quinta-feira, 25 de abril de 2013

A Responsabilidade Civil Objectiva Ambiental: o art. 7.º do Decreto-Lei 147/2008


 Para uma abordagem correcta da problemática em questão há que fazer determinadas indagações prévias. Em primeiro lugar, note-se que o Direito do ambiente é o sector normativo que se ocupa da prevenção, da manutenção e da reparação dos factores ambientais relativos ao Planeta Terra. A tutela do ambiente é uma realidade recente, prejudicada pela proliferação de regras específicas, sem qualquer preocupação de articulação conjunta[1]; a defesa do Ambiente é feita com recurso a normas oriundas dos mais diversos ramos normativos, como o Direito Constitucional, Administrativo, Penal, ou mesmo Civil (esta tutela faz-se tendo em conta as vantagens que resultem deste regime face a uma perspectiva ambientalista). É de salientar a interdependência entre a vida e o ambiente, pois sem o Direito do ambiente não há futuro algum.

 Constate-se, ainda, que o Direito Privado do Ambiente permite a qualquer particular intervir, por si, em questões ambientais e assegura um papel deveras conformador de atitudes e formador de mentalidades, algo extremamente necessário para uma tutela ambiental eficaz e de futuro, pois a mudança cultural é uma das principais adversidades com que a tutela do Ambiente se depara, podendo o Direito Civil desempenhar um papel auxiliar fundamental nesta matéria. No entanto, as fraquezas estruturais do Direito Privado em material ambiental (como por exemplo, o facto de ser, tradicionalmente, um direito restitutivo e a tutela do ambiente dever ser pautada por uma componente preventiva e salvaguardadora) determinam que este não pode actuar principal ou exclusivamente na tutela do Ambiente. Ainda assim, a necessidade de incrementar o Direito do Ambiente em nada priva as outras áreas normativas; estas não devem ser preteridas ou sair prejudicadas, pois face a uma necessária e urgente defesa dos valores ambientais, é premente dispor de todos os mecanismos jurídicos disponíveis possíveis (ainda assim escassos) para vencer a longa batalha pela defesa do Planeta.

 A responsabilidade civil relaciona-se com a ressarcibilidade de danos sofridos numa alçada jurídica, que serão suportados por outrem. Tradicionalmente alude-se a cinco pressupostos da responsabilidade civil: facto, ilicitude, culpa, dano e nexo causal. A responsabilidade objectiva é excepcional, admitida apenas quando os danos provocados forem independentes de culpa do agente. A responsabilidade civil ambiental, tem como fundamento jurídico, o artigo 66º da CRP[2]. Os crescentes problemas ecológicos[3] que, por todo o mundo se têm feito sentir, acompanhados de uma maior consciencialização e preocupação ambiental, fizeram suscitar a questão da responsabilidade civil ambiental.

 O Decreto-Lei n.º 147/2008 de 29 de Julho (doravante LRCA) estabelece o regime jurídico da responsabilidade por danos ambientais, assentando na Lei de Bases do Ambiente, desenvolvendo a sua dimensão indemnizatória. Note-se que no preâmbulo vêm expressos os Princípios da Prevenção e Reponsabilização: “(…) um regime de responsabilização atributivo de direitos aos particulares constitui um mecanismo economicamente mais eficiente e ambientalmente mais eficaz do que a tradicional abordagem de mera regulação ambiental, comummente designada de comando e controlo (…) os particulares (…) relativamente a um estado de conservação ambiental (…) é preferível dotá-los de direitos indemnizatórios, investindo assim o cidadão na qualidade de verdadeiro zelador do ambiente (…)”. O preâmbulo fixa ainda cinco objectivos a superar: a dispersão dos danos, que desincentiva o lesado de demandar o poluidor, numa análise custo/benefício; a complexidade causal, susceptível de impedir a efectivação da responsabilidade; a latência das causas, que leva ao surgimento do dano muito depois do facto que o originou; a dificuldade técnica de provar que uma causa é apta a produzir um dano e a garantia financeira da capacidade do poluidor para suportar os danos da reparação.

 O sistema de responsabilidade civil previsto na LRAC tem de lamentar a auto-contenção legislativa, que obriga a invocar (ainda que meramente a título subsidiário) o regime geral de responsabilidade civil. O regime de responsabilidade civil por dano ambiental admite várias formas de compensação dos lesados, incluindo, em última análise, a possibilidade de uma indemnização. O capítulo II do regime regula a indemnização de lesões sofridas por determinados indivíduos em concreto (a  relação entre autor do dano e vítima está presente em todos os artigos desta capítulo)[4].

 Saliente-se ainda que uma das maiores dificuldades no que respeita à responsabilidade civil ambiental relaciona-se com a própria indagação do dano ambiental, onde muitas vezes se conjugam diversos factores, quer de carácter natural (como a influência dos ventos na emissão de poluentes, por exemplo) quer de carácter humano, bem como as dificuldades provenientes da dilação temporal entre facto e dano. Estes problemas fazem surgir a questão de se será a responsabilidade civil ambiental um meio adequado de tutela (reintegradora ou reparatória por oposição à tutela preventiva) do ambiente. Ainda assim, a responsabilidade civil não deve ser negada, pois estando ligada à ideia de conservação do ambiente, esta tem uma função ressarcitória, nomeadamente por permitir a reconstituição natural (o que no domínio ambiental apresenta uma particular importância, pois só assim se conseguirá colmatar o dano provocado e restabelecer o equilíbrio). Para além disso, tem igualmente um carácter preventivo pois o agente que potencialmente poderá provocar o dano estará de sobreaviso quanto às consequências das suas acções prejudiciais. Nesta responsabilização está assim também presente o princípio do poluidor-pagador.

 Actualmente, devido a uma multiplicidade de factores (como, nomeadamente, a complexidade da actividade económica) surgem situações potencialmente geradoras de danos que tornam difícil a prova dos pressupostos clássicos da responsabilidade civil subjectiva e, principalmente, a culpa.
Dai o surgimento da responsabilidade objectiva[5], pois se alguém desenvolver uma actividade perigosa para a sociedade e através dessa actuação conseguir obter benefícios é legítimo que seja ele a suportar com os danos que causou mesmo que seja sem culpa (art.483/2 CC e art. 41 LBA[6]).
 Foi neste seguimento que o legislador clarificou quais as actividades consideradas de alto risco para o ambiente (estabelecendo o DL 147/2008 contem listas das actividades consideradas objectivamente perigosas para o ambiente no seu anexo iii).

 Estabelece o art. 7.º da LRAC: “Quem, em virtude do exercício de uma actividade económica enumerada no anexo iii ao presente decreto-lei, que dele faz parte integrante, ofender direitos ou interesses alheios por via da lesão de um qualquer componente ambiental é obrigado a reparar os danos resultantes dessa ofensa, independentemente da existência de culpa ou dolo”.

 O art 7.º da LRCA fixa os termos da responsabilidade objectiva por danos ambientais, no entanto é diferente da responsabilidade objectiva civil, pois dispensa a culpa mas não a ilicitude. O art. 10.º dá à responsabilidade civil ambiental um alcance globalmente supletivo. Assim, infere-se que é necessária uma necessidade de desenvolver um subsistema de responsabilidade civil devidamente adaptado, pois atendendo ao art. 7.º da LRAC, refere-se um exercício de actividade económica (enumerado no anexo III do diploma), algo muito abrangente. Quanto aos “direitos ou interesses alheios”, deve entender-se, nos termos gerais, “interesses protegidos”, que já estavam tutelados no art. 483.º n.º 1 do CC. A única especificidade reside no facto de uma causalidade especificamente ambiental (art. 5.º): a lesão de um qualquer componente ambiental.

 Quanto à ilicitude, por norma surge um problema da colisão de direitos (atente-se ao art. 335.º CC). Releva assim, a concepção de direito do ambiente como um direito fundamental, e as possíveis consequências, no caso concreto, de condutas contraditórias ou colidentes, inconciliáveis ou incompatíveis.

 O art. 7.º da LRAC respeita a danos efectivamente provocados (sejam eles danos ambientais ou ecológicos, ultrapassando-se, assim, a anterior destrinça). Todavia nem sempre é susceptível a reparação natural do dano, originando-se, nessas situações, uma indemnização. Mas note-se:
nem sempre o dano ambiental é susceptível de reparação, casos em que o agente é indeterminado ou o dano em causa tenha chegado a esfera da impossibilidade de ser recomposto, constatando-se, uma vez mais, a indispensabilidade da responsabilidade civil ambiental e de uma possível reparação pecuniária, ou seja, uma compensação em dinheiro.

 Como deve, então, ser imputado o dano ao agente? Surge assim a problemática do nexo de causalidade na responsabilidade civil ambiental, estatuindo o art. 5.º da LRAC:A apreciação da prova do nexo de causalidade assenta num critério de verosimilhança e de probabilidade de o facto danoso ser apto a produzir a lesão verificada, tendo em conta as circunstâncias do caso concreto e considerando, em especial, o grau de risco e de perigo e a normalidade da acção lesiva, a possibilidade de prova científica do percurso causal e o cumprimento, ou não, de deveres de protecção”.

 A causalidade[7] tem a ver com a lesão de componentes ambientais (causalidade ambiental, de base naturalística alargada e isso independentemente de ser previsível pelo agente). A imputação, segundo o art. 7.º funciona mesmo que a conduta não seja, nos moldes comuns, censurável ao agente. A imposição de uma responsabilidade objectiva visa incentivar à prossecução dos valores fundamentais em questão.

 O nexo de causalidade assenta num critério de verosimilhança e de probabilidade, que deve tomar em conta as circunstâncias do caso concreto, o grau de risco e de perigo e a normalidade da acção lesiva, assim como a possibilidade de prova cientifca do percurso causal e o cumprimento, ou não, de deveres de protecção.

 Logo: esta regra de responsabilidade civil ambiental visa adoptar um critério que tem como base um indício de idoneidade do facto à provocação do dano, isto é, da possibilidade de aumento ou materialização do perigo da conduta do agente ao Ambiente, com base na Ciência e nas regras de experiencia, face ao caso concreto. No entanto, face aos valores em jogo, e visto que a defesa do Ambiente é algo que preocupa e concerne a todos, não teria sido má ideia o legislador estabelecer determinadas presunções quanto à prova do nexo causal. O Ambiente, agredido, diariamente e cada vez mais a um ritmo vertiginoso, assim o exige!





Bibliografia:

- CORDEIRO, António Menezes, “Tratado de Direito Civil Português II - Direito das Obrigações Tomo III”, 2010, Almedina;

- GOMES, Carla Amado e ANTUNES, Tiago,O que há de novo no Direito do Ambiente? : actas das jornadas de Direito do Ambiente”, 2009, AAFDL;

- OLIVEIRA, Ana Perestrelo de, “Causalidade e Imputação na Responsabilidade Civil Ambiental”, 2007, Almedina

- SILVA, VASCO PEREIRA DA e MIRANDA, João, “Verde cor de direito: Lições de Direito do Ambiente”, 2004, Almedina.



António Almeida
Aluno n.º 18025
Turma: A
Subturma: 7




[1] O Direito do Ambiente, como disciplina normativa, coloca, assim, certos problemas de sistematização.
[2] Note-se os arts. 1346.º a 1348.º do CC onde se determina o dever de abstenção de certas condutas prejudicais no âmbito da poluição.

[3] Que acarretam, consequentemente, alterações ambientais e danos ao nosso Sistema Ecológico, sendo necessário referir que, ao nível das agressões ao ambiente, a preocupação e a necessidade de salvaguardar as gerações futuras e a ideia de desenvolvimento sustentável implicam inevitavelmente a busca por um equilíbrio ambiental.
[4] Quanto à obrigação de indemnização atente-se ao preâmbulo de Decreto-Lei nº 147/2008 que determina que os “(...)operadores -poluidores ficam obrigados a indemnizar os indivíduos lesados(...)”.

[5] Que tem como fundamento a justiça distributiva.

[6] São necessários três pressupostos fundamentais da responsabilidade objectiva: é necessário que o agente cause danos significativos ao ambiente, se verifique uma acção especialmente perigosa para o ambiente e tem que ocorrer um nexo de causalidade específico entre os danos e a acção praticada pelo agente.
[7] Saliente-se as Teorias da causalidade adequada (só pode haver imputação do dano ao agente quando o facto, para além de ser em concreto conditio sine qua non do dano, seja, em abstracto, adequado a produzi-lo; assim, o facto tem não só de ser imprescindível para a produção do dano, mas, para além disso, tem de, segundo um juízo de probabilidade, ser idóneo a produzir o dano) e da conexão do risco (a imputação do dano ambiental ao agente ocorreria quando a conduta deste levasse à criação ou ao aumento de um risco não permitido pela fattispecie legal, sendo o resultado ou evento danoso materialização ou concretização desse risco; assim, a criação ou aumento do risco, só daria lugar a responsabilidade civil se a conduta do agente fosse susceptível de provocar danos nos bens jurídicos tutelados pelas normas jurídicas em causa).

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