sábado, 27 de abril de 2013

OS CONTRATOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA EM MATÉRIA AMBIENTAL


Os contratos da Administração Pública em matéria AmbientAL

Desde os anos 70 (início da proteção constitucional dos direitos de 3ª geração) em diante, a matéria de salvaguarda ambiental tornou-se evidente e com isso, novas formas jurídicas de tratamento das mesmas, no que toca a tipos instrumentos de utilizados. Passando-se de instrumentos essencialmente unilaterais, que se baseavam na vontade unilateral dum interveniente, normalmente a Administração Pública, seja através de leis, regulamentos, portarias, entre outros, para instrumentos de cariz bilateral, que abarcam em si uma ideia de concertação, acordo de vontades (pelo menos duas)[1], isto já no início dos anos 90.
Considerado este objeto como uma das novas funções do Estado, expressamente consagradas na Constituição, cabe portanto à Administração criar o suporte para um ambiente sem qualquer tipo de perturbação de maior[2].
A visão da Administração como “polícia” que administrativamente controlava, condicionava, sancionava os ilícitos ambientais, deixou de ser considerada (pelo menos exclusivamente) como tal, e ao que se lhe juntou a função, bem menos repressiva, ainda que interventiva, de promoção dum ambiente sustentável e equilibrado.
Tendo em conta as “novas” responsabilidades do Estado, e para melhor alcançar esta ideia de sustentabilidade do ambiente, que se centravam apenas na imposição de medidas aos particulares, passou-se a recorrer à figura da concertação, contratualização, no que toca à política ambiental.
Surgem assim os primeiros contratos que tratam de matéria ambiental, celebrados entre a Administração e os particulares. Destacam-se os contratos de promoção e os de adaptação ambiental, que mais adiante desenvolverei.
Assiste-se, portanto, a uma maior difusão do uso de instrumentos bilaterais ou consensuais pela Administração, que vulgarmente se chamam de contratos administrativos.[3]
Uma vez que o próprio Direito do Ambiente, tem a sua génese no Direito Administrativo, também este tem “sofrido” com o abandono dos normais instrumentos de trabalho da Administração no exercício das suas funções, nomeadamente a lei, o regulamento, as portarias, entre outros, e a passagem à “contratualização” desta matéria.[4]
Dois dos principais contratos em matéria ambiental, são o contrato de promoção ambiental e o contrato de adaptação ambiental.
Fazendo agora uma pequena destrinça relativamente a cada um no que toca ao seu fim, sujeitos, objeto fiscalização e sanções[5].
Quanto ao seu fim, o primeiro, destina-se “à promoção da melhoria da qualidade das águas e da proteção do meio aquático” (consta do art. 68º D.L. nº 236/98 de 1 de Agosto); já o segundo incide sobre a “adaptação à legislação ambiental em vigor e à redução da poluição causada pela descarga de águas residuais no meio aquático e no solo” (consta do art. 78º D.L. nº 236/98 de 1 de Agosto).
Tem como principais sujeitos, e uma vez que estamos perante contratos, (considerando-se o contrato como simples acordo de vontade”s”, pressupondo por isso pelo menos 2 partes) ambos têm como intervenientes dum lado a entidade administrativa (podendo ser o Ministério do Ambiente, e o Ministro responsável pelo sector de atividade económica e por outro as associações representativas dos sectores (que podem ser dos mais variados, como por exemplo o industrial, agro-alimentares, pecuária, entre outros), as empresas que venham a aderir ao acordo, as instalações das unidades empresariais do sector (tendo em conta que é necessário dividir esta parte em dois momentos: o da negociação, que cabe às associações e o da adesão, que cabe às empresas no geral).
No que toca ao objeto dos contratos, desde logo se verifica uma diferença, pois o primeiro apenas trata da criação de um prazo e a definição de um calendário, pelo qual os particulares se comprometem a respeitar as normas de proteção do meio aquático; o segundo consiste na concessão de um prazo e a fixação de um calendário para os particulares se adaptarem à legislação ambiental em vigor[6].
Por fim a fiscalização e sanções no contrato de promoção o plano e calendário instituem a referência para a fiscalização da atividade das instalações das empresas aderentes. Se se verificar uma violação do plano, notifica-se a entidade que gere as instalações e estabelece-se um prazo para se corrigir e as consequências da não correção voluntária (art.68º nº 3, 6, 7 e 8 D.L. nº 236/98); nos contratos de adaptação, o plano e o calendário passam a ser aceites como menção para a fiscalização da atividade das instalações das empresas, quanto ao cumprimento das suas obrigações ambientais. Caso se verifique, também se notificará a empresa para voluntariamente corrigir as faltas sob pena de exclusão do contrato (art 78º nº6, 7 e 8 do D.L 236/98) pela entidade administrativa parte do contrato.
Feito este pequeno roteiro pelos contratos de promoção e adaptação ambiental, cabe agora, retomando a dificuldade de aceitação desta nova forma de atuação da administração pelo menos relativamente a esta matéria, fazer referência aos princípios que se contrapõem nesta questão, o princípio da legalidade e o princípio da eficácia.
Sendo que a própria e (compreensiva) rigidez característica dos instrumentos unilaterais da administração, respeitam por si o princípio da legalidade, tem-se assistido a uma cedência perante um outro princípio, o da eficácia, tentando com isso atingir novos (nunca descurando dos já atingidos ou como definidos a atingir pelo princípio da legalidade) objetivos, tais como na impossibilidade de assegurar o cumprimento da lei, cabe-lhe tentar fazer cumprir o que for possível[7], fazendo-o por derrogação temporária de prazos, ou outros.
Pretende-se portanto, com outros instrumentos administrativos, o contrato, atingir os mesmos fins ou efeitos, que em matéria ambiental são a sustentabilidade, prevenção, aproveitamento racional dos recursos, entre outros, alertando-se com isto também para a consciência dos particulares que com a Administração contratem, pois uma vez celebrado um contrato (que também é passível de incumprimento) o tentem cumprir honradamente até ao fim.
Certos autores[8], falam em “crise do princípio da legalidade” que se explica por vários fatores, a incapacidade da Administração em executar os comandos legais, uma vez que a lei não chega tão perto da realidades em que a mesma tem que intervir; os pedidos de eficácia que são reclamados à atuação Administrativa, que só se consegue, se se atribuir maior liberdade e discricionariedade, e com isso uma maior margem de livre apreciação, pois a rigidez da própria lei não postula necessariamente eficácia; a par disto, o quadro valorativo da ação administrativa que a lei determina também não demonstra qual a melhor maneira para obter esses resultados, pois só através duma observação da realidade que se vive, é que se perceciona o equilíbrio entre os interesses privados e os interesses públicos.
Fala-se ainda duma hetero-determinação legal, problema que se coloca em relação à imposição constitucional da Administração apenas poder agir sob habilitação legal que fixe minimamente os pressupostos, efeitos e fins do poder que lhe é atribuído. Pois só a própria Administração sabe quais os instrumentos mais capazes para obtenção de certos resultados[9] e prossecução de determinados fins.
Não se quer com isto dizer que o princípio da legalidade se dissipou, apenas se tem remetido o mesmo para um segundo plano, aliás de todo o modo este princípio, a meu ver, necessita sempre estar presente, pois, duma maneira ou de outra é a lei que no fundo define se a Administração pode atuar ou não, e em que termos. Portanto esta crise, que o princípio da legalidade, que falam certos autores parece-me verosímil, mas apenas no ponto de que a “normal” atuação da Administração deixou de ser unilateral, e tem abraçado outras formas de atuação, tais como as bilaterais, através de acordos, contratos, concertações, tendo em vista ainda um outro ponto igualmente importante, a participação dos particulares em matéria ambiental. E sem por isso se deixar de garantir a segurança jurídica dos particulares e à Administração a prossecução e concretização do interesse público.
Clarificando agora a natureza dos contratos ambientais, a noção de contrato, similar em todos os ramos de direito, é acordo vinculativo entre duas declarações de vontade contrapostas, mas harmonizáveis[10]. De igual modo trata o CPA no art. 178º, o contrato administrativo, apenas se distingue do “civil” pelo facto de uma das partes ser a Administração, e tende a estabelecer uma relação jurídico-administrativa, não importando que pessoa o faz, pessoa coletiva de direito público ou pessoa coletiva de direito privado mas em exercício de funções públicas.
Diz-se, então, contrato pelas razões atrás referidas: existência de duas vontades (que se contrapõe ao ato, cuja característica é a existência de uma só vontade); contrapostas, mas harmonizáveis. Por outro lado diz-se administrativo por ser celebrado com uma entidade administrativa (ou entidade privada que exerce funções públicas), substitui a emissão de um ato administrativo, e pelo facto do seu objeto conter matérias que são constitucionalmente atribuídas à função administrativa. Com isto se conclui que os contratos ambientais, são contratos e são administrativos[11].
Definido que os contratos ambientais são administrativos e visam um acordo de vontades, têm como principais bases legais o art. 179º do CPA que refere que o contrato administrativo pode ser celebrado, na prossecução das atribuições da pessoa coletiva em que se integram. Outra base legal a principal em matéria ambiental é a Lei de Bases do Ambiente (Lei nº 11/87), que no seu art. 35º/2 refere a possibilidade da Administração pode celebrar contratos-programa. Outras bases legais que se podem ter em conta são os D.L. n 236/98 (que revoga o D.L. n 74/90), estabelece normas, critérios e objetivos de qualidade com a finalidade de proteger o meio aquático e melhorar a qualidade das águas em função dos seus principais usos, no âmbito dos quais é possível celebrar (nos termos dos art. 68º e 78º) contratos ambientais; D.L. nº 352/90 que no seu art. 17º determina que podem ser celebrados acordos referentes às emissões atmosféricas e à qualidade do ar; o D.L. nº 384/87 (alterado pelos D.L nº 157/90 e pelo D.L. nº 319/2001) que consagra o regime dos contratos-programa...
Em jeito de conclusão os contratos ambientais, tema deste trabalho, toleram uma adaptação dos métodos de produção das empresas, que ao invés de pagarem coimas, comprometem-se a que dentro do prazo estabelecido consigam cumprir os limites de poluição que são exigidos.
Tal como refere Jacqueline Morand-Deviller[12] “ o acordo entre as partes é preferível à utilização de procedimentos sancionatórios, a participação dos suspeitos faz deles cúmplices, o que parece mais eficaz do que a repressão”. Concordo com esta afirmação, visto que parece-me evidente que as empresas iriam optar por este tipo de contrato, já que dispõe de um prazo para que possam reformular as suas estruturas e assim conseguir cumprir a lei, não estando assim constantemente a violar as disposições legais e correndo o risco de ser sancionadas severamente.
Parece-me aceitável que os contratos ambientais sejam adotados como forma de atuação perante certas matérias no âmbito das funções administrativas, uma vez que pressupõem a participação, coordenação com os particulares, e ainda mais, levam em conta que ao serem celebrados, lhes seja permitido desenvolver a sua atividade económica (não limitando completamente a liberdade de atividade económica), sem que para isso sejam constantemente advertidos de que estão em violação dos limites de poluição, sendo-lhes dado o período de adaptação à legislação que atribui uma certa folga até se sentirem capazes de respeitar os limites legais.



Bibliografia
·         Kirkby, Mark Bobela-Mota, " Os contratos de adaptação ambiental: a concentração entre a administração pública e os particulares na aplicação de normas de polícia administrativa”; Lisboa: AAFDL, 2001
·         Morand-Deviller, Jacqueline “Le Dorit de l’Environnement”, P.U.F, Paris.2000
·         Silva, Vasco Pereira da, “Verde Cor de Direito, Lições de Direito de Ambiente”, Almedina, 2002.
·         Maçãs, Maria Fernanda – “Os Acordos Sectoriais Como Instrumento da Política Ambiental” Revista do Centro de Estudos de Direito do Ordenamento, Urbanismo e Ambiente
·         Silva, Duarte Rodrigues “Os Contratos de Adaptação Ambiental”, Tese Mestrado - 2000

Bruno Costa
Nº 17207 – Subturma7


[1] Maria Fernanda Maçãs, Os Acordos Sectoriais como Instrumento da Política Ambiental, pág. 37
[2] Mark Kirkby, Os Contratos de Adaptação Ambiental, pág. 13
[3] Vasco Pereira da Silva, Verde Cor de Direito – Lições de Direito do Ambiente, pág. 209
[4] Palavras de Vasco Pereira da Silva
[5] Vasco Pereira da Silva, Verde Cor de Direito – Lições de Direito do Ambiente, pág. 212
[6] E com isso não serem sujeitos às sanções que estão estabelecidas por desrespeito dos valores de poluição que são permitidos por lei.
[7]  Mark Kirkby, Os Contratos de Adaptação Ambiental, pág. 45 e ss
[8] Mark Kirkby, Os Contratos de Adaptação Ambiental, pág. 48
[9] Mark Kirkby, Os Contratos de Adaptação Ambiental, pág.  51
[10] Duarte Rodrigues Silva, Os Contratos de Adaptação Ambiental, pág. 26
[11] Mark Kirkby, Os Contratos de Adaptação Ambiental, pág. 96
[12]Em:  Le Droit de L’environnement

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