivos, pois
o que está em causa são interesses “sem dono” ou de todos, são verdadeiros
interesses públicos[4].
2. Procedimento de Avaliação de Impacte Ambiental
Antes
de passarmos à discussão da questão principal de saber como e quais os
particulares que podem intervir no Procedimento de Avaliação de Impacte
Ambiental, cabe fazer uma curta análise geral ao próprio procedimento, em
género de introdução.
O
Procedimento de Avaliação de Impacte Ambiental vem previsto no Decreto-Lei
197/2005 que se trata de uma transposição parcial da Directiva 2003/35/CE.
O
mesmo destina-se a verificar as consequências ecológicas de um determinado
projecto, procedendo à ponderação das respectivas vantagens e inconvenientes em
termos de repercussão no meio ambiente. Trata-se assim de um meio jurídico ao
serviço da realização dos fins ambientais, em particular do princípio da
prevenção. Vasco Pereira da Silva utiliza um trocadilho para explicar como o
procedimento em análise realiza o princípio da prevenção: o procedimento destina-se
a “prevenir” as autoridades administrativas dos riscos ambientais de um
determinado projecto de modo a “prevenir” a verificação de lesões ambientais[5].
Existem
ainda dois Princípios norteadores deste procedimento: o Princípio do
desenvolvimento sustentável e do aproveitamento racional dos recursos
disponíveis. O primeiro obriga à análise e à contraposição dos benefícios
económicos com os prejuízos ecológicos de um determinado projecto. Faz se aqui
uma ponderação para responder se o benefício económico do projecto justifica
aquele dano ecológico. O segundo obriga à utilização de critérios de eficiência
ambiental, fazer o mais possível com o mínimo de recursos[6].
O
Âmbito de aplicação vem previsto no Art. 1º do DL 197/2005 que remete para os
anexos I e II do mesmo DL. Não cabe neste trabalho entrar aqui em análise
aprofundada dos projectos aos quais se aplicar este procedimento, por isso
remete-se para a disposições legais referidas[7].
As
entidades intervenientes vêm previstas no Art. 5º e são elas: a entidade
licenciadora ou competente para autorização, a Autoridade de Avaliação de
Impacto Ambiental, a Comissão de Avaliação e a Entidade coordenadora e de apoio
técnico.
Fazendo agora uma descrição sucinta da marcha do
procedimento, este começa pela Iniciativa do procedimento pelo proponente, nos
termos do art. 12º nº1, ou seja, o procedimento inicia-se com a apresentação
pelo proponente de um estudo de impacte ambiental à entidade licenciadora ou
competente para a autorização.
Depois da apresentação do estudo, temos uma
pronúncia, através de um parecer preliminar da Comissão de Avaliação. nos
termos do Art. 13º nº 8 e 9. Nos termos
do Art. 13º nºs 1, o estudo apresentado pelo proponente e toda a documentação é
emitido pela entidade licenciadora ou competente para a autorização à
autoridade de avaliação de impacte ambiental. Depois de recebidos os
documentos, a autoridade de avaliação de impacte ambiental nomeia a comissão de
avaliação, à qual submete o estudo apresentado pelo proponente para apreciação
técnica, nos termos do art. 13º nº 3. A comissão de avaliação deve, no prazo de
30 dias a contar da sua recepção, pronunciar-se sobre a conformidade do estudo
de impacte ambiental com o disposto no artigo 12º, quando tenha havido
definição do âmbito do Estudo de Impacte Ambiental, com a respectiva
deliberação, nos termos do art. 13º nº 4. Agora surgem duas possibilidades: se
a comissão de avaliação declarar a desconformidade do estudo o procedimento de
avaliação de impacte ambiental é encerrado e o projecto não pode realizar-se,
nos termos do art. 13º nº 8; se a comissão declarar a conformidade do estudo,
este é enviado, para parecer, às entidades públicas com competências para a
apreciação do projecto, nos termos do art. 13º nº 9.
É agora que surge a fase de Discussão Pública e
participação dos interessados, a fase em que se centra o nosso trabalho. Nos
termos do art. 14º, no prazo de 15 dias contados da declaração de conformidade,
a autoridade de avaliação de impacte ambiental promove a publicitação do
procedimento de AIA através de anúncio, que deve contar os elementos ai
elencados.
Posteriormente
cabe um Parecer final da Comissão de Avaliação, nos termos do art.16 nº1, que é
remetido à autoridade de avaliação de impacto ambiental.
A autoridade de
avaliação de impacto ambienta elabora uma Proposta de decisão de impacto
ambiental, nos termos do art. 16 nº2, e remete-a ao ministro responsável pela
área do ambiente.
Por fim, caberá
a decisão de impacto ambiental ao ministro responsável pela área do ambiente
nos termos dos arts. 17º e ss. A última palavra será a do ministro.
Feita esta breve
jornada pela marcha do procedimento parecem evidentes duas críticas ao mesmo:
primeiro, existe uma excessiva complexidade, é exigida a intervenção de um
número elevado de autoridades administrativas e participação das mesmas é mais
burocrática que activa, como é o caso da autoridade de avaliação de impacte
ambiental que se limita a servir de “mensageira” a enviar o estudo e os
documentos de uma entidade para outra[8];
em segundo lugar, existe uma enorme complexidade da “cadeia” decisória, que se
encontra repartida em 3 níveis, a comissão de avaliação, a autoridade de AIA e
o Ministro responsável pela Área do Ambiente[9]. Nesta
segundo crítica é de notar que há uma maior margem de discricionariedade nos
órgãos do topo da cadeia, e que no fim de contas, consequentemente temos uma diluição
de competência entre vários órgãos, podendo mesmo afirmar-se que todos e
ninguém são responsáveis. Para agravar esta situação é de notar a ausência de
parâmetros legais de decisão.
Para solucionar
estas questões, Vasco Pereira da Silva
propõe que, das duas uma, ou se extingue a autoridade de avaliação de impacte
ambiental, que não tem relevância decisória pelo que se saltava logo da
proposta da comissão de avaliação para a decisão do ministro, ou, a autoridade
de avaliação de impacte ambiental torna-se a entidade central deste
procedimento através da delegação nela pelo ministro da competência decisória
em matéria de avaliação ambiental[10].
3 Participação Pública
3 Participação Pública
A fase de
Participação Pública tem duas funções essenciais: uma função garantísica e uma
função funcional[11].
A função garantística passa pela defesa de interesses e direitos dos
particulares, já a função funcional resume-se à tomada de conhecimento por
parte da administração de todos os factos e consequências relativos à decisão
que pretende tomar.
O art. 66º nº2
da CRP determina mesmo que incumbe ao Estado, para assegurar o direito ao
ambiente, permitir o envolvimento e a participação dos cidadãos. Em função
deste preceito, o art. 4º al. c) do DL 197/2005 define mesmo como objectivo
fundamental do procedimento de avaliação de impacto ambiental a participação
pública e a intervenção dos interessados. Nos termos do art. 2º al. m) do mesmo
DL a participação pública é mesmo considerada uma formalidade essencial, pelo
que a preterição da mesma implica a nulidade do acto final de decisão de
impacte ambiental, de acordo com o art. 133º nº1 do CPA.
Cabe agora feita esta introdução de determinar, a
questão essencial deste trabalho, quem é que é tido como interessado para
efeitos deste procedimento. Nos termos do art. 14º nº3 quem tem o direito de
participação no procedimento de avaliação de impacte ambiental é o público
interessado. Público interessado, definido pelo art. 2º al. r), são os
titulares de direitos subjectivos ou de interesses legalmente protegidos, no
âmbito das decisões tomadas no procedimento administrativo de avaliação de
impacte ambiental, bem como o público afectado ou susceptível de ser afectado
por essa decisão, designadamente as organizações não-governamentais de ambiente
(ONGA). Trata-se de uma definição próxima do art. 53º do CPA. Ainda que esta
definição de público interessado inclua pessoas colectivas de direito público, Catarina Moreno Pina[12]
defende que só poderão participar, caso não possam ser consultadas no âmbito de
cooperação institucional (terminologia de José
Eduardo Dias[13], para os casos dos Arts. 9 nº5 al b) e
c) e 11º nº3 al a)), ou seja quando não têm qualquer competência no que
respeita ao licenciamento do projecto, mas mesmo assim mantenham interesse na
participação pública, isto é, no caso, por exemplo, de construção de uma obra a
cargo da Administração Central, relativamente à qual o município da sua área de
localização tem interesse em se pronunciar. Também podem participar entidades
que podendo ser consultadas no âmbito de cooperação institucional não o tenham
sido.
4. Conclusão
Assim sendo,
temos o acesso ao procedimento de forma privilegiada por parte de todos os
organismos e entidades capazes de fornecer dados e informações no âmbito de
incidência da avaliação de impacte ambiental e com utilidade para a prossecução
dos seus objectivos. Temos uma significante melhoria de eficácia e de qualidade
da avaliação de impacte ambiental uma vez que temos uma maior intervenção neste
procedimento comparativamente com o regime geral do CPA, previsto no art. 53º.
Estamos aqui perante um procedimento com uma maior intervenção, ainda que
desnecessariamente preso aos direitos subjectivos e aos interesses
particulares, não abrindo, sem ser através de ONGAS, de uma participação
fundada num interesse difuso, mais concretamente no próprio direito ao ambiente
atribuído constitucionalmente.
[4] Luís Filipe Colaço Antunes, O
procedimento administrativo de avaliação de impacto ambiental: para uma tutela
preventiva do ambiente, pp. 125 e ss.
[5] VASCO
PEREIRA DA SILVA, Verde cor de direito: lições de direito do ambiente, p. 154.
[6] Idem.
[7]
Acrescenta-se ainda que no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de
14/9/2004, referente ao Túnel do Marquês, o TCA Sul discute a tipicidade deste
Art 1º.
[11] Joana Guerreiro de Araújo, Da
participação dos interessados nos procedimentos ambientais, p.59.
[12] Catarina Moreno Pina, Os regimes de
avaliação de impacte ambiental e de avaliação ambiental, pp 84 e 85.
[13] José Eduardo Dias, Alexandra Aragão, Maria Ana
Rolla, Regime
jurídico da avaliação de impacte ambiental em Portugal: comentário.
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