sábado, 4 de maio de 2013

A Participação dos Interessados no Procedimento de Avaliação de Impacto Ambiental



Interessados no Procedimento de Avaliação de Impacto Ambiental
  1.     Introdução


As primeiras posições jurídicas a serem admitidas no procedimento foram os direitos e os interesses pessoais. Vasco Pereira da Silva afirma mesmo que o reconhecimento da titularidade de direitos subjectivos perante as autoridades públicas é um princípio essencial do Estado de Direito, trata-se de uma projecção jurídica da dignidade da pessoa humana. Como tal, tem como consequência a atribuição ao particular de capacidade de actuação no procedimento para defesa preventiva dos seus direitos[1]. O direito de participação dos cidadãos na formação das decisões ou deliberações que lhes dizem respeito deve ser garantido através de uma lei reguladora do procedimento administrativo, nos termos do Art. 267º nº5 da Constituição da República Portuguesa (doravante CRP). Este direito tem a natureza de direito fundamental, é um direito análogo aos direitos liberdades e garantias nos termos do Art. 17º da CRP[2].
Estamos perante um novo paradigma, a administração pública não tem apenas de cumprir a lei e realizar o interesse público, tem de respeitar e garantir os direitos dos indivíduos mediante um procedimento decisório aberto à participação dos particulares. Surge assim o procedimento como o instrumento privilegiado de manifestação de interesses públicos e privados, destinado a permitir a tomada de decisões mais correctas e eficazes[3]. O procedimento surge como o grande elemento de racionalidade da actuação administrativa uma vez que impõe através dos seus mecanismos procedimentais a racionalização das escolhas administrativas. Também é o procedimento o campo de eleição para a composição de interesses, onde devem ser trazidos todos os interesses, não só os públicos, como também os privados. Uma vez que só podem ser tidos em conta no acto final os interesses levados ao procedimento é essencial a participação dos interessados, não só como forma de racionalizar a actuação da administração, como mesmo para salvaguardar os interesses e direitos subjectivos dos particulares.
Dada esta introdução, o nosso objectivo neste trabalho é analisar a forma como os particulares podem intervir no procedimento de avaliação de impacto ambiental, não só de forma a defender interesses difusos de defesa do ambiente, como mesmo cooperando com a administração alertando para possíveis lesões ambientais que a mesma não previu. Não se trata de uma mera defesa de direitos subjectivos, pois o que está em causa são interesses “sem dono” ou de todos, são verdadeiros interesses públicos[4].
    
 2. Procedimento de Avaliação de Impacte Ambiental

Antes de passarmos à discussão da questão principal de saber como e quais os particulares que podem intervir no Procedimento de Avaliação de Impacte Ambiental, cabe fazer uma curta análise geral ao próprio procedimento, em género de introdução.
O Procedimento de Avaliação de Impacte Ambiental vem previsto no Decreto-Lei 197/2005 que se trata de uma transposição parcial da Directiva 2003/35/CE.
O mesmo destina-se a verificar as consequências ecológicas de um determinado projecto, procedendo à ponderação das respectivas vantagens e inconvenientes em termos de repercussão no meio ambiente. Trata-se assim de um meio jurídico ao serviço da realização dos fins ambientais, em particular do princípio da prevenção. Vasco Pereira da Silva utiliza um trocadilho para explicar como o procedimento em análise realiza o princípio da prevenção: o procedimento destina-se a “prevenir” as autoridades administrativas dos riscos ambientais de um determinado projecto de modo a “prevenir” a verificação de lesões ambientais[5].
Existem ainda dois Princípios norteadores deste procedimento: o Princípio do desenvolvimento sustentável e do aproveitamento racional dos recursos disponíveis. O primeiro obriga à análise e à contraposição dos benefícios económicos com os prejuízos ecológicos de um determinado projecto. Faz se aqui uma ponderação para responder se o benefício económico do projecto justifica aquele dano ecológico. O segundo obriga à utilização de critérios de eficiência ambiental, fazer o mais possível com o mínimo de recursos[6].
O Âmbito de aplicação vem previsto no Art. 1º do DL 197/2005 que remete para os anexos I e II do mesmo DL. Não cabe neste trabalho entrar aqui em análise aprofundada dos projectos aos quais se aplicar este procedimento, por isso remete-se para a disposições legais referidas[7].
As entidades intervenientes vêm previstas no Art. 5º e são elas: a entidade licenciadora ou competente para autorização, a Autoridade de Avaliação de Impacto Ambiental, a Comissão de Avaliação e a Entidade coordenadora e de apoio técnico.
Fazendo agora uma descrição sucinta da marcha do procedimento, este começa pela Iniciativa do procedimento pelo proponente, nos termos do art. 12º nº1, ou seja, o procedimento inicia-se com a apresentação pelo proponente de um estudo de impacte ambiental à entidade licenciadora ou competente para a autorização.
Depois da apresentação do estudo, temos uma pronúncia, através de um parecer preliminar da Comissão de Avaliação. nos termos do Art. 13º nº  8 e 9. Nos termos do Art. 13º nºs 1, o estudo apresentado pelo proponente e toda a documentação é emitido pela entidade licenciadora ou competente para a autorização à autoridade de avaliação de impacte ambiental. Depois de recebidos os documentos, a autoridade de avaliação de impacte ambiental nomeia a comissão de avaliação, à qual submete o estudo apresentado pelo proponente para apreciação técnica, nos termos do art. 13º nº 3. A comissão de avaliação deve, no prazo de 30 dias a contar da sua recepção, pronunciar-se sobre a conformidade do estudo de impacte ambiental com o disposto no artigo 12º, quando tenha havido definição do âmbito do Estudo de Impacte Ambiental, com a respectiva deliberação, nos termos do art. 13º nº 4. Agora surgem duas possibilidades: se a comissão de avaliação declarar a desconformidade do estudo o procedimento de avaliação de impacte ambiental é encerrado e o projecto não pode realizar-se, nos termos do art. 13º nº 8; se a comissão declarar a conformidade do estudo, este é enviado, para parecer, às entidades públicas com competências para a apreciação do projecto, nos termos do art. 13º nº 9.
É agora que surge a fase de Discussão Pública e participação dos interessados, a fase em que se centra o nosso trabalho. Nos termos do art. 14º, no prazo de 15 dias contados da declaração de conformidade, a autoridade de avaliação de impacte ambiental promove a publicitação do procedimento de AIA através de anúncio, que deve contar os elementos ai elencados.
Posteriormente cabe um Parecer final da Comissão de Avaliação, nos termos do art.16 nº1, que é remetido à autoridade de avaliação de impacto ambiental.
A autoridade de avaliação de impacto ambienta elabora uma Proposta de decisão de impacto ambiental, nos termos do art. 16 nº2, e remete-a ao ministro responsável pela área do ambiente.
Por fim, caberá a decisão de impacto ambiental ao ministro responsável pela área do ambiente nos termos dos arts. 17º e ss. A última palavra será a do ministro.
Feita esta breve jornada pela marcha do procedimento parecem evidentes duas críticas ao mesmo: primeiro, existe uma excessiva complexidade, é exigida a intervenção de um número elevado de autoridades administrativas e participação das mesmas é mais burocrática que activa, como é o caso da autoridade de avaliação de impacte ambiental que se limita a servir de “mensageira” a enviar o estudo e os documentos de uma entidade para outra[8]; em segundo lugar, existe uma enorme complexidade da “cadeia” decisória, que se encontra repartida em 3 níveis, a comissão de avaliação, a autoridade de AIA e o Ministro responsável pela Área do Ambiente[9]. Nesta segundo crítica é de notar que há uma maior margem de discricionariedade nos órgãos do topo da cadeia, e que no fim de contas, consequentemente temos uma diluição de competência entre vários órgãos, podendo mesmo afirmar-se que todos e ninguém são responsáveis. Para agravar esta situação é de notar a ausência de parâmetros legais de decisão.
Para solucionar estas questões, Vasco Pereira da Silva propõe que, das duas uma, ou se extingue a autoridade de avaliação de impacte ambiental, que não tem relevância decisória pelo que se saltava logo da proposta da comissão de avaliação para a decisão do ministro, ou, a autoridade de avaliação de impacte ambiental torna-se a entidade central deste procedimento através da delegação nela pelo ministro da competência decisória em matéria de avaliação ambiental[10].

3     
Participação Pública

A fase de Participação Pública tem duas funções essenciais: uma função garantísica e uma função funcional[11]. A função garantística passa pela defesa de interesses e direitos dos particulares, já a função funcional resume-se à tomada de conhecimento por parte da administração de todos os factos e consequências relativos à decisão que pretende tomar.
O art. 66º nº2 da CRP determina mesmo que incumbe ao Estado, para assegurar o direito ao ambiente, permitir o envolvimento e a participação dos cidadãos. Em função deste preceito, o art. 4º al. c) do DL 197/2005 define mesmo como objectivo fundamental do procedimento de avaliação de impacto ambiental a participação pública e a intervenção dos interessados. Nos termos do art. 2º al. m) do mesmo DL a participação pública é mesmo considerada uma formalidade essencial, pelo que a preterição da mesma implica a nulidade do acto final de decisão de impacte ambiental, de acordo com o art. 133º nº1 do CPA.
Cabe agora feita esta introdução de determinar, a questão essencial deste trabalho, quem é que é tido como interessado para efeitos deste procedimento. Nos termos do art. 14º nº3 quem tem o direito de participação no procedimento de avaliação de impacte ambiental é o público interessado. Público interessado, definido pelo art. 2º al. r), são os titulares de direitos subjectivos ou de interesses legalmente protegidos, no âmbito das decisões tomadas no procedimento administrativo de avaliação de impacte ambiental, bem como o público afectado ou susceptível de ser afectado por essa decisão, designadamente as organizações não-governamentais de ambiente (ONGA). Trata-se de uma definição próxima do art. 53º do CPA. Ainda que esta definição de público interessado inclua pessoas colectivas de direito público, Catarina Moreno Pina[12] defende que só poderão participar, caso não possam ser consultadas no âmbito de cooperação institucional (terminologia de José Eduardo Dias[13], para os casos dos Arts. 9 nº5 al b) e c) e 11º nº3 al a)), ou seja quando não têm qualquer competência no que respeita ao licenciamento do projecto, mas mesmo assim mantenham interesse na participação pública, isto é, no caso, por exemplo, de construção de uma obra a cargo da Administração Central, relativamente à qual o município da sua área de localização tem interesse em se pronunciar. Também podem participar entidades que podendo ser consultadas no âmbito de cooperação institucional não o tenham sido.

4. Conclusão

Assim sendo, temos o acesso ao procedimento de forma privilegiada por parte de todos os organismos e entidades capazes de fornecer dados e informações no âmbito de incidência da avaliação de impacte ambiental e com utilidade para a prossecução dos seus objectivos. Temos uma significante melhoria de eficácia e de qualidade da avaliação de impacte ambiental uma vez que temos uma maior intervenção neste procedimento comparativamente com o regime geral do CPA, previsto no art. 53º. Estamos aqui perante um procedimento com uma maior intervenção, ainda que desnecessariamente preso aos direitos subjectivos e aos interesses particulares, não abrindo, sem ser através de ONGAS, de uma participação fundada num interesse difuso, mais concretamente no próprio direito ao ambiente atribuído constitucionalmente.




[1] Vasco Pereira da Silva, Verde cor de direito: lições de direito do ambiente, p.131.
[2] Vasco Pereira da Silva, Verde cor de direito: lições de direito do ambiente, p. 139.
[3] Vasco Pereira da Silva, Verde cor de direito: lições de direito do ambiente, p. 132.
[4] Luís Filipe Colaço Antunes, O procedimento administrativo de avaliação de impacto ambiental: para uma tutela preventiva do ambiente, pp. 125 e ss.
[5] VASCO PEREIRA DA SILVA, Verde cor de direito: lições de direito do ambiente, p. 154.
[6] Idem.
[7] Acrescenta-se ainda que no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 14/9/2004, referente ao Túnel do Marquês, o TCA Sul discute a tipicidade deste Art 1º.
[8] Vasco Pereira da Silva, Verde cor de direito: lições de direito do ambiente, p. 160.
[9] Vasco Pereira da Silva, Verde cor de direito: lições de direito do ambiente, p. 161.
[10] Vasco Pereira da Silva, Verde cor de direito: lições de direito do ambiente, p. 162.
[11] Joana Guerreiro de Araújo, Da participação dos interessados nos procedimentos ambientais, p.59.
[12] Catarina Moreno Pina, Os regimes de avaliação de impacte ambiental e de avaliação ambiental, pp 84 e 85.
[13] José Eduardo Dias, Alexandra Aragão, Maria Ana Rolla, Regime jurídico da avaliação de impacte ambiental em Portugal: comentário.





    

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