O ambiente é um bem jurídico consagrado
constitucionalmente, cabendo ao Estado a tarefa fundamental de o proteger, nos
termos do art. 9º, al. e) e 66º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa
(doravante CRP) .
No entanto, a CRP limita-se a
prever um dever de protecção por parte do Estado e também dos particulares mas
não estabelece qualquer tipo de sanção para os infractores ambientais. Assim, é
ao legislador ordinário que cabe a tarefa de concretizar quais os meios necessários
à punição daqueles que violem o ambiente e assim o fez através da Lei de Bases
do Ambiente (LBA), regime esse que prevê as contra-ordenações ambientais[1] assim
como os crimes ambientais[2].
O nosso post tem como principal
propósito aprofundar o regime substantivo das contra-ordenações ambientais. Apenas
querendo salientar o facto de que, em caso de determinado comportamento preencher
quer um tipo de crime, quer uma contra-ordenação, o infractor será punido a título
de crime[3],
sem prejuízo de lhe ser aplicado cumulativamente sanções acessórias.
A União Europeia veio estimular o reforço da protecção penal
do ambiente por meio da Directiva 2008/99/CE uma vez que “está preocupada com o
aumento das infracções ambientais e com os seus efeitos, os quais, cada vez com
maior frequência, ultrapassam as fronteiras dos Estados onde são cometidas as
infracções. Estas infracções constituem uma ameaça para o ambiente e requerem, consequentemente,
uma resposta adequada”[4].
No entanto, a tutela penal deve
ficar reservada para as situações mais graves uma vez que está em causa a
privação da liberdade, pena mais grave prevista no regime jurídico português,
apesar de suscitar uma reprovação social mais intensa. Daí decorre que a tutela
sancionatória apresenta vantagens relativamente à maior celeridade e eficácia
na punição visto que o procedimento administrativo é mais simples e evita o
recurso a tribunais. Porém, a tutela sancionatória também apresenta alguns
inconvenientes, tais como a diminuição da defesa dos particulares, menor
imparcialidade de quem julga pois podem existir interesses na medida da
contra-ordenação a aplicar[5],
além de que, por vezes, é impossível aos infractores o pagamento das
respectivas coimas por falta de capacidade financeira enquanto que, para alguns
infractores, a sanção pecuniário poderá apenas representar um mero custo
adicional de produção[6].
A
Lei 50/2006, de 29 de Agosto, republicada pela Lei nº 89/2009 vem consagrar
o regime das contra-ordenações ambientais. Este diploma pretende assim reforçar
a unidade da ordem jurídica[7] ao
condensar toda a matéria respeitante às contra-ordenações numa única lei.
Vasco Pereira da Silva[8]
entende que a Lei 50/2006 demonstra uma evolução em diversos aspectos,
nomeadamente reconhece que a tutela sancionatória está a ganhar importância e anuncia-se
aqui uma tentativa de codificação no domínio das contra-ordenações ambientais.
As contra-ordenações
classificam-se em leves, graves e muito graves[9] nos
termos da Lei 50/2006. Este diploma encontra-se repartido em duas partes: a
primeira, relativa ao regime substantivo; a segunda diz respeito à fase
procedimental, tramitação essa que em muito se assemelha ao regime processual
penal, não nos cabendo aqui referir o desenrolar do processo.
Em primeiro lugar, é necessário definir
o conceito de contra-ordenação ambiental e para efeitos desta desta lei é todo
e qualquer “facto ilícito e censurável que preencha um tipo legal correspondente
à violação de disposições legais e regulamentares relativas ao ambiente que
consagrem direitos ou imponham deveres, para o qual comine uma coima”[10].
Carla Amado Gomes critica este
preceito por ser demasiado impreciso[11] visto
que pode alargar o regime às contra-ordenações respeitantes a normas do património
cultural, do urbanismo, do ordenamento do território.
Salientamos que, tal como em
direito penal, também o princípio da legalidade está previsto neste diploma, pois
só é punido aquele que, no momento da prática do facto, a contra-ordenação
ambiental encontrava-se efectivamente prevista como sendo uma actividade
lesiva, sob pena de violar o disposto no art. 32º, nº 10 da CRP (nulla poena
sine legge).
A esfera da responsabilidade
também foi alargada às Pessoas Colectivas[12],
quer públicas, quer privadas. E mais, até os próprias titulares do órgão de
administração das pessoas colectivas podem incorrer em responsabilidade, quando
conhecendo ou devendo conhecer, não adoptem as medidas adequadas, apesar da sua
responsabilidade ser atenuada[13].
As contra-ordenações são puníveis
ou a título de dolo ou de negligência e a tentativa é punível apenas aquando
das contra-ordenações classificadas como graves e muito graves, sendo o valor
da coima reduzido para metade[14]. O
montante das coima está previsto no diploma[15]
variando o seu valor conforme se trate de uma pessoa singular, pessoa
colectiva, assim como do grau de culpa destas.
O
regime das contra-ordenações ambientais consagra sanções acessórias[16], ou
seja, juntamente com a coima poderá ser aplicado ao infractor uma medida que tem
como principal ratio a tentativa de evitar que, certos particulares com poder
económico, continuem a cometer factos ilícitos e pagar a respectiva coima, dado
que o lucro que é obtido mais tarde
compensa o pagamento da respectiva contra-ordenação ambiental. Contudo, a sanção acessória tem que preencher
determinados pressupostos de aplicação das medidas[17], tal
como os critérios de proporcionalidade e funcionalidade[18]. Tomemos
como exemplo a seguinte infracção acessória: o infractor só pode ser excluído da
atribuição de subsídios por parte das entidades públicas ou europeias, quando a
actividade tenha sido realizada com base no subsídio que lhe é concedido.
O Prof. Doutor Vasco Pereira da
Silva critica[19]
o facto destas sanções acessórias terem carácter meramente complementar e que
se apliquem somente em caso de infracções graves e muito graves já que estas são
muito mais adequadas e eficazes para a tutela do bem jurídico ambiente, ao invés
do pagamento da coima.
Com o intuito de “envergonhar” o
infractor, a punição é objecto de publicitação num jornal ou no Diário da República.
Além disso, está previsto a criação de um registo individual dos sujeitos
responsáveis pelas infracções ao ambiente como também a elaboração de um
cadastro nacional[20].
Relativamente ao valor das
coimas, 50% do produto destas revertem a favor do Fundo de Intervenção
Ambiental[21]
com o objectivo de prevenir e reparar danos resultantes de actividades lesivas
para o ambiente, em que os seus responsáveis não tem capacidade para ressarcir
em tempo útil.
O regime das contra-ordenações
ambientais prevê que a própria administração[22]
possa aplicar medidas cautelares na pendência dos processos. Estas consistem em
prevenir ou impedir uma condenação quando se revele necessária para a
salvaguarda da saúde das pessoas e prevenção do meio ambiente. Estas medidas
determinam por exemplo, a suspensão da laboração ou encerramento preventivo de
uma unidade poluidora ou impor medidas que se mostrem adequadas à prevenção de
danos ambientais.
Relativamente à matéria
contra-ordenacional ambiental é aos tribunais comuns que cabe o seu âmbito de
jurisdição, o que parece um pouco anormal uma vez que está aqui em causa uma
sanção administrativa[23],
todavia, motivos de ordem prática prevalecem, tal como a insuficiência de
tribunais administrativos localizados pelo território nacional.
No caso de pagamento voluntário
da coima, a lei estabelece que é precludido o direito de impugnar judicialmente
a mesma. E acrescenta que, o pagamento da coima equivale a condenação para
efeitos de reincidência. Estamos aqui perante uma clara violação do princípio
da tutela jurisdicional efectiva, em que não é dado ao particular as garantias
de defesa na parte proporcional [24][25].
Por último, somos da opinião que,
para o interesse de todos e de cada um, todos devemos proteger o meio ambiente
pois sabemos quais as consequências que podem advir, quer para as gerações
futuras, quer para evitar a aplicação de uma contra-ordenação, por isso mesmo...
prevenir é o melhor remédio!
Helena Cristina Grilo dos Santos
Aluna nº 19623
Bibliografia:
- Dantas,
António Leones – O processo das
contra-ordenações na Lei 50/2006, in Regulação em Portugal, p. 773 –
799, Coimbra, 2009;
- Gomes,
Carla Amado – Introdução ao Direito
do Ambiente, AAFDL, 2012;
- Gomes,
Carla Amado – As contra-ordenações
ambientais no quadro da Lei 50/2006, de 29 de Agosto: considerações gerais
e observações tópicas, p. 457 – 478, in Estudos em Homenagem a Miguel
Galvão Teles, Coimbra, 2012;
- Nogueiro,
Lourenço – Comentário à Lei-quadro
das contra-ordenações ambientais, in Revista Portuguesa do Direito do
Consumo, nº 57, p. 11 – 48, Coimbra, 2009;
- Silva,
Vasco Pereira da – Breve nota sobre
o direito sancionatório do ambiente, p. 271 – 298, in Direito
Sancionatório das autoridades reguladoras, coord. Maria Fernanda Palma,
Augusto Silva Dias, Paulo Sousa Mendes, Coimbra Editora, 2009.
[4] Considerando 2 da
Directiva 2008/99/CE.
[5]
Carla Amado Gomes, Introdução ao Direito do Ambiente, p. 151.
[6] As vantagens e desvantagens são apresentadas por Vasco
Pereira da Silva em Breve nota sobre o direito sancionatório do ambiente, p. 276
– 277.
[9] Art. 21º da Lei 50/2006.
[11] Carla Amado Gomes, Introdução ao Direito
do Ambiente, p. 156.
[12] As pessoas colectivas também estão
sujeitas à tutela penal em crimes ambientais – art. 11º do Código Penal.
[13] Art. 8º, nº 3 da Lei 50/2006.
[14]
Art. 9º, nº 2 e 10º da Lei 50/2006.
[15]
Art. 22º da Lei 50/2006.
[16]
Aplica-se a sanção acessória nas
contra-ordenações de tipo grave ou muito grave.
[17]
Art. 31º da Lei 50/2006.
[18] Carla Amado Gomes, Introdução ao Direito
do Ambiente, p. 157.
[20] Art. 38º, 63º e 65º da Lei 50/2006 .
[21] Art. 69º e 72º da Lei 50/2006
[22] Art.
41º e 42º da Lei 50/2006
[23] Art. 212, nº 3 da CRP que consagra a
competência aos tribunais administrativos de litígios emergentes das relações
jurídicas administrativas.
[24] Matéria discutida em aula prática de
direito do ambiente.
[25] António
Leones Dantas afirma que “o
legislador formalmente disse mais do que aquilo que queria, ou seja, a norma
tem dois comandos: o de que o pagamento voluntário não exclui a possibilidade
de aplicação de sanções acessórias e outro que é o da equivalência do pagamento
à condenação, mas esta equivalência deve entender-se como limitada à reincidência,
não se visando outro objectivo útil.”, O processo das contra-ordenações na Lei
50/2006, p. 795.
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