sexta-feira, 3 de maio de 2013

O Direito Penal do Ambiente


 
 

1.      Introdução

Estão hoje qualificados como crimes[1] no Código Penal, os atentados mais gravosos ao ambiente – crime de danos contra a natureza e o crime de poluição. A boa resolução das condutas qualificadas como criminosas vai depender da eficácia da intervenção do direito penal[2] na tutela do ambiente.

Com a revisão do Código Penal em 1995 foram introduzidos o crime de danos contra a natureza (artigo 278º[3] CP) e o crime de poluição (artigo 279º [4]CP), os quais protegem o ambiente de forma direta. Esta nova tutela do ambiente ficou a dever-se à tomada de consciência pela sociedade da gravidade da degradação ambiental pela crescente industrialização e sofisticação das condutas perigosas para o equilíbrio ecológico – Sociedade de Risco. E também pelo facto do legislador constitucional configurar o direito ao ambiente como um direito fundamental autónomo e também como direito social e económico, fica o legislador penal legitimado a criar crimes onde o bem jurídico[5] protegido seja o ambiente enquanto tal.

A Constituição da República Portuguesa justifica  a legitimidade da intervenção penal, deve existir uma congruência entre os valores previstos na Constituição e os bens jurídicos protegidos pelo Direito Penal. Ou seja, devemos considerar que uma conduta só pode constituir um crime quando lesar um bem jurídico com relevância constitucional.

O Direito Penal deve ter um carácter subsidiário[6], uma vez que é especialmente gravoso, por ser o único a permitir a privação da liberdade das pessoas – pena de pressão.

 

 

2.      Desenvolvimento – O Direito Penal do Ambiente

Tendo em conta que só há pouco mais de duas décadas é que se começou a colocar-se o problema da criminalização de condutas lesivas do ambiente, surgindo então o Direito Penal do Ambiente, ou seja só muito recentemente é que a defesa do ambiente assumiu a dimensão de um bem jurídico objetivo fundamental, adquirindo estatuto constitucional, como Direito Fundamental.

Segundo o  Professor Vasco Pereira da Silva, a favor de uma tutela sancionatória pela via penal podem ser utilizados os seguintes argumentos:

a)      Vir a conferir ao Direito Penal uma maior “dignidade jurídica”, ao mesmo tempo que lhe atribui uma função “pedagógica social”;

b)      Determinados comportamentos lesivos do ambiente podem dar origem não apenas à aplicação de sanções pecuniárias mas também de penas privativas da liberdade;

c)      O direito penal pode levar a aplicações de) sanções mais severas, por outro lado, são asseguradas a todos os cidadãos todas as garantias de defesa.

 

O Professor por sua vez diz-nos que podem ser utilizados como crítica os seguintes argumentos:

a)      A inadequação do direito penal, pois este direito assenta na repressão de comportamentos antijurídicos graves;

b)      Pelo facto de no direito penal a imputação de responsabilidades é rigorosamente individual;

c)      O perigo de descaraterização e de subalternização do direito penal, pois a maior parte dos crimes ambientais decorre da desobediência às prescrições de autoridades administrativas;

d)      A ineficácia de um sistema sancionatório do ambiente de tipo penal, dada a dificuldade prática em condenar os criminosos do ambiente

 

No Código Penal encontram-se previstos crimes ambientais no Capítulo III, “Dos Crimes de Perigo Comum”, do Título IV, “Dos Crimes contra a Vida em Sociedade”, nos artigos 272º e seguintes. Consistem em crimes em que é posta em causa a conduta humana eticamente reprovável, o que depois resulta na lesão de um bem ambiental. Contudo, os crimes ambientais são especificamente: o de danos contra a natureza (artigoº 278ºCP), o da poluição (artigo 279º CP) e o de poluição com perigo comum (artigo 280ºCP). [7]

 

Ø  O crime – Danos contra a Natureza (278ºCP):

Verifica-se sempre que alguém eliminar exemplares de fauna ou flora, ou destruir o habitat ou esgotar os recursos do subsolo, de forma grave desrespeitando disposições legais ou regulamentos. Poderá ter de cumprir uma pena até 3 anos ou multa até 600 dias, em caso de dolo, por sua vez será de 1 ano de prisão ou pena de multa, se for com negligência.

Para haver consumação do crime não é necessário a criação de qualquer dano ou perigo para o homem de forma imediata, os objetos de tutela da norma são a fauna, a flora, o habitat natural e os recursos do subsolo.

Para que haja crime de danos contra a natureza é necessário que o agente desrespeite disposições legais ou regulamentares de fauna ou flora ou na destruição de habitar natural ou ainda no esgotamento de recursos do subsolo.

O crime de danos [8]contra a natureza surge pois como um crime de desobediência qualificada pela ocorrência de um dano ambiental. Sucede porém que este dano deve ainda revestir um carácter especial gravidade.

 

Ø  O crime – Poluição (279ºCP):

Por sua vez, verifica-se quando alguém poluir águas ou solos ou degradar a sua qualidade, poluir o ar mediante utilização de aparelhos técnicos ou de instalações, provocar poluição sonora em especial pela utilização de máquinas de forma inadmissível, entre outros. Deverá cumprir pena de 3 anos de prisão ou multa até 600 dias, em caso de dolo, contudo, se for por negligência a pena é de 1 ano de prisão ou pena de multa.

O crime de poluição é um crime ecológico puro porque tem como objetos autónomos de proteção a água, o solo, o ar ou o domínio do som. Também aqui o legislador optou por construir o tipo legal de crime como um crime de desobediência qualificada pelo dano.

A desobediência resulta da indispensabilidade para a existência do crime de uma poluição em medida inadmissível, sendo que esta só ocorre quando contrariar prescrições ou limitações impostas pelas autoridades em conformidade com disposições legais ou regulamentares. Mas a desobediência não é em si só relevante, porque para que haja crime de poluição é também necessária a efetiva poluição da água, dos solos, do ar ou a poluição sonora.

Ø  O crime – Poluição com perigo comum (280º CP):

 É um crime qualificado, ocorre quando alguém praticar a conduta referida no art.279º CP, criando perigo para a vida ou para a integridade física de outrem ou criando perigo para bens patrimoniais alheios de valor elevado. A consequência será a pena de prisão de 1 a 8 anos se for em caso de dolo, e será de 5 anos de prisão se for por negligência.

Não constitui um crime ecológico puro. Diferente do que sucede nos outros crimes (crime de danos contra a natureza e o crime de poluição), neste caso o ambiente é tutelado de forma meramente mediata.

Só há crime de poluição com perigo comum se a conduta poluidora do agente for perigosa para bens pessoais ou patrimoniais especialmente relevante do homem. O ambiente não merece aqui uma proteção autónoma. A norma consagra uma punição agravada do agente porque ele, através da sua conduta poluidora, criou um perigo para a vida ou para a integridade física de outra pessoa ou criou um perigo para bens patrimoniais de valor elevado.

 

 

v  A jurisprudência penal ambiental

Entre 1995 e 1999, a jurisprudência dos tribunais superiores registou um pequeno número de casos de crimes ambientais, revelando alguns orientações em matéria penal.

Nota-se que a situação da poluição da água é recorrente nos tribunais superiores, muitas vezes devido a falta de licença de laboração das unidades poluidoras (Acórdãos da Relação do Porto de 8/4/92; 14/10/92; 25/11/92; 19/6/96; 30/10/96), outras vezes por motivos de contaminação da água (Acórdãos da Relação do Porto de 17/1/96 e 28/10/98).

Segundo a Professora Fernanda Palmaa boa interpretação jurídica é (…) a que consta dos Acórdãos da Relação do Porto de 9/12/92 ou 25/3/98”.[9]

 

 

 

v  A tipicidade da poluição no artigo 279º CP e os danos ambientais graves

A Professora Fernanda Palma coloca uma questão saber se a descarga de águas residuais ou de efluentes sem controlo e eventualmente com risco para as espécies aquáticas ou para a flora se trata de uma “poluição em medida inadmissível” nos termos do artigo 279º/1 CP?

O nº3 do 279º, não é restritivo da tipicidade da poluição em situações de perigo para a vida, integridade física e bens patrimoniais de valor elevado (280º1), mas apenas indicadora, fora desses casos, da tipicidade da poluição. Mas na realidade o nº3 não define literalmente um significado exclusivo da medida inadmissível. Mas aponta casos que terão de ser considerados como de poluição em medida inadmissivel.

 

O conteúdo dos artigos 279º e 280º do CP contem um sistema punitivo com três casos de poluição:

        I.            A poluição com grave dano ou perigo de dano grave imediato, relativamente à vida, integridade física ou bens patrimoniais;

     II.            A poluição com grave dano ou perigo de dano grave para bens ambientais de titularidade não individual, fundamentada, em normas de proteção direta da qualidade dos bens ambientais, tais como a qualidade da água, ou de outros elementos ambientais essenciais;

   III.            E a poluição com mero perigo de dano ambiental aferido pelas prescrições e limitações da autoridade administrativa.

 

A  especificidade do 279º nº3 é da alargar a um âmbito de perigo menos grave a responsabilidade penal, incluido no crime de poluição um crime de desobediência conjugadamente com um crime de perigo.

 

No 280º só cabem as situações que se repercutem nos bens ambientais de titularidade individual – saúde, vida e propriedade -, ficando de fora da norma do 279º as situações de danos ambientais em que a autoridade adminsitrativa foi cooperante ou passiva ou não tinha sequer de intervir.

 

v  A necessidade do direito penal ambiental

Segundo a Professora Fernanda Palma, a dependência da Administração não é desejável, por razões de equidade, de segurança jurídica e da efetividade da separação de poderes. O direito penal do ambiente só é mais eficiente do que o direito de mera ordenação social se as suas sanções forem as adequadas e dissuasoras.

O direito penal do ambiente pressupõe como a Professora refere uma política mais “arrojada”, não podendo conviver com uma política que se satisfaça com o princípio do poluidor-pagador, sem acentuar a prevenção.

O Professor Paulo Sousa Mendes defende a necessidade de intervenção penal em certos domínios ambientais,  impondo cuidado na técnica legislativa usada, que deverá ser rigorosa, recorrendo a conceitos o mais possível determinados, para que possa haver uma segura previsibilidade dos comportamentos e com efetiva estatuição do mesmo. O Professor assume uma posição crítica da técnica legislativa usada no artigo 278º, por outro lado, elogia a previsão normativa do artigo 279º.

O Professor Figueiredo Dias diz que a necessidade de intervenção do direito penal pode razoavelmente retirar-se da dignidade constitucional do bem jurídico ambiente.

 

v  A eficácia do direito penal na proteção do ambiente

O direito penal do ambiente só se justifica quando for absolutamente indispensável à proteção do bem jurídico (carater de necessidade da tutela penal). A sua intervenção só é legítima se for eficaz na proteção do bem jurídico.

O Professor Jorge de Figueiredo Dias diz que a função do direito penal “(…) tutela de bens jurídicos, isto é afinal, de preservação de condições indispensáveis da mais livre realização possível da personalidade de cada homem na comunidade”. (Dias, Jorge de Figueiredo, Questões fundamentais, A doutrina geral do crime, p. 63).

A eficácia da intervenção penal na proteção do ambiente depende do efetivo sancionamento das condutas proibidas e do conhecimento que a comunidade adquira da aplicação de penas a esses comportamentos.

 

 

 

3.      Conclusões

A opinião do Professor Vasco Pereira é a seguinte: “julgo que a via mais indicada para a tutela sancionatória do ambiente não dispensa a criminalização das condutas mais graves de lesão do ambiente, já que a defesa do ambiente é parte integrante dos valores fundamentais das sociedades em que vivemos e corresponde a exigências de realização da dignidade da pessoa humana, mas sem que isso signifique a banalização do Direito Penal do Ambiente, pois o modo “normal” de reação contra delitos ambientais deve ser antes o das sanções administrativas ou contraordenações.”[10]

O Professor acabou por concordar com a Professora Fernanda Palma, pois se a tutela ambiental não dispensa a tipificação de crimes ambientais, ela deve estar submetida a limites rigorosos, não podendo ultrapassar, legitimamente, a evidente repercussão humana.

O Direito Penal acaba por ser aplicado nos casos mais graves de comportamentos antijurídicos lesivos do ambiente.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Bibliografia:

·         Dias, Figueiredo, Comentário Conimbricense, Código Penal, Parte especial, Tomo II, p. 944 e ss.

·         Palma, Maria Fernanda, O Direito, Artigo 136º, Diretor: Inocêncio Galvão Telles, Almedina, Lisboa, 2004, p.77 e ss.

·         Santos, Cláudia Maria Cruz, José Eduardo de Oliveira Figueiredo Dias, Maria Alexandra de Sousa Aragões, Coordenador José Joaquim Gomes Canotilho, Introdução ao Direito do Ambiente, Universidade Aberta, 1998, p. 151 e ss.

·         Silva, Vasco Pereira Da, Verde Cor de Direito, Lições de Direito do Ambiente, Almedina, 2002, p. 275 e ss.

·         Sirvinskas, Luís Paulo, Tutela Penal do Meio Ambiente, editora Saraiva, p. 53 a 84.

·         Sousa Mendes, Paulo de, Vale a Pena o Direito Penal do Ambiente? AAFDL, 2000, p. 94 a 162.

 

 

Neusa de Jesus Ramalho Pito

Nº 18331

4ºano subturma 7



[1]Crime é uma conduta descrita num tipo legal de crime da Parte Especial do Código Penal por ser desvaliosa do ponto de vista do bem jurídico a proteger.” Santos, Cláudia Maria Cruz, José Eduardo de Oliveira Figueiredo Dias, Maria Alexandra de Sousa Aragões, Coordenador José Joaquim Gomes Canotilho, Introdução ao Direito do Ambiente, Universidade Aberta, 1998, p. 153.
[2]O direito penal é o conjunto de normas jurídicas que ligam a certos comportamentos humanos, os crimes, determinadas consequências jurídicas, sendo a mais relevante a pena. As penas principais são as penas de prisão e de multa.” Santos, Cláudia Maria Cruz, José Eduardo de Oliveira Figueiredo Dias, Maria Alexandra de Sousa Aragões, Coordenador José Joaquim Gomes Canotilho, Introdução ao Direito do Ambiente, Universidade Aberta, 1998, p. 154.
[3] Artigo 278º - Damos contra a natureza.
1.       Quem, não observando disposições legais, regulamentares ou obrigações impostas pela autoridade competente em conformidade com aquelas disposições:
a)       Eliminar exemplares de fauna ou flora em número significativo ou de espécie protegida ou ameaçada de extinção;
b)       Destruir habitat protegido ou habitat natural causando a este perdas em espécies de fauna ou flora selvagens legalmente protegidas ou em número significativo;
c)       Afetar gravemente recursos do subsolo;
É punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa até 600 dias.
2.       Quem comercializar ou detiver para comercialização exemplar de fauna ou flora de espécie protegida, vivo ou morto, bem como qualquer parte ou produto obtido a partir daquele, é punido com pena de prisão até seis meses ou com pena de multa até 120dias.
3.       Se a conduta referida no nº1 for praticada por negligência, o agente é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa.
[4] Artigo 279º - Poluição
1.       Quem, não observando disposições legais, regulamentares ou obrigações impostas pela autoridade competente em conformidade com aquelas disposições:
a)       Poluir águas ou solos ou, por qualquer forma, degradar as suas qualidades;
b)       Poluir o ar mediante utilização de aparelhos técnicos ou de instalações; ou
c)       Provocar poluição sonora mediante utilização de aparelhos técnicos ou de instalações, em especial de máquina ou de veículos terrestres, fluviais, marítimos ou aéreos de qualquer natureza;
De forma grave, é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa até 600 dias.
2.       Se a conduta referida no nº1 for praticada por negligência, o agente é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa.
3.       Para os efeitos dos números anteriores, o agente atua de forma grave quando:
a)       Prejudicar, de modo duradouro, o bem-estar das pessoas na fruição da natureza;
b)       Impedir, de modo duradouro, a utilização de recurso natural; ou
c)       Criar o perigo de disseminação de microrganismo ou substância prejudicial para o corpo ou saúde das pessoas.
 
[5] “Bem Jurídico é a expressão de um interesse, da pessoa ou da comunidade, na manutenção ou integridade de um certo estado, objeto ou bem em si mesmo reconhecido como socialmente relevante e por isso juridicamente reconhecido como valioso”.
“O bem jurídico ambiental relevante para o direito penal é concebido de forma restritiva por ter exclusivamente como objetos de proteção os componentes ambientais naturais: a água, o solo, o ar, o som, a fauna e a flora e as condições ambientais de desenvolvimento destas espécies. Excluem-se pois os componentes ambientais humanos ou ambiente construído, nos seus aspetos culturais, históricos ou artísticos. ” Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal, a doutrina geral do crime, 1996, p.53.
[6] “O caracter subsidiário ou de ultima ratio do direito penal traduz-se no facto de que este só deve intervir qualificando uma conduta como crime e fazendo-lhe corresponder uma sanção quando as sanções impostas por outros ramos do direito forem ineficazes ou insuficientes para proteger o bem jurídico.” Santos, Cláudia Maria Cruz, José Eduardo de Oliveira Figueiredo Dias, Maria Alexandra de Sousa Aragões, Coordenador José Joaquim Gomes Canotilho, Introdução ao Direito do Ambiente, Universidade Aberta, 1998, p. 154.
[7] Artigo 280º - Poluição com perigo comum
Quem, mediante conduta descrita nas alíneas do nº1 do artigo anterior, criar perigo para a vida ou para a integridade física de outrem, para bens patrimoniais alheios de valor elevado ou para monumentos culturais ou históricos, é punido com pena de prisão:
a)       De um a oito anos, se a conduta e a criação do perigo forem dolosas;
b)       Até cinco anos, se a conduta for dolosa e a criação do perigo ocorrer por negligência.
[8] Crime de dano é aquele para cuja consumação é necessária a lesão efetiva do interesse ou objeto tutelado pela norma.
·         [9] Palma, Maria Fernanda, O Direito, Artigo 136º, Diretor: Inocêncio Galvão Telles, Almedina, Lisboa, 2004, p.80.
 
·         [10] Silva, Vasco Pereira Da, Verde Cor de Direito, Lições de Direito do Ambiente, Almedina, 2002, p. 280 e 281
 

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