Instrumentos do Direito do Ambiente
Instrumentos de Mercado:
Proteger o ambiente é uma tarefa árdua e cara, significa gerir recursos
escassos e promover a sua qualidade regenerativa.
É necessário aliciar consumidores e empresas para as vantagens de proteger
o ambiente, associando-os à implementação da política ambiental.
É esta dimensão de essencial colaboração que explica a inserção de um ponto
dedicado a instrumentos de mercado no conjunto de ferramentas de protecção do
ambiente. Tanto de um ponto de vista económico como psicológico, a participação
entre entidades públicas e privadas a que apela o artigo 66º/2 da Constituição
da República Portuguesa (CRP) é fundamental à consecução dos objectivos de uma
política eficaz de protecção do ambiente[1].
A introdução de instrumentos de mercado enfrenta alguns obstáculo éticos
(mercantilização de grandezas de fruição colectiva), jurídicos (fungibilização
de componentes ambientais) e também comerciais (proteccionismo verde). Apesar
de tudo isto, parece hoje constituir uma inevitabilidade em face da falência
dos modelos tradicionais.
O resultado mais claro da Cimeira Rio + 20 é a fórmula conhecida como Economia
Verde, que surge como o braço armado do volátil e mesmo ambíguo conceito de
“desenvolvimento sustentável”.
Analisemos o caso da Coreia do Sul, que adoptou uma estratégia nacional de
crescimento verde para o quinquénio 2009-2013, no qual se prevê a afectação de
2% do PIB a investimento em geração de energia a partir de fontes renováveis,
em estruturas ecoeficientes, em tecnologias limpas e no tratamento e
abastecimento público de água. Ao mesmo tempo, e como forma de divulgação desta
nova filosofia de crescimento, o governo sulcoreano constitui o Global
Green Growth Institute (GGGI) [2], que tem como objectivo o apoio de países em desenvolvimento na adopção
destas novas estratégias.
Estas técnicas de incentivo à adopção de métodos de funcionamento que se
revelem ecologicamente menos agressivos e desgastantes funcionam como
a cenoura, o prémio aos empresários que mais invistam em
tecnologias de ponta e assim obtenham dividendos no mercado. De qualquer
maneira, o Estado não pode nunca abdicar do cacete, das medidas de controlo,
mesmo que de fim de linha, como as sanções contraordenacionais a quem não
cumpre os mínimos [3].
O rótulo ecológico é considerado um importante método de sensibilização
ambiental, ele tenta cativar os consumidores para comportamentos que sejam
inovadores e comunitariamente relevantes. Trata-se de uma etiquetagem
funcionalizada à sedimentação de atitudes “ambientalmente amigas”, que mais do
que informar o consumidor das características do produto com vista à sua
protecção individual e a curto prazo, antes intenta, “no longo prazo”, criar
uma consciência colectiva dos problemas ligados ao ambiente e enraizando a
responsabilização dos consumidores face à necessidade de agir em conjunto para
manter uma qualidade de vida globalmente razoável. O “risco de consumo” do
produto para o consumidor transforma-se em “risco de sociedade”, perdendo assim
a sua natureza individual. O “risco ecológico” passa então a ser um um factor
de comportamento determinante[4].
A política de ambiente traduz uma revolução demasiado grande dos hábitos de
vida e de lucro alimentados por dois séculos de capitalismo para poder
entranhar-se sem instrumentos de mercado, embora sem nunca abdicar do controlo
preventivo ou repressivo exercido pelo estado.
O ambiente enquanto grandeza de fruição colectiva, é uma
responsabilidade de todos, desde o grande industrial que transacciona títulos
de emissão de CO2 num
mercado especulativo até ao cidadão anónimo que entrega resíduos em troca de
créditos para utilização nos transportes públicos[5].
Mas o ambiente é também bem público, cuja tarefa de preservação e promoção
é simultaneamente missão das entidades locais, regionais, estatuais e estatais,
razão pela qual estas não se podem demitir de impor e fazer cumprir normas de
gestão racional dos componentes ambientais naturais.
Os instrumentos de Mercado dividem-se em obrigatórios e voluntários.
Dentro dos instrumentos obrigatórios, o mercado de títulos de emissão de
gases com efeito de estufa é o exemplo paradigmático.
O CELE (comércio europeu de licenças de emissão) tem na sua base a
directiva 2004/101/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de Outubro e
o DL 233/2004, de 14 de Dezembro, que instituiu em Portugal o regime jurídico
de comércio de licenças de emissão de gases com efeito de estufa, na redacção
dada pelo DL 72/2006, de 24 de Março.
Trata-se de um mercado de títulos (administrativos e simultaneamente
mobiliários) que são atribuídos a determinadas instalações (as que emitem os
gases que fazem parte do pacote de seis descritos no Anexo), os quais as
investem anualmente no direito de emitir as toneladas de gases com efeito de
estufa neles representados (cada título equivale a uma tonelada). Caso emitam
acima desse valor, deverão ir ao mercado comprar títulos para cobrir o excesso,
se pelo contrário, caso emitam abaixo desse valor, ficarão com créditos
que poderão vender em bolsa, em preço a determinar com base nas leis da oferta
e da procura.
A vinculação da União Europeia ao cumprimento das metas de Quioto
(obrigando-se a aumentar a fasquia da redução para 8% em relação aos níveis
de emissões de 1990, quando Quioto apenas impõe 5%), torna
este mercado obrigatório.
Foi Tiago Antunes quem disse: “o CELE prossegue, simultaneamente, um
objectivo ambiental e um objectivo económico. O objectivo ambiental é alcançado
por via da estipulação, a priori, do tecto máximo de poluição que
pode ser globalmente emitida. O objectivo económico é obtido por via de livre
circulação das licenças de emissão, o que, individualmente, permite aos agentes
económicos negociar entre si com vista a maximizar os respectivos proveitos e,
globalmente, permite atenuar os custos do combate à poluição[6].
Um outro instrumento obrigatório é o certificado de eficiência energética
dos edifícios. Neste momento constitui apenas um factor de valorização
dos imóveis, pois garante uma optimização das fontes de energia que aí são
utilizadas.
Quando o mercado de “certificados brancos” for implementado, os detentores
de imóveis com melhores desempenhos energéticos terão créditos para vender a
operadores com piores performances, numa lógica em tudo similar à
do mercado de emissões de gases com efeito de estufa.
Passemos agora aos instrumentos voluntários.
A promoção dos valores ambientais está na moda e as empresas podem
aproveitar essa tendência de modernidade do consumidor como instrumento de marketing da
sua marca e de valorização dos seus produtos. É esta, fundamentalmente, a
explicação para a adesão a mecanismos voluntários.
Como exemplos destes mecanismos temos:
O rótulo ecológico europeu, cujo regime consta actualmente do Regulamento
(CE) 66/2010, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de Novembro de 2009,
de acordo com os critérios e metodologia descritos no seu anexo I.
Aplica-se a bens e serviços distribuídos, consumidos ou utilizados no
espaço económico europeu (logo, aos 27 Estados-membros e também à
Islândia, Liechtenstein, Noruega e Suiça), salvo medicamentos humanos e
veterinários, ou a quaisquer dispositivos médicos (artigo 2).
O rótulo reveste as vantagens da recognoscibilidade (único em toda a UE),
da selectividade (a sua atribuição obedece a critérios e metodologias bem
definidos), da transparência (as condições de atribuição em concreto para cada
grupo de produtos ou serviços são decididas por um Comité do Rótulo Ecológico,
órgão independente e de composição alargada (artigo 5/2 do Regulamento). Em
Portugal, o rótulo é atribuído pela Direcção-Geral das Actividade Económicas.
Os sistemas de ecogestão e auditoria, regime plasmado no Regulamento (CE)
1221/2009, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de Novembro, relativo à
participação voluntária de organizações num sistema comunitário de ecogestão e
auditoria (EMAS = Eco-Management and Audit Scheme), visam “promover a melhoria
contínua do desempenho ambiental das organizações mediante o estabelecimento e
a implementação pelas mesmas de sistemas de gestão ambiental, a avaliação
sistemática, objectiva e periódica do desempenho de tais sistemas, a
comunicação de informações sobre o desempenho ambiental e um diálogo aberto com
o público e com outras partes interessadas, bem como a participação activa do
pessoal das organizações e a sua formação adequada” (artigo 1º e 2º do
Regulamento).
Três outras realidades merecem referência pela sua interligação à política
ambiental, são elas o mercado de resíduos, o mercado de licenças e concessões e
de cedências temporárias de títulos de utilização do domínio hídrico e o
mercado de créditos de biodiversidade.
Bibliografia:
AMADO GOMES, Carla, Introdução ao Direito do Ambiente, AAFDL, 2012, pp. 163
segs.
PEREIRA DA SILVA, Vasco, Breve nota sobre o direito sancionatório do
ambiente, Direito sancionatório das autoridades reguladoras, Coimbra, 2009, pp.
271 segs.
[3] FIGUEIREDO DIAS, José Eduardo, Que
estratégia para o direito ambiental norte-americano do século XXI: o “cacete”
ou a “cenoura”?, BFDUC, 2001, pp. 291 segs.
[5] Designer brasileiro propõe trocar lixo
por créditos para utilizar nos transportes públicos –
http://greensavers.sapo.pt/2012/08/15/designer-brasileiro-propoe-trocar-lixo-por-creditos-para-utilizar-nos-transportes-públicos/
.
[6] ANTUNES, Tiago, inserido no texto Direito Administrativo do Ambiente
(Paulo Otero e Pedro Gonçalves), Coimbra, 2009, pp. 159 segs.
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