sexta-feira, 17 de maio de 2013

As Contra-Ordenações Ambientais


O ambiente é um bem jurídico consagrado constitucionalmente, cabendo ao Estado a tarefa fundamental de o proteger, nos termos do art. 9º, al. e) e 66º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa (doravante CRP) .
No entanto, a CRP limita-se a prever um dever de protecção por parte do Estado e também dos particulares mas não estabelece qualquer tipo de sanção para os infractores ambientais. Assim, é ao legislador ordinário que cabe a tarefa de concretizar quais os meios necessários à punição daqueles que violem o ambiente e assim o fez através da Lei de Bases do Ambiente (LBA), regime esse que prevê as contra-ordenações ambientais[1] assim como os crimes ambientais[2].
O nosso post tem como principal propósito aprofundar o regime substantivo das contra-ordenações ambientais. Apenas querendo salientar o facto de que, em caso de determinado comportamento preencher quer um tipo de crime, quer uma contra-ordenação, o infractor será punido a título de crime[3], sem prejuízo de lhe ser aplicado cumulativamente sanções acessórias.  
A União Europeia veio estimular o reforço da protecção penal do ambiente por meio da Directiva 2008/99/CE uma vez que “está preocupada com o aumento das infracções ambientais e com os seus efeitos, os quais, cada vez com maior frequência, ultrapassam as fronteiras dos Estados onde são cometidas as infracções. Estas infracções constituem uma ameaça para o ambiente e requerem, consequentemente, uma resposta adequada”[4].
No entanto, a tutela penal deve ficar reservada para as situações mais graves uma vez que está em causa a privação da liberdade, pena mais grave prevista no regime jurídico português, apesar de suscitar uma reprovação social mais intensa. Daí decorre que a tutela sancionatória apresenta vantagens relativamente à maior celeridade e eficácia na punição visto que o procedimento administrativo é mais simples e evita o recurso a tribunais. Porém, a tutela sancionatória também apresenta alguns inconvenientes, tais como a diminuição da defesa dos particulares, menor imparcialidade de quem julga pois podem existir interesses na medida da contra-ordenação a aplicar[5], além de que, por vezes, é impossível aos infractores o pagamento das respectivas coimas por falta de capacidade financeira enquanto que, para alguns infractores, a sanção pecuniário poderá apenas representar um mero custo adicional de produção[6].
A  Lei 50/2006, de 29 de Agosto, republicada pela Lei nº 89/2009 vem consagrar o regime das contra-ordenações ambientais. Este diploma pretende assim reforçar a unidade da ordem jurídica[7] ao condensar toda a matéria respeitante às contra-ordenações numa única lei.
Vasco Pereira da Silva[8] entende que a Lei 50/2006 demonstra uma evolução em diversos aspectos, nomeadamente reconhece que a tutela sancionatória está a ganhar importância e anuncia-se aqui uma tentativa de codificação no domínio das contra-ordenações ambientais.
As contra-ordenações classificam-se em leves, graves e muito graves[9] nos termos da Lei 50/2006. Este diploma encontra-se repartido em duas partes: a primeira, relativa ao regime substantivo; a segunda diz respeito à fase procedimental, tramitação essa que em muito se assemelha ao regime processual penal, não nos cabendo aqui referir o desenrolar do processo.
            Em primeiro lugar, é necessário definir o conceito de contra-ordenação ambiental e para efeitos desta desta lei é todo e qualquer “facto ilícito e censurável que preencha um tipo legal correspondente à violação de disposições legais e regulamentares relativas ao ambiente que consagrem direitos ou imponham deveres, para o qual comine uma coima”[10].
Carla Amado Gomes critica este preceito por ser demasiado impreciso[11] visto que pode alargar o regime às contra-ordenações respeitantes a normas do património cultural, do urbanismo, do ordenamento do território.
Salientamos que, tal como em direito penal, também o princípio da legalidade está previsto neste diploma, pois só é punido aquele que, no momento da prática do facto, a contra-ordenação ambiental encontrava-se efectivamente prevista como sendo uma actividade lesiva, sob pena de violar o disposto no art. 32º, nº 10 da CRP (nulla poena sine legge).
A esfera da responsabilidade também foi alargada às Pessoas Colectivas[12], quer públicas, quer privadas. E mais, até os próprias titulares do órgão de administração das pessoas colectivas podem incorrer em responsabilidade, quando conhecendo ou devendo conhecer, não adoptem as medidas adequadas, apesar da sua responsabilidade ser atenuada[13].
As contra-ordenações são puníveis ou a título de dolo ou de negligência e a tentativa é punível apenas aquando das contra-ordenações classificadas como graves e muito graves, sendo o valor da coima reduzido para metade[14]. O montante das coima está previsto no diploma[15] variando o seu valor conforme se trate de uma pessoa singular, pessoa colectiva, assim como do grau de culpa destas.
            O regime das contra-ordenações ambientais consagra sanções acessórias[16], ou seja, juntamente com a coima poderá ser aplicado ao infractor uma medida que tem como principal ratio a tentativa de evitar que, certos particulares com poder económico, continuem a cometer factos ilícitos e pagar a respectiva coima, dado que  o lucro que é obtido mais tarde compensa o pagamento da respectiva contra-ordenação ambiental.  Contudo, a sanção acessória tem que preencher determinados pressupostos de aplicação das medidas[17], tal como os critérios de proporcionalidade e funcionalidade[18]. Tomemos como exemplo a seguinte infracção acessória: o infractor só pode ser excluído da atribuição de subsídios por parte das entidades públicas ou europeias, quando a actividade tenha sido realizada com base no subsídio que lhe é concedido.
O Prof. Doutor Vasco Pereira da Silva critica[19] o facto destas sanções acessórias terem carácter meramente complementar e que se apliquem somente em caso de infracções graves e muito graves já que estas são muito mais adequadas e eficazes para a tutela do bem jurídico ambiente, ao invés do pagamento da coima.
Com o intuito de “envergonhar” o infractor, a punição é objecto de publicitação num jornal ou no Diário da República. Além disso, está previsto a criação de um registo individual dos sujeitos responsáveis pelas infracções ao ambiente como também a elaboração de um cadastro nacional[20].
Relativamente ao valor das coimas, 50% do produto destas revertem a favor do Fundo de Intervenção Ambiental[21] com o objectivo de prevenir e reparar danos resultantes de actividades lesivas para o ambiente, em que os seus responsáveis não tem capacidade para ressarcir em tempo útil.
O regime das contra-ordenações ambientais prevê que a própria administração[22] possa aplicar medidas cautelares na pendência dos processos. Estas consistem em prevenir ou impedir uma condenação quando se revele necessária para a salvaguarda da saúde das pessoas e prevenção do meio ambiente. Estas medidas determinam por exemplo, a suspensão da laboração ou encerramento preventivo de uma unidade poluidora ou impor medidas que se mostrem adequadas à prevenção de danos ambientais.
Relativamente à matéria contra-ordenacional ambiental é aos tribunais comuns que cabe o seu âmbito de jurisdição, o que parece um pouco anormal uma vez que está aqui em causa uma sanção administrativa[23], todavia, motivos de ordem prática prevalecem, tal como a insuficiência de tribunais administrativos localizados pelo território nacional.
No caso de pagamento voluntário da coima, a lei estabelece que é precludido o direito de impugnar judicialmente a mesma. E acrescenta que, o pagamento da coima equivale a condenação para efeitos de reincidência. Estamos aqui perante uma clara violação do princípio da tutela jurisdicional efectiva, em que não é dado ao particular as garantias de defesa na parte proporcional [24][25].
Por último, somos da opinião que, para o interesse de todos e de cada um, todos devemos proteger o meio ambiente pois sabemos quais as consequências que podem advir, quer para as gerações futuras, quer para evitar a aplicação de uma contra-ordenação, por isso mesmo... prevenir é o melhor remédio!


Helena Cristina Grilo dos Santos
Aluna nº 19623




Bibliografia:

  • Dantas, António Leones – O processo das contra-ordenações na Lei 50/2006, in Regulação em Portugal, p. 773 – 799, Coimbra, 2009;
  • Gomes, Carla Amado – Introdução ao Direito do Ambiente, AAFDL, 2012;
  • Gomes, Carla Amado – As contra-ordenações ambientais no quadro da Lei 50/2006, de 29 de Agosto: considerações gerais e observações tópicas, p. 457 – 478, in Estudos em Homenagem a Miguel Galvão Teles, Coimbra, 2012;
  • Nogueiro, Lourenço – Comentário à Lei-quadro das contra-ordenações ambientais, in Revista Portuguesa do Direito do Consumo, nº 57, p. 11 – 48, Coimbra, 2009;
  • Silva, Vasco Pereira da – Breve nota sobre o direito sancionatório do ambiente, p. 271 – 298, in Direito Sancionatório das autoridades reguladoras, coord. Maria Fernanda Palma, Augusto Silva Dias, Paulo Sousa Mendes, Coimbra Editora, 2009.





[1] Art. 46º e 47º da Lei de Bases do Ambiente (doravante LBA) (Lei nº 11/87, de 7 de Abril).
[2] Temos como exemplo de um crime ambiental os artigos 278º, 279º e 280º do Código Penal.
[3] Art. 47º, nº 2 da LBA.
[4] Considerando 2 da Directiva 2008/99/CE.
[5] Carla Amado Gomes, Introdução ao Direito do Ambiente, p. 151.  
[6] As vantagens e desvantagens são apresentadas por Vasco Pereira da Silva em Breve nota sobre o direito sancionatório do ambiente, p. 276 – 277.
[7] Carla Amado Gomes, As contra-ordenações ambientais no quadro da Lei 50/2006, p. 465.
[8] Vasco Pereira da Silva, Breve nota sobre o direito sancionatório do ambiente, p. 285.
[9] Art. 21º da Lei 50/2006.
[10] Art. 1º, nº 2 da Lei 50/2006.
[11] Carla Amado Gomes, Introdução ao Direito do Ambiente, p. 156.
[12] As pessoas colectivas também estão sujeitas à tutela penal em crimes ambientais – art. 11º do Código Penal.
[13] Art. 8º, nº 3 da Lei 50/2006.
[14] Art. 9º, nº 2 e 10º da Lei 50/2006.
[15] Art. 22º da Lei 50/2006.
[16] Aplica-se a sanção acessória nas contra-ordenações de tipo grave ou muito grave.
[17] Art. 31º da Lei 50/2006.
[18] Carla Amado Gomes, Introdução ao Direito do Ambiente, p. 157.
[19] Vasco Pereira da Silva, Breve nota sobre o direito sancionatório.., p. 289.
[20] Art. 38º, 63º e 65º da Lei 50/2006 .
[21] Art. 69º e 72º da Lei 50/2006
[22] Art. 41º e 42º da Lei 50/2006
[23] Art. 212, nº 3 da CRP que consagra a competência aos tribunais administrativos de litígios emergentes das relações jurídicas administrativas.
[24] Matéria discutida em aula prática de direito do ambiente.
[25] António Leones Dantas afirma que “o legislador formalmente disse mais do que aquilo que queria, ou seja, a norma tem dois comandos: o de que o pagamento voluntário não exclui a possibilidade de aplicação de sanções acessórias e outro que é o da equivalência do pagamento à condenação, mas esta equivalência deve entender-se como limitada à reincidência, não se visando outro objectivo útil.”, O processo das contra-ordenações na Lei 50/2006, p. 795.

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