Os
contratos da Administração Pública em matéria AmbientAL
Desde
os anos 70 (início da proteção constitucional dos direitos de 3ª geração) em
diante, a matéria de salvaguarda ambiental tornou-se evidente e com isso, novas
formas jurídicas de tratamento das mesmas, no que toca a tipos instrumentos de
utilizados. Passando-se de instrumentos essencialmente unilaterais, que se
baseavam na vontade unilateral dum interveniente, normalmente a Administração
Pública, seja através de leis, regulamentos, portarias, entre outros, para
instrumentos de cariz bilateral, que abarcam em si uma ideia de concertação,
acordo de vontades (pelo menos duas)[1],
isto já no início dos anos 90.
Considerado
este objeto como uma das novas funções do Estado, expressamente consagradas na
Constituição, cabe portanto à Administração criar o suporte para um ambiente
sem qualquer tipo de perturbação de maior[2].
A
visão da Administração como “polícia” que administrativamente controlava,
condicionava, sancionava os ilícitos ambientais, deixou de ser considerada
(pelo menos exclusivamente) como tal, e ao que se lhe juntou a função, bem
menos repressiva, ainda que interventiva, de promoção dum ambiente sustentável e
equilibrado.
Tendo
em conta as “novas” responsabilidades do Estado, e para melhor alcançar esta
ideia de sustentabilidade do ambiente, que se centravam apenas na imposição de
medidas aos particulares, passou-se a recorrer à figura da concertação,
contratualização, no que toca à política ambiental.
Surgem
assim os primeiros contratos que tratam de matéria ambiental, celebrados entre
a Administração e os particulares. Destacam-se os contratos de promoção e os de
adaptação ambiental, que mais adiante desenvolverei.
Assiste-se,
portanto, a uma maior difusão do uso de instrumentos bilaterais ou consensuais
pela Administração, que vulgarmente se chamam de contratos administrativos.[3]
Uma
vez que o próprio Direito do Ambiente, tem a sua génese no Direito
Administrativo, também este tem “sofrido” com o abandono dos normais
instrumentos de trabalho da Administração no exercício das suas funções,
nomeadamente a lei, o regulamento, as portarias, entre outros, e a passagem à
“contratualização” desta matéria.[4]
Dois
dos principais contratos em matéria ambiental, são o contrato de promoção
ambiental e o contrato de adaptação ambiental.
Fazendo
agora uma pequena destrinça relativamente a cada um no que toca ao seu fim,
sujeitos, objeto fiscalização e sanções[5].
Quanto
ao seu fim, o primeiro, destina-se “à promoção da melhoria da qualidade das
águas e da proteção do meio aquático” (consta do art. 68º D.L. nº 236/98 de 1
de Agosto); já o segundo incide sobre a “adaptação à legislação ambiental em
vigor e à redução da poluição causada pela descarga de águas residuais no meio
aquático e no solo” (consta do art. 78º D.L. nº 236/98 de 1 de Agosto).
Tem
como principais sujeitos, e uma vez que estamos perante contratos, (considerando-se
o contrato como simples acordo de vontade”s”, pressupondo por isso pelo menos 2
partes) ambos têm como intervenientes dum lado a entidade administrativa
(podendo ser o Ministério do Ambiente, e o Ministro responsável pelo sector de
atividade económica e por outro as associações representativas dos sectores
(que podem ser dos mais variados, como por exemplo o industrial,
agro-alimentares, pecuária, entre outros), as empresas que venham a aderir ao
acordo, as instalações das unidades empresariais do sector (tendo em conta que
é necessário dividir esta parte em dois momentos: o da negociação, que cabe às
associações e o da adesão, que cabe às empresas no geral).
No
que toca ao objeto dos contratos, desde logo se verifica uma diferença, pois o
primeiro apenas trata da criação de um prazo e a definição de um calendário,
pelo qual os particulares se comprometem a respeitar as normas de proteção do
meio aquático; o segundo consiste na concessão de um prazo e a fixação de um
calendário para os particulares se adaptarem à legislação ambiental em vigor[6].
Por
fim a fiscalização e sanções no contrato de promoção o plano e calendário
instituem a referência para a fiscalização da atividade das instalações das
empresas aderentes. Se se verificar uma violação do plano, notifica-se a
entidade que gere as instalações e estabelece-se um prazo para se corrigir e as
consequências da não correção voluntária (art.68º nº 3, 6, 7 e 8 D.L. nº 236/98);
nos contratos de adaptação, o plano e o calendário passam a ser aceites como
menção para a fiscalização da atividade das instalações das empresas, quanto ao
cumprimento das suas obrigações ambientais. Caso se verifique, também se
notificará a empresa para voluntariamente corrigir as faltas sob pena de
exclusão do contrato (art 78º nº6, 7 e 8 do D.L 236/98) pela entidade
administrativa parte do contrato.
Feito
este pequeno roteiro pelos contratos de promoção e adaptação ambiental, cabe
agora, retomando a dificuldade de aceitação desta nova forma de atuação da
administração pelo menos relativamente a esta matéria, fazer referência aos
princípios que se contrapõem nesta questão, o princípio da legalidade e o
princípio da eficácia.
Sendo
que a própria e (compreensiva) rigidez característica dos instrumentos
unilaterais da administração, respeitam por si o princípio da legalidade,
tem-se assistido a uma cedência perante um outro princípio, o da eficácia,
tentando com isso atingir novos (nunca descurando dos já atingidos ou como
definidos a atingir pelo princípio da legalidade) objetivos, tais como na
impossibilidade de assegurar o cumprimento da lei, cabe-lhe tentar fazer
cumprir o que for possível[7],
fazendo-o por derrogação temporária de prazos, ou outros.
Pretende-se
portanto, com outros instrumentos administrativos, o contrato, atingir os
mesmos fins ou efeitos, que em matéria ambiental são a sustentabilidade,
prevenção, aproveitamento racional dos recursos, entre outros, alertando-se com
isto também para a consciência dos particulares que com a Administração
contratem, pois uma vez celebrado um contrato (que também é passível de
incumprimento) o tentem cumprir honradamente até ao fim.
Certos
autores[8], falam
em “crise do princípio da legalidade” que se explica por vários fatores, a
incapacidade da Administração em executar os comandos legais, uma vez que a lei
não chega tão perto da realidades em que a mesma tem que intervir; os pedidos
de eficácia que são reclamados à atuação Administrativa, que só se consegue, se
se atribuir maior liberdade e discricionariedade, e com isso uma maior margem
de livre apreciação, pois a rigidez da própria lei não postula necessariamente
eficácia; a par disto, o quadro valorativo da ação administrativa que a lei
determina também não demonstra qual a melhor maneira para obter esses
resultados, pois só através duma observação da realidade que se vive, é que se
perceciona o equilíbrio entre os interesses privados e os interesses públicos.
Fala-se
ainda duma hetero-determinação legal, problema que se coloca em relação à
imposição constitucional da Administração apenas poder agir sob habilitação
legal que fixe minimamente os pressupostos, efeitos e fins do poder que lhe é
atribuído. Pois só a própria Administração sabe quais os instrumentos mais
capazes para obtenção de certos resultados[9] e
prossecução de determinados fins.
Não
se quer com isto dizer que o princípio da legalidade se dissipou, apenas se tem
remetido o mesmo para um segundo plano, aliás de todo o modo este princípio, a
meu ver, necessita sempre estar presente, pois, duma maneira ou de outra é a
lei que no fundo define se a Administração pode atuar ou não, e em que termos.
Portanto esta crise, que o princípio da legalidade, que falam certos autores
parece-me verosímil, mas apenas no ponto de que a “normal” atuação da
Administração deixou de ser unilateral, e tem abraçado outras formas de atuação,
tais como as bilaterais, através de acordos, contratos, concertações, tendo em
vista ainda um outro ponto igualmente importante, a participação dos
particulares em matéria ambiental. E sem por isso se deixar de garantir a
segurança jurídica dos particulares e à Administração a prossecução e concretização
do interesse público.
Clarificando
agora a natureza dos contratos ambientais, a noção de contrato, similar em
todos os ramos de direito, é acordo vinculativo entre duas declarações de
vontade contrapostas, mas harmonizáveis[10].
De igual modo trata o CPA no art. 178º, o contrato administrativo, apenas se
distingue do “civil” pelo facto de uma das partes ser a Administração, e tende
a estabelecer uma relação jurídico-administrativa, não importando que pessoa o
faz, pessoa coletiva de direito público ou pessoa coletiva de direito privado
mas em exercício de funções públicas.
Diz-se,
então, contrato pelas razões atrás referidas: existência de duas vontades (que
se contrapõe ao ato, cuja característica é a existência de uma só vontade); contrapostas,
mas harmonizáveis. Por outro lado diz-se administrativo por ser celebrado com
uma entidade administrativa (ou entidade privada que exerce funções públicas),
substitui a emissão de um ato administrativo, e pelo facto do seu objeto conter
matérias que são constitucionalmente atribuídas à função administrativa. Com
isto se conclui que os contratos ambientais, são contratos e são
administrativos[11].
Definido
que os contratos ambientais são administrativos e visam um acordo de vontades,
têm como principais bases legais o art. 179º do CPA que refere que o contrato
administrativo pode ser celebrado, na prossecução das atribuições da pessoa coletiva
em que se integram. Outra base legal a principal em matéria ambiental é a Lei
de Bases do Ambiente (Lei nº 11/87), que no seu art. 35º/2 refere a
possibilidade da Administração pode celebrar contratos-programa. Outras bases
legais que se podem ter em conta são os D.L. n 236/98 (que revoga o D.L. n
74/90), estabelece normas, critérios e objetivos de qualidade com a finalidade
de proteger o meio aquático e melhorar a qualidade das águas em função dos seus
principais usos, no âmbito dos quais é possível celebrar (nos termos dos art.
68º e 78º) contratos ambientais; D.L. nº 352/90 que no seu art. 17º determina
que podem ser celebrados acordos referentes às emissões atmosféricas e à
qualidade do ar; o D.L. nº 384/87 (alterado pelos D.L nº 157/90 e pelo D.L. nº 319/2001)
que consagra o regime dos contratos-programa...
Em
jeito de conclusão os contratos ambientais, tema deste trabalho, toleram uma
adaptação dos métodos de produção das empresas, que ao invés de pagarem coimas,
comprometem-se a que dentro do prazo estabelecido consigam cumprir os limites
de poluição que são exigidos.
Tal
como refere Jacqueline Morand-Deviller[12] “
o acordo entre as partes é preferível à utilização de procedimentos
sancionatórios, a participação dos suspeitos faz deles cúmplices, o que parece
mais eficaz do que a repressão”. Concordo com esta afirmação, visto que
parece-me evidente que as empresas iriam optar por este tipo de contrato, já
que dispõe de um prazo para que possam reformular as suas estruturas e assim
conseguir cumprir a lei, não estando assim constantemente a violar as
disposições legais e correndo o risco de ser sancionadas severamente.
Parece-me
aceitável que os contratos ambientais sejam adotados como forma de atuação
perante certas matérias no âmbito das funções administrativas, uma vez que
pressupõem a participação, coordenação com os particulares, e ainda mais, levam
em conta que ao serem celebrados, lhes seja permitido desenvolver a sua atividade
económica (não limitando completamente a liberdade de atividade económica), sem
que para isso sejam constantemente advertidos de que estão em violação dos
limites de poluição, sendo-lhes dado o período de adaptação à legislação que
atribui uma certa folga até se sentirem capazes de respeitar os limites legais.
Bibliografia
·
Kirkby,
Mark Bobela-Mota, " Os contratos de
adaptação ambiental: a concentração entre a administração pública e os
particulares na aplicação de normas de polícia administrativa”; Lisboa:
AAFDL, 2001
·
Morand-Deviller, Jacqueline “Le Dorit de l’Environnement”, P.U.F, Paris.2000
·
Silva,
Vasco Pereira da, “Verde Cor de Direito,
Lições de Direito de Ambiente”, Almedina, 2002.
·
Maçãs,
Maria Fernanda – “Os Acordos Sectoriais
Como Instrumento da Política Ambiental” Revista do Centro de Estudos de
Direito do Ordenamento, Urbanismo e Ambiente
·
Silva,
Duarte Rodrigues “Os Contratos de
Adaptação Ambiental”, Tese Mestrado - 2000
Bruno Costa
Nº 17207 –
Subturma7
[1] Maria
Fernanda Maçãs, Os Acordos Sectoriais como Instrumento da Política Ambiental, pág.
37
[2] Mark Kirkby,
Os Contratos de Adaptação Ambiental, pág. 13
[3] Vasco
Pereira da Silva, Verde Cor de Direito – Lições de Direito do Ambiente, pág.
209
[4] Palavras
de Vasco Pereira da Silva
[5] Vasco
Pereira da Silva, Verde Cor de Direito – Lições de Direito do Ambiente, pág.
212
[6] E com
isso não serem sujeitos às sanções que estão estabelecidas por desrespeito dos
valores de poluição que são permitidos por lei.
[7] Mark Kirkby, Os Contratos de Adaptação
Ambiental, pág. 45 e ss
[8] Mark
Kirkby, Os Contratos de Adaptação Ambiental, pág. 48
[9] Mark
Kirkby, Os Contratos de Adaptação Ambiental, pág. 51
[10] Duarte Rodrigues
Silva, Os Contratos de Adaptação Ambiental, pág. 26
[11] Mark Kirkby,
Os Contratos de Adaptação Ambiental, pág. 96
[12]Em: Le Droit de L’environnement
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