quinta-feira, 11 de abril de 2013

Instrumentos de Mercado


Instrumentos do Direito do Ambiente

Instrumentos de Mercado:

Proteger o ambiente é uma tarefa árdua e cara, significa gerir recursos escassos e promover a sua qualidade regenerativa.

É necessário aliciar consumidores e empresas para as vantagens de proteger o ambiente, associando-os à implementação da política ambiental.

É esta dimensão de essencial colaboração que explica a inserção de um ponto dedicado a instrumentos de mercado no conjunto de ferramentas de protecção do ambiente. Tanto de um ponto de vista económico como psicológico, a participação entre entidades públicas e privadas a que apela o artigo 66º/2 da Constituição da República Portuguesa (CRP) é fundamental à consecução dos objectivos de uma política eficaz de protecção do ambiente[1]. 

A introdução de instrumentos de mercado enfrenta alguns obstáculo éticos (mercantilização de grandezas de fruição colectiva), jurídicos (fungibilização de componentes ambientais) e também comerciais (proteccionismo verde). Apesar de tudo isto, parece hoje constituir uma inevitabilidade em face da falência dos modelos tradicionais.

O resultado mais claro da Cimeira Rio + 20 é a fórmula conhecida como Economia Verde, que surge como o braço armado do volátil e mesmo ambíguo conceito de “desenvolvimento sustentável”.

Analisemos o caso da Coreia do Sul, que adoptou uma estratégia nacional de crescimento verde para o quinquénio 2009-2013, no qual se prevê a afectação de 2% do PIB a investimento em geração de energia a partir de fontes renováveis, em estruturas ecoeficientes, em tecnologias limpas e no tratamento e abastecimento público de água. Ao mesmo tempo, e como forma de divulgação desta nova filosofia de crescimento, o governo sulcoreano constitui o Global Green Growth Institute (GGGI) [2], que tem como objectivo o apoio de países em desenvolvimento na adopção destas novas estratégias. 

Estas técnicas de incentivo à adopção de métodos de funcionamento que se revelem ecologicamente menos agressivos e desgastantes funcionam como a cenoura, o prémio aos empresários que mais invistam em tecnologias de ponta e assim obtenham dividendos no mercado. De qualquer maneira, o Estado não pode nunca abdicar do cacete, das medidas de controlo, mesmo que de fim de linha, como as sanções contraordenacionais a quem não cumpre os mínimos [3].

O rótulo ecológico é considerado um importante método de sensibilização ambiental, ele tenta cativar os consumidores para comportamentos que sejam inovadores e comunitariamente relevantes. Trata-se de uma etiquetagem funcionalizada à sedimentação de atitudes “ambientalmente amigas”, que mais do que informar o consumidor das características do produto com vista à sua protecção individual e a curto prazo, antes intenta, “no longo prazo”, criar uma consciência colectiva dos problemas ligados ao ambiente e enraizando a responsabilização dos consumidores face à necessidade de agir em conjunto para manter uma qualidade de vida globalmente razoável. O “risco de consumo” do produto para o consumidor transforma-se em “risco de sociedade”, perdendo assim a sua natureza individual. O “risco ecológico” passa então a ser um um factor de comportamento determinante[4].

A política de ambiente traduz uma revolução demasiado grande dos hábitos de vida e de lucro alimentados por dois séculos de capitalismo para poder entranhar-se sem instrumentos de mercado, embora sem nunca abdicar do controlo preventivo ou repressivo exercido pelo estado.  

O ambiente enquanto grandeza  de fruição colectiva, é uma responsabilidade de todos, desde o grande industrial que transacciona títulos de emissão de CO num mercado especulativo até ao cidadão anónimo que entrega resíduos em troca de créditos para utilização nos transportes públicos[5].

Mas o ambiente é também bem público, cuja tarefa de preservação e promoção é simultaneamente missão das entidades locais, regionais, estatuais e estatais, razão pela qual estas não se podem demitir de impor e fazer cumprir normas de gestão racional dos componentes ambientais naturais.

Os instrumentos de Mercado dividem-se em obrigatórios e voluntários.

Dentro dos instrumentos obrigatórios, o mercado de títulos de emissão de gases com efeito de estufa é o exemplo paradigmático.

O CELE (comércio europeu de licenças de emissão) tem na sua base a directiva 2004/101/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de Outubro e o DL 233/2004, de 14 de Dezembro, que instituiu em Portugal o regime jurídico de comércio de licenças de emissão de gases com efeito de estufa, na redacção dada pelo DL  72/2006, de 24 de Março.

Trata-se de um mercado de títulos (administrativos e simultaneamente mobiliários) que são atribuídos a determinadas instalações (as que emitem os gases que fazem parte do pacote de seis descritos no Anexo), os quais as investem anualmente no direito de emitir as toneladas de gases com efeito de estufa neles representados (cada título equivale a uma tonelada). Caso emitam acima desse valor, deverão ir ao mercado comprar títulos para cobrir o excesso, se pelo contrário,  caso emitam abaixo desse valor, ficarão com créditos que poderão vender em bolsa, em preço a determinar com base nas leis da oferta e da procura.

A vinculação da União Europeia ao cumprimento das metas de Quioto (obrigando-se a aumentar a fasquia da redução para 8% em relação aos níveis    de emissões de 1990, quando Quioto apenas impõe 5%), torna este mercado obrigatório.

Foi Tiago Antunes quem disse: “o CELE prossegue, simultaneamente, um objectivo ambiental e um objectivo económico. O objectivo ambiental é alcançado por via da estipulação, a priori, do tecto máximo de poluição que pode ser globalmente emitida. O objectivo económico é obtido por via de livre circulação das licenças de emissão, o que, individualmente, permite aos agentes económicos negociar entre si com vista a maximizar os respectivos proveitos e, globalmente, permite atenuar os custos do combate à poluição[6].

Um outro instrumento obrigatório é o certificado de eficiência energética dos edifícios. Neste momento  constitui apenas um factor de valorização dos imóveis, pois garante uma optimização das fontes de energia que aí são utilizadas.

Quando o mercado de “certificados brancos” for implementado, os detentores de imóveis com melhores desempenhos energéticos terão créditos para vender a operadores com piores performances, numa lógica em tudo similar à do mercado de emissões de gases com efeito de estufa.

Passemos agora aos instrumentos  voluntários.
A promoção dos valores ambientais está na moda e as empresas podem aproveitar essa tendência de modernidade do consumidor como instrumento de marketing da sua marca e de valorização dos seus produtos. É esta, fundamentalmente, a explicação para a adesão a mecanismos voluntários.

Como exemplos destes mecanismos temos:

O rótulo ecológico europeu, cujo regime consta actualmente do Regulamento (CE) 66/2010, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de Novembro de 2009, de acordo com os critérios e metodologia descritos no seu anexo I.

Aplica-se a bens e serviços distribuídos, consumidos ou utilizados no espaço económico europeu  (logo, aos 27 Estados-membros e também à Islândia, Liechtenstein, Noruega e Suiça), salvo medicamentos humanos e veterinários, ou a quaisquer dispositivos médicos (artigo 2).

O rótulo reveste as vantagens da recognoscibilidade (único em toda a UE), da selectividade (a sua atribuição obedece a critérios e metodologias bem definidos), da transparência (as condições de atribuição em concreto para cada grupo de produtos ou serviços são decididas por um Comité do Rótulo Ecológico, órgão independente e de composição alargada (artigo 5/2 do Regulamento). Em Portugal, o rótulo é atribuído pela Direcção-Geral das Actividade Económicas.

Os sistemas de ecogestão e auditoria, regime plasmado no Regulamento (CE) 1221/2009, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de Novembro, relativo à participação voluntária de organizações num sistema comunitário de ecogestão e auditoria (EMAS = Eco-Management and Audit Scheme), visam “promover a melhoria contínua do desempenho ambiental das organizações mediante o estabelecimento e a implementação pelas mesmas de sistemas de gestão ambiental, a avaliação sistemática, objectiva e periódica do desempenho de tais sistemas, a comunicação de informações sobre o desempenho ambiental e um diálogo aberto com o público e com outras partes interessadas, bem como a participação activa do pessoal das organizações e a sua formação adequada” (artigo 1º e 2º do Regulamento).

Três outras realidades merecem referência pela sua interligação à política ambiental, são elas o mercado de resíduos, o mercado de licenças e concessões e de cedências temporárias de títulos de utilização do domínio hídrico e o mercado de créditos de biodiversidade.


Bibliografia:

AMADO GOMES, Carla, Introdução ao Direito do Ambiente, AAFDL, 2012, pp. 163 segs.

PEREIRA DA SILVA, Vasco, Breve nota sobre o direito sancionatório do ambiente, Direito sancionatório das autoridades reguladoras, Coimbra, 2009, pp. 271 segs.



[1]  GOLLA, Marcella, Il marchio di qualità come strumento di tutela ambientale, Rivista Italiana di Diritto Pubblico Comunitario, 1994/95, pp. 895 segs
[2] http://www.gggi.org/.
[3] FIGUEIREDO DIAS, José Eduardo, Que estratégia para o direito ambiental norte-americano do século XXI: o “cacete” ou a “cenoura”?, BFDUC, 2001, pp. 291 segs.
[4] MANIET, Françoise, Label écologique: ange ou démon?, Revue Européenne de la consommation, 1991, pp. 191 segs.
[5] Designer brasileiro propõe trocar lixo por créditos para utilizar nos transportes públicos – http://greensavers.sapo.pt/2012/08/15/designer-brasileiro-propoe-trocar-lixo-por-creditos-para-utilizar-nos-transportes-públicos/ .
[6] ANTUNES, Tiago, inserido no texto Direito Administrativo do Ambiente (Paulo Otero e Pedro Gonçalves), Coimbra, 2009, pp. 159 segs.

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