I. Introdução: o problema e a tese
I. O tema não é novo: a compreensão do efeito risco-tempo sobre os actos administrativos em matéria de ambiente é, pode dizer-se, um dos pontos assentes no Direito do Ambiente contemporâneo.[1] Representa, para além disso, um dos mais (senão mesmo o mais) significativos contributos deste sub-ramo para a teoria geral do Direito Administrativo.[2] Na verdade, a sua admissibilidade, adiante melhor explicada, parece bulir com alguns cânones tradicionais, como sejam, em termos de construção dogmática: i) o carácter decisional-instantâneo do acto administrativo[3] e ii) a sua vocação estabilizadora[4]; em termos de regime: o seu sistema de revisão.[5] Todos estes aspectos se encontram devidamente identificados e trabalhados sob o ponto de vista doutrinário.
II. Pretende-se, na economia deste trabalho, algo de bem modesto: para lá de percorrer ideias já sedimentadas e de que se partilha, quer-se avançar uma tese bastante simples na formulação, mas, simultaneamente, imensamente problemática quando considerada em toda a sua extensão: a de que a validade é uma propriedade temporalmente condicionada, no sentido de moldável pelo tempo.[6] Conceito relacional, que afere da conformidade entre um parâmetro e, no caso do Direito, um acto ou uma norma, a validade costuma ser entendida como uma categoria genética: algo é ou não é válido; sendo que as locuções deixa de ser válido ou passa a ser inválido surgem, a uma primeira luz, esdrúxulas. Num quadro mais amplo, a aceitação desta premissa (a da variabilidade temporal da normatividade jurídica) implica aceitar, no que à compreensão global do jurídico diz respeito, algo de surpreendente e, ao mesmo tempo, perigoso: que o Direito não é imune ao tempo, na perspectiva mais radical de os significados do primeiro variarem com o decurso do segundo. Se aceitar esta ideia exige, de forma necessária, o total afastamento do paradigma humeniano[7] do gap entre “ser” e “dever-ser” é algo de que não se tem total certeza. Mas que representa um certo beliscão, disso não se pode duvidar.
III. No que ao Direito Administrativo interessa, esta consideração do factor tempo é particularmente justificada num quadro de uma função cada vez mais prospectiva e infra-estrutural[8]. A decisão administrativa é, actualmente, uma decisão para o amanhã. Ora, esta prospectividade não poderia deixar de se reflectir no comportamento da sua principal[9] forma de actuação: o acto administrativo. Pois bem: se assim é no quadro global do Direito Administrativo, com mais intensidade ainda se verifica tudo isto no Direito do Ambiente: Direito da complexidade[10], o Direito do Ambiente é, por necessidade ontológica, um ramo temporalmente incerto. A afamada segurança jurídica surge, neste campo, bem matizada. Afinal: i) a evolução ambiental é algo não-humano e, portanto, imponderável; ii) a evolução técnica que serve de base à protecção dos bens ambientais, sendo humana, é vertiginosa ao ponto de se tornar incalculável. Se ao Direito do Ambiente cabe um papel de optimização permanente na protecção do seu objecto, daqui decorre que o grau de satisfação deve ser aferido tendo em vista o contexto do agora, não o do antes. O Direito do Ambiente é, nessa medida, um ramo do Direito absolutamente situacional. Esta dependência do contexto não deve, porém, ser vista como um minus; é, julga-se, a sua grande virtualidade. Por esse motivo, o instrumentário jurídico deve seguir estes passos de dinamismo, sob pena de se tornar imprestável. No que mais interessa para as linhas que se seguem, ter-se-á sobretudo em vista o instituto da revogação de actos administrativos. Para lá de tudo o resto, surge boa a oportunidade para a revisitação de um problema que, perante a recente apresentação do Projecto de Revisão do Código de Procedimento Administrativo[11], está em vias de mudança. Dessa mudança (anunciada) se dará conta no último passo deste trabalho (IV.). Antes disso, surge oportuno (II.) afinar alguns dos pressupostos que servirão de arrimo às conclusões centrais do trabalho (III., depois sintetizadas em V.). Um percurso que, densificando agora melhor o objecto do presente escrito, terá sempre por guia a seguinte interrogação: qual o efeito que a sucessão temporal (que no Direito do Ambiente surge sob as vestes do “risco”) possui na conformação dos actos administrativos? A tese que se quer defender é, como já se avançou, a seguinte: possui o efeito de os tornar inválidos e, portanto, susceptíveis de actos administrativos de segundo grau aptos a repor a sua conformidade com o ordenamento. Na única prevenção de ordem metodológica que se impõe, avance-se a provisoriedade das conclusões a que se chega: a economia do texto não chega senão para ensaiar entendimentos.[12]
II. Três pré-conceitos
a) O factor tempo na
normatividade jurídica - o domínio ambiental em especial
I. Explorando um pouco melhor as pistas que já foram sendo deixadas na Introdução, podem elencar-se, como corolários centrais da ideia de uma normatividade temporalmente condicionada, os seguintes:
i)
reportado a factos, o Direito vive deles e para eles: a decisão jurídica é,
pelo menos no que toca à aplicação de normas primárias[13],
uma decisão sobre factos. Pois bem: os factos são, enquanto acontecimentos,
temporalmente situados e condicionados. No aspecto que mais complexidade
envolve, dá-se a circunstância de os factos de relevância jurídica possuírem
uma localização temporal estanque. No
domínio específico do Direito do Ambiente, este continuum temporal vive sobretudo da comunicação do presente com o
futuro: os acontecimentos de relevância ambiental devem ser tomados na sua
implicância quanto ao futuro. As ideias de prevenção, de poluidor-pagador, de
eliminação antecipada dos resíduos, entre tantos outros dados enformadores
deste ramo, não são, afinal, mais do que reflexo dessa preocupação constante
com o futuro.
ii) o problema maior reside, porém, não nas exigências de prognose em que assenta a decisão jurídica, mas antes nas implicações que a transmutação temporal poderá ter na conformação de decisões já tomadas, noutro quadro fáctico. No plano específico do Direito Administrativo, este problema surge encimado pela exigência de concordância prática entre dois princípios essenciais: i) o da tutela da confiança, que impõe a segurança jurídica e, por isso, a tendencial estabilidade das decisões; ii) o do interesse público, que exige a correspondência entre o decidido e o que, no plano da Administração[14], deve ser feito. No caso específico do Direito do Ambiente, estas duas exigências ganham, ao que se julga, contornos bem mais definidos: i) a tutela da confiança é reforçada pelo facto de as actividades desenvolvidas terem passado por (espera-se) crivos de ponderação detalhados e, as mais das vezes (para o bem e para o mal), altamente burocratizados; ii) o interesse público surge tanto mais justificado quanto se configurar a necessidade de tutela de bens ambientais como imposição constitucional de valor reforçado, atenta a fragilidade endémica dos seus bens. Fragilidade essa que, e aqui é que começam a surgir as dificuldades de harmonização, decorre em grande parte da instabilidade do seu comportamento: por muito que se acentue a lógica preventiva, o Direito anda sempre «atrás do prejuízo».
iii) surge, então, o dilema: a temporalidade comporta consequências ao nível da validade? Que comporta consequências, por exemplo, sob o ponto de vista das exigências de modificação ou adaptação de decisões é algo que não se pode duvidar e que, no caso específico do Direito do Ambiente tem hoje reflexos de regime bem experimentados.[15] O ponto difícil estará em admitir regimes de invalidade superveniente decorrentes de alterações fácticas. Ampliado, o fenómeno emprestaria à máxima ambiental do probido sob reserva de permissão uma outra locução: permitido sob reserva de ponderação posterior. O ponto está em saber como harmonizar esta exigência de ponderação constante com a garantia de estabilidade pretensamente oferecida por uma autorização no domínio ambiental: de que vale, afinal, um acto administrativo autorizativo em matéria de ambiente? Uma licença ambiental, uma declaração de impacto ambiental favorável, um acto de licenciamento industrial positivo: tudo é, afinal, precário?
b) O acto administrativo em óptica estrutural
I. Julga-se conveniente introduzir algumas notas quanto ao modo de configurar o acto administrativo em geral. Adoptando um quadro explicativo que se julga adequado[16], podem deixar-se assentes os seguintes postulados:
i)
o acto administrativo é, aliás como qualquer fenómeno do jurídico, uma
expressão deôntica: representa a concretização de um específico dever-ser,
proibindo, impondo ou autorizando uma conduta.
ii) o acto administrativo representa, além disso, a concretização de níveis de dever-ser mais genéricos, ou seja, de normas conformadoras da actuação administrativa. Usando uma imagem, pode dizer-se que, se as normas são reasons for action (Raz)[17], os actos administrativos são, afinal, reasons in action. No que vai ínsito um fenómeno de auto-vinculação, sobretudo quando se trata de agir em cenários de discricionariedade. O acto administrativo configura, sempre, um modo de entender e aplicar a legalidade.
iii) assim entendido, como concretização de sentidos de dever-ser que lhe servem de padrão, os actos administrativos apenas diferem daqueles sob o ponto de vista da sua abrangência. No que importa: estruturalmente, possuem a mesmíssima estrutura. Trata-se, tão-só, de níveis decisionais de escalão diverso. Assim, e no aspecto que aqui mais releva, também se torna possível identificar, no acto administrativo, uma previsão: e que corresponde, como não poderia deixar de ser, ao quadro fáctico que levou à tomada da decisão. A decisão foi tomada na base daqueles pressupostos, por causa deles: é portanto, inseparável do seu condicionalismo. Noutros termos: se o cenário fosse diferente, diferente teria sido a decisão. Nisto, surge a questão: e se se altera, posteriormente, o quadro fáctico? Não exige essa alteração uma reponderação ao acto? Ou, no cenário extremo que se está a avançar: não significa, essa alteração, uma invalidade superveniente do acto? No quadro do Direito do Ambiente, pode tomar-se como exemplo a licença ambiental: quais os reflexos que, sob o ponto de vista da sua validade, importam uma alteração de um qualquer risco ambiental supervenientemente surgido em virtude de um qualquer fenómeno ambiental e que implique uma alteração dos níveis toleráveis de poluição; ou, por exemplo, uma qualquer alteração tecnológica que entretanto surja e que potencie um nível mais elevado de protecção? Não significa, afinal, que o acto deve, no presente, ser outro? Se sim, isso significa, por implicação necessária, que não deve ser o anterior. Ora bem: um acto que não deve ser é, por definição, um acto inválido. Veja-se que não se trata de um não dever ser de conveniência: trata-se, isso sim, de um dever ser estruturalmente deôntico: ocorreu, no fim de contas, uma alteração da previsão que, em virtude da condicionalidade intrínseca do acto, exige uma alteração da sua estatuição - no seu sentido (passando de proibitivo para permissivo ou vice-versa) ou, no mínimo, no seu alcance (permitindo x ou permitindo x + 1).
c) Os actos autorizativos em especial; o paradigma do Direito do Ambiente
I. Se o que vem sendo dito ganha aplicação em relação à generalidade dos actos administrativos, iguais (e reforçadas) conclusões se podem extrair em relação aos actos autorizativos. Não obstante a proliferação de outras formas de actuação[18], eles constituem ainda a marca d’água do Direito do Ambiente. Afinal, se este tem por objecto a protecção de bens ambientais, interessa-lhe graduar em que circunstâncias e, se sim, em que medida é permitida a intervenção humana nesses bens ambientais: se a posição de princípio é o da não-intervenção, a actuação do Direito do Ambiente é, sobretudo, de desbloqueio.[19] A autorização surge, porém, ancorada num concreto cenário de risco e, portanto, num cenário de incerteza: habilitou-se o particular a actuar, com dados limites, apenas na medida em que o grau de risco era, à época, aquele, e o grau de informação e adaptação tecnológica aqueloutro. Aliás, se se analisar com detalhe, é a própria ideia de acto autorizativo que inculca, por definição, um status de provisoriedade. Se se autoriza algo prima facie proibido, isso significa a necessidade de preenchimento de certas condições: autoriza-se se e na medida em que surjam verificadas certas condições. Altura em que o efeito habilitador da permissão surge, afinal de contas, umbilicalmente dependente daquelas que foram as circunstâncias de facto que motivaram a decisão. Há, se assim pode dizer-se, uma ligação genética entre o contexto e a decisão. O problema surge na medida em que o contexto é, em Direito do Ambiente, a incerteza.
III. A incerteza como parâmetro
I. As linhas de enquadramento que já foram sendo deixadas explicam, em grande medida, as conclusões a que se pretende chegar. São, essencialmente, duas:
i)
A emissão de um acto autorizativo em matéria ambiental é sempre resultado de
uma ponderação em cenário de incerteza; no que resulta, se assim pode ser
designado, um princípio do não ponderável: é que a incerteza leva,
necessariamente, à negação da ponderação. Ou melhor: a ponderação que se faça
será sempre precária, no sentido de
não contemplativa da totalidade do cenário;
ii)
A transmutação temporal da realidade, implica, por necessidade estrutural, a
invalidade superveniente do acto emitido, isto por via da relação de
condicionalidade entre contexto e decisão ou, no que é o mesmo, entre previsão
e estatuição do acto.
II. Nisto, a pergunta que segue é, naturalmente, a seguinte: como reagir? Em domínios sectoriais, o Direito do Ambiente vai já apresentando soluções. Registem-se, a título de exemplo, três delas: i) o regime de pós-avaliação em sede de AIA[20] (arts. 27.º-31.º do RAIA): trata-se, afinal, da manifestação da complexidade procedimental da avaliação de impacto ambiental, agora no cenário pós-emissão do acto; é, ao mesmo tempo, a consagração de uma certa insatisfação decisional: o ordenamento prevê um esquema complexo tendente à emissão de uma declaração de impacto ambiental; desconfia, porém, da sua operatividade futura em medida tal que impõe, como medida de controlo, a sua re-avaliação permanente; ii) a temporalidade limitada da licença ambiental (10 anos - cfr. art. 18.º/2 g) do DL 173/2008) e as hipóteses da sua modificação, a título oficioso, sempre que, entre outras circunstâncias, ocorra um aumento da poluição gerada que exija uma alteração dos níveis programados na licença ou surjam, no entretanto, melhores técnicas de protecção - cfr. art. 20.º/3; iii) as hipóteses de revogação e revisão de títulos de utilização de bens hídricos, constantes do art. 69.º/6 da Lei da Água[21], que poderão ter por base, independentemente de qualquer incumprimento do seu titular, “razões decorrentes da necessidade de maior protecção dos recursos hídricos ou por alteração das circunstâncias à data da sua emissão e determinantes desta”.
III. O
verdadeiro problema surge quanto às hipóteses de construção de uma figura de
âmbito geral que dê resposta à tentação
de instabilidade dos actos autorizativo em matéria ambiental. Surge
apelativa a proposta de Carla Amado Gomes[22],
quando invoca, nem que seja por um argumento de paralelismo (justificado com
base na actual fungibilidade entre as duas formas de actuação[23])
com aquilo que acontece em sede contratual, importando para o domínio dos actos
administrativos a teoria da imprevisão e a correspondente figura da rebus sic stantibus: na medida em que
são adoptados em clima de incerteza, os actos administrativos seriam, afinal,
actos sujeitos a uma “reserva geral de ponderação”[24]
que fundaria um poder de revisão a ser exercido, a título oficioso ou por
iniciativa particular, pelo autor do acto, mas que exigiria novo procedimento
de verificação da alteração, procedimento esse que exigiria, por paralelismo
procedimental, nova consulta pública no caso de se tratar de actividades de
incidência ambiental significativa; nota mais saliente estaria no facto de o
acto modificativo possuir eficácia ex
nunc: ficariam obviamente salvaguardados os efeitos já produzidos à luz do
conteúdo originário do acto. Este poder
der revisão não dispensaria, no entanto, certos limites[25],
que poderiam ser controlados jurisdicionalmente. [26]
Não é este o local para apreciar, com mais detalhe, a propostam com a qual
aliás se concorda na generalidade: com os pressupostos e com os resultados.
Apenas se registe que, quanto ao que se vai propondo, uma diferença essencial:
a A. não entende a parece configurar o decurso do tempo - transmutação do risco
como factor condicionante da validade.
IV. A
adopção de uma lógica invalidante, como a que aqui se propõe, tem, ao que se
julga, uma virtualidade essencial: a invalidade abre portas a uma série de
mecanismos de intervenção, sejam eles procedimentos tendentes à emissão de um
acto administrativo de segundo grau, sejam eles de foro jurisdicional: a
invalidade superveniente do acto torna-o persona
non grata pelo ordenamento, altura em que os meios de que este dispõe para
garantir a sua integralidade se aplicam de forma total e sem reservas. No
entanto, como surge evidente, a preocupação maior estará sempre na modificação
do acto, altura em que a figura da revisão
do acto é, na realidade, a mais predisposta a actuar.
V. No
fundo, a incerteza como parâmetro quer
significar, no que à conformação dos actos autorizativo em matéria de ambiente
diz respeito, algo de semelhante a uma relação condicional: a incerteza é
condição de validade do acto, sendo que a sua resolução tanto pode dar-se no
sentido da manutenção da validade (ou seja, quanto a incerteza se resolve no
sentido da não exigência de novas ponderações) quanto no sentido do surgimento
da invalidade (ou seja, quando se exige, em virtude da alteração do cenário,
uma reponderação). É que, se o Direito Público em geral e, de forma gritante no
caso do Direito Administrativo são hoje direitos
da ponderação, isso nada mais significa, se reduzidas as realidades ao seu
domínio mais básico, que os actos emitidos o são sempre, e permita-se o
neologismo, ponderativamente; no que
à validade diz respeito, e no máximo daquilo que pode ser dito, o que ocorre é
que os actos não são já válidos ou inválidos: antes, os actos vão sendo válidos até ao momento em que o
reposicionamento do contexto os torna inválidos. A validade é, pois, um
dado meramente tendencial. Este princípio da provisoriedade, ou da
actualização, se bem que importa uma óbvia limitação às necessidades de tutela
da confiança, surge como o único trilho capaz de fazer adaptar as decisões
administrativas daquilo que, em último termo, constitui a sua razão de ser: uma
manifestação concreta de interesse público. Ora, a incerteza ambiental
significa, quanto ao conteúdo do interesse público, algo de muito simples: a
sua constante renovação.
IV. Excurso tópico: a revogação em especial
I. Embora se apresentasse, sob um plano
estrito de coerência, dispensável no presente trabalho, optou-se por neste
incluir algumas linhas em relação ao problema da revogação. Por dois motivos
essenciais: i) na falta de
disposições sectoriais que habilitem à revisão/modificação de actos
autorizativos, a revogação surge como ultima
ratio: trata-se do acto secundário mais eficaz ao combate de alterações de
validade e de interesse público; ii) por
outro lado, é sobre ela que mais se tem escrito, sobretudo no domínio
específico da estabilidade de actos autorizativos em matéria ambiental; iii) aproveitando o contexto, surgiu
também oportuna a ocasião para se dar conta das mudanças que podem vir aí,
agora que foi tornado público o Projecto
de Revisão do CPA. Na base destas justificações, seguem-se, como não
poderia deixar de ser, considerações que não vão para além da tópica.
a) O regime (ainda) vigente[27]:
síntese das insuficiências
I. O
regime geral do instituto da revogação, hoje presente nos arts. 140.º e 141.º
CPA surge altamente polémico: de soluções aparentemente lineares e, à primeira
vista, coerentes, a ele são apontadas deficiências estruturais, quer de ordem
dogmática quer de ordem prática.[28]
Em síntese, as seguintes:
i) surge problemática a unificação[29]
conceptual em torno do termo “revogação”: afinal, de um lado temos a actualização de um acto por motivos de
interesse público; do outro, o exercício de uma competência de auto-controlo
perante actos ilegais. Se a primeira parece merecer o qualificativo revogação, já a segunda está bem mais
próxima de uma anulação.
ii) o ponto mais polémico é, porém, o da rigidez de todo o regime, sendo que essa rigidez se pode individualizar em dois aspectos cruciais: i) a regra da irrevogabilidade de actos válidos favoráveis (140.º/1 b) ); ii) a fixidez do prazo que habilita à revogação por motivos de ilegalidade. Quanto ao primeiro aspecto, critica-se a excessiva cedência que é emprestada à tutela da confiança, em contraponto à desatenção posta na eventualidade de uma alteração superveniente do interesse público, para lá da irrelevância de concretos factores demonstrativos de uma vera situação de confiança; quanto ao segundo, ignora-se a potencial boa ou má fé do particular na questão da ilegalidade, ignora-se uma exigência de ponderação legalidade/tutela da confiança mediada pelo princípio da proporcionalidade.
II. Estes e muitos outros aspectos
surgem hoje tratados; surgem, ademais, as mais diversas propostas de alteração.
Não é este o espaço para o seu recenseamento. Apenas fica a nota da
insuficiência ou, num grau máximo, do total arcaísmo do regime da revogação
perante as exigências situacionais dos
actos autorizativos em matéria de ambiente: o parâmetro da incerteza joga mal com a falta de ponderação que
resulta do regime geral de revogação de actos administrativos.
b) O que virá? Primeiras notas sobre o Projecto de Revisão do CPA
I. Pois
bem: o cenário atrás descrito está em vias de mudança; e mudança profunda,
tendo em conta o conteúdo do Projecto de
Revisão do CPA. Das alterações que no domínio do presente trabalho mais
interessam, cabe dar conta, sempre em tom tópico, das seguintes:
i) é abandonada a unificação: opta-se
pela separação clara entre a aquilo que seja uma revogação (“ato administrativo que determina a cessação
dos efeitos de outro ato, por razões de mérito, conveniência ou oportunidade” -
art. 164.º/1) e uma “anulação administrativa” (“ato administrativo que determina a destruição dos efeitos de outro
ato, com fundamento em invalidade”).
ii) à irrevogabilidade de actos válidos favoráveis é adicionada uma excepção da maior importância e com virtualidades evidentes no domínio ambiental - cfr. art. 166.º/2 c): “Os atos constitutivos de direitos só podem ser revogados/Com fundamento em alteração objetiva das circunstâncias ou na superveniência de conhecimentos técnicos e científicos em face dos quais eles não poderiam ter sido praticados”. Trata-se, no fundo, da adopção da técnica da teoria da imprevisão e do reconhecimento da condicionalidade estrutural entre contexto e decisão. A alteração de contexto pode agora, e isto independentemente da favorabilidade e validade do acto, determinar a sua revogação. Algo que é compensado, em cenários de boa fé do benficiário do acto, pela possibilidade de uma indemnização - arts. 166.º/4 e 5.
iii) no que à anulação administrativa diz
respeito, é abandonada a lógica de subordinação aos prazos de impugnação
contenciosa, no sentido de permitir a revogação mesmo para lá daqueles prazos,
ainda que surja como critério mediador a boa fé do particular - cfr.,
essencialmente, art. 167.º/2.
II. As
soluções são, de acordo com o que vinha sendo escrito e proposto, coerentes e
acertadas. Resta, no entanto, saber se, por exemplo, a adopção de uma cláusula
do tipo rebus sic stantibus não gera,
afinal, uma situação de incerteza total em relação à sua densificação; mas,
sempre se dirá: não será esse o preço a pagar pela necessidade de previsão de
um mecanismo apto a tutelar a mutação das exigências de interesse público?
V. Conclusão
I. As linhas que se deixaram escritas
não foram senão uma tentativa de enquadramento; esteve-se longe de um qualquer
estudo aturado de regime. As proposições deixadas são, em grande medida,
proposições de base teórica. Mas, a ser verdade a máxima segundo a qual a melhor prática é sempre uma boa teoria, podem
ainda ter-se como úteis.
II. Rodeadas
pelo problema central da instabilidade das decisões administrativas emitidas em
cenários de incerteza, o trabalho concentrou-se numa explicação funcional dos
pressupostos teóricos que, ao que se julga, melhor explicam e justificam o
fenómeno. Avançou-se, assim, na inexorável dimensão temporal do jurídico e, em
especial, nas suas concretizações ao nível do conteúdo dos actos
administrativos, para aí se concluir, numa base estrutural, pela sua
dependência factual: a decisão é
intrinsecamente situacional. Daí que a mutação fáctica implique, de forma
necessária, uma mutação do acto e que é motivada pela mutação do seu grau de
validade: um acto desconforme ao novo contexto e ao novo tempo é, na realidade,
um acto inválido. Esta é, ainda que provisória e não totalmente maturada, a
ideia central de todo o escrito: a validade é uma categoria temporalizada. Em Direito do Ambiente,
domínio a partir do qual foram sendo retirados os dados de concretização das
várias afirmações, tal facto é, no fim de contas, mais um dado sobre a
complexidade do seu objecto: a complexidade reside, também, na sua indefinição
permanente e sujeição a reavaliação constante; nisto, não resta senão ao
Direito, sob pena de total irrealismo, ser também ele, constantemente reponderado. A abertura para esses
exercícios de reponderação reside, precisamente, na afirmação da validade
enquanto categoria tendencial.
[1]
V., neste sentido, entre tantos, em termos algo inovadores entre nós, Gomes Canotilho, Actos Autorizativos Jurídico-Públicos e Responsabilidade por Danos
Ambientais, in BFDUC, 69, 1993,
p. ex. na p. 42: “A admitir-se esta nova
reserva da administração - a reserva da imposição de condições supervenientes -
é de perguntar se, afinal, os actos de licenciamento constitutivos de direitos
e dotados de efeitos justificativos não são hoje informados por duas lógicas
quase contraditórias. Por um lado, são actos constitutivos de direitos; por
outro lado, estão sujeitos a reservas supervenientes da administração que fazem
perder alguma parte do sentido às regras relativas à revogabilidade e anulação
de actos administrativos”. Cfr., ainda, Carla
Amado Gomes, Introdução ao Direito
do Ambiente, AAFDL, 2012, pp. 94 ss; no mesmo sentido, falando da tendencial instabilidade das autorizações
ambientais e, por consequência, no dinamismo
das relações jurídicas com elas relacionadas, cfr., ainda que em relação do
caso específico do licenciamento industrial, José
Eduardo de Figueiredo Dias, O
Regime de Exercício da Actividade Industrial e a tutela do ambiente - breve
apontamento, in Estudos em Homenagem
ao Prof. Doutor José Joaquim Gomes Canotilho, vol. III, pp. 227 ss.
[2]
A ligação periferia-centro na evolução de um ramo do Direito é um dado
totalmente adquirido - cfr., entre tantos, Claus-Whilhem
Canaris, Pensamento Sistemático e
Conceito de Sistema na Ciência do Direito, 4.ª ed., F.C.G., pp. 103 ss. No
domínio do Direito Administrativo, esta nova
vaga vinda de áreas sectoriais como o Ambiente, o Urbanismo, a Segurança
Social, o Consumo ou a Energia tem mesmo levado à identificação de uma «nova
ciência do Direito Administrativo», e isto por via de A. alemães como Schimdt-Assmann ou Hoffmann-Riem.
[3]
Que, em último termo, bebe ainda da configuração de Otto Mayer do acto administrativo e da sua aproximação à
sentença jurisdicional, altura em que os efeitos do acto administrativo
ficariam “envoltos” numa espécie de «caso julgado» de natureza administrativa,
cunhado para a posteridade como caso
decidido; sobre isto, em termos sumários, Rebelo
de Sousa/Salgado de Matos, Direito
Administrativo Geral, III, 2.ª ed., pp. 91-92; ainda sobre a teorização do
acto administrativo de Otto Mayer,
cfr. Vasco Pereira da Silva, Em Busca do Acto Administrativo Perdido, pp.
65 ss.
[4]
Sobre esta função estabilizadora do
acto administrativo, cfr. Rebelo de
Sousa/Salgado de Matos, ob. cit., p.
90.
[5]
A revisão é, na verdade, um conceito amplíssimo e no qual se podem encaixar os
mais variados actos de segundo grau: a revogação, a modificação, a abrogação, a
anulação e eventualmente a caducidade. Sobre isto, em termos desenvolvidos, Carla Amado Gomes, Risco e Modificação do Acto Autorizativo Concretizador de Deveres de
Protecção do Ambiente, 2007, pp. 654 ss.; e, por todos, Vieira de Andrade, A «revisão» dos actos administrativos no direito português, in Legislação, n.º 9/10, 1994, pp. 185,
identificando a revisão em termos amplos, enquanto qualquer procedimento administrativo que implique a reapreciação
negativa ou divergente de um acto administrativo anterior.
[6]
Contra, portanto, a ideia corrente de que a validade se traduziria numa
propriedade de todo a-temporal, na medida em que dependeria de forma
exclusiva da relação entre uma norma - subordinante - e outra - subordinada -
assim, Riccardo Guastini, La Sintassi del Diritto, Giufré-Torino, 2012, p.
310.
[7]
É o célebre no ought from an is, que decorre da Secção I da Parte I do
Livro III do Treatise of Human Nature (pp. 527 ss. da ed. utilizada),
hoje identificada como “guilhotina de Hume” e que tem servido, embora de forma
nem sempre declarada, de alicerce fundacional de todo o pensamento positivista.
Cfr., a este respeito, entre tantos, von Wright, Is
and Ought, sobretudo a pp. 366 ss. V. ainda, entre nós, sobre a lei de Hume
e as suas eventuais aporias com o positivismo, Sousa e Brito,
A Lei de Hume e o Positivismo Jurídico, passim.
[8]
Sobre esta dimensão infra-estrutural e prospectiva de toda a actual função
administrativa, cfr., entre tantos, Wolff/Bachof/Stober,
Verwaltungsrecht, I (trad. port., F.C.G., 2003), pp. 128
ss; Vasco Pereira da Silva, ob. cit., pp. 122 ss.
[9]
Na verdade, ainda que se multipliquem formas consensualizadas de actuação, das
quais o contrato representa a manifestação mais candente, mas onde podem ainda
inserir-se os crescentes fenómenos de acorodos endoprocedimentais (cfr., sobre
estes últimos, Paulo Otero, Legalidade e
Administração Pública, 2003, pp. 839 ss.), a verdade é que o acto
administrativo continua ser a forma prototípica de actuação da Administração nem
que seja por razões de ordem meramente estatística.
[10] Cfr., a este respeito, Carla Amado Gomes, O Ambiente como Objecto e os objectos
do Direito do Ambiente, in RJUA, 11/12, 1999, no qual a A.
identifica, como traços dessa complexidade, o facto de a construção do ambiente
enquanto bem jurídico estar, desde logo, sujeito às pré-compreensões que se
tenham relativamente ao próprio fenómeno ambiental (pp. 46-7); daí que, por
exemplo, surjam dúvidas sobre a possibilidade de uma acepção ampla de ambiente,
no qual se incluiriam também os bens culturais. A A. acaba por reduzir o núcleo
do Direito do Ambiente ao Direito dos Recursos Naturais, (pp. 58 ss.) já
que, como afirma: “uma concepção unitária de Direito do Ambiente só é
possível se restringirmos o objecto ambiente à sua significação
operativa, ou seja, aos recursos naturais. (…) O núcleo do Direito do Ambiente
corresponde aos recursos naturais”. V., no entanto, as conclusões algo
diversas a que chega já em Risco … cit., pp. 126 ss. e 167 e ss. e em Introdução ao Direito do
Ambiente, Lisboa, AAFDL, 2012, pp. 23-25, identificando agora os “bens
ambientais”, enquanto bens naturais carecidos de protecção, como o objecto do
Direito do Ambiente, deles distinguindo os recursos naturais e,
consequentemente, o Direito dos Recursos Naturais, mais virado para a
exploração económica de bens naturais. O ponto que se quer salientar é, pois, o
da complexidade (no sentido de indefinição) que aqui vai ínsita: um ramo de
Direito que tem como tarefa primeira a quebra dos obstáculos relativos à
definição do objecto começa por ser, logo, um ramo complexo. Cfr. ainda Collaço Antunes, O Direito ao
Ambiente como Direito da Complexidade, in RJUA, 10, 1998, passim.
[11]
Disponível, desde esta semana, a partir de http://www.dgpj.mj.pt/sections/DestBanner/revisao-do-codigo-do/downloadFile/attachedFile_f0/Texto_consolidado_CPA__Negrito_retificado.pdf?nocache=1368552332.15
[12]
Para lá de uma advertência de ordem formal: as notas de pé de página
reduziram-se ao mínimo indispensável, sendo que muitas das ideias surgidas ao
longo do texto têm origem neste ou naquele A., nesta naquela leitura, ainda que
não expressamente assim identificadas.
[13]
No sentido de normas cujo objecto consiste em condutas humanas, assim se
distinguindo, na tradição hartiana, das normas secundárias, cujo objecto
residiria em outras normas. Embora Hart
(The Concpet of Law., trad. port da
2.ª ed., F.C.G., pp. 89 ss) não tenha sido absolutamente explícito na
configuração da dicotomia (V. as hipóteses de leitura que se colocam perante o
originalmente escrito por Hart,
identificando a vagueza dos critério de distinção entre normas primárias e
secundárias em Michael Bayles, Hart’s
Legal Philosophy - Na Examination, pp. 57 ss. Ainda assim, parece hoje
consensual que um critério operativo de identificabilidade das normas
secundárias deva passar pela recondução da sua previsão a outras normas, por
oposição às condutas humanas presentes na previsão das primárias. A distinção
entre umas e outras passa, então, pelo distinto objecto da previsão - neste
sentido, entre nós, David Duarte, A
Norma de Legalidade Procedimental Administrativa, pp. 99 e ss.)
[14]
Não significa esta referência qualquer visão mais autoritária do Direito
Administrativo, no sentido da deslocação do seu centro para o referencial
«Adminstração Pública»; apenas o reconhecimento, óbvio, de que o interesse
público, ainda que surja, como hoje parece curial, como síntese de uma
actividade de composição de vários interesses privados, é definido, a cada
passo, pela Administração, como não poderia, aliás, deixar de ser.
[15]
Cfr. infra, ponto III.
[16]
Sobretudo inspirado em David Duarte,
ob. cit., pp. 161 ss. e 297 e ss. e,
aliás na senda do anterior, Pedro Moniz
Lopes, Princípio da Boa Fé e
Decisão Administrativa, 2011, pp. 131 ss.
[17] Practical Reason and Norms, Oxford,
1999, passim, esp. 15 ss.
[18] Cfr.
nota 9.
[19] Note-se
que a clássica dicotomia licença/autorização, baseado na diferença estrutural
de a primeira ter efeito constitutivo sobre os direitos criados e a segunda
mero efeito de desbloqueio em relação
ao exercício de situações jurídicas pré-existentes está hoje em franco
declínio, sendo hoje corrente a configuração unitária dos fenómenos
autorizativos. Cfr., na explicação deste fenómeno, através do percurso
histórico que, por si só, explica as dificuldades da configuração dual, Carla Amado Gomes, Risco…cit., pp. 520 ss.
[20]
Sobre este aspecto do regime de AIA, cfr. Catarina
Moreno Pina, Os Regime de
Avaliação de Impacte Ambiental e de Avaliação Ambiental Estratégica, AAFDL,
2011, pp. 181 ss.
[21]
Lei 58/2005.
[22]
Risco… cit., pp. 629 ss.; assim como
já em Da Aceitação de um regime de
modificação do acto administrativo por alteração superveniente dos
pressupostos, e do controlo jurisdicional desta competência: pistas de
reflexão, in ROA, 2007, pp. 1041
ss.
[23]
Cuja sede é hoje o art. 278.º CCP.
[24]
A expressão é de Jorge Reis Novais
e surge noutro contexto: As Restrições
aos Direitos Fundamentais não expressamente autorizadas pela Constituição, 2.ª
ed., 2010, pp. 569 ss., embora surja altamente sugestiva no contexto do
presente tema: na verdade, se na temática das restrições aos direitos
fundamentais está em causa a determinação dos limites à compressão de posições
jurídico-fundamentais, necessariamente assente na consideração da extensão de
outras de igual valor, no caso da afectação de actos administrativo autorizativos,
a lógica é, também e sempre, de ponderação: a tendencial estabilidade vingará
até ao nível a que a deixarem os restantes princípios conformadores do
ordenamento.
[25] Risco…cit., pp. 733 ss.
[26] Risco…cit., pp. 744 ss.
[27]
Para uma visão geral, cfr., por todos, Rebelo
de Sousa/Salgado de Matos, ob.
cit., pp. 198 ss; Diogo Freitas do
Amaral, Curso de Direito
Administrativo, II, 2.ª ed., 2011, pp. 464 ss; em tom marcadamente crítico
e reformista, Vieira de Andrade, Lições de Direito Administrativo, 2.ª ed.,
2011, pp. 181 ss.; ainda, Aroso de
Almeida, Teoria Geral do Acto
Administrativo: temas nucleares, pp. 237 ss.
[28]
Cfr., para lá de outrs já citados, Vieira
de Andrade, A «revisão» dos actos
administrativos no direito português, in Legislação, 9/10, 1994, pp. 185-202; Discricionariedade e reforma de actos administrativos vinculados
desfavoráveis, in Cadernos de Justiça
Administrativa, 11, 1998, pp. 10-15; Collaço
Antunes, teoria do Acto e a
Justiça Administrativa - O Novo Contrato Natural ,pp. 255 ss.; O Dogma da Anulação Administrativa, in Estudos em Homenagem do Professor Doutor
Sérvulo Correia, II, Coimbra Editora, 2010, pp. 613-630; Filipa Urbano Calvão, Revogação dos actos administrativos no
contexto da reforma do Código do Procedimento Administrativo, in Cadernos de Justiça Administrativa, 54,
2005, pp. 33-43; José Robin de Andrade,
Revogação administrativa e a revisão do
Código do Procedimento Administrativo, in Cadernos de Justiça Administrativa, 28, 2001, pp. 37-49;
[29] Deve notar-se, a título de anotação
história, e com base na recolha elaborada por Rogério
Soares (Interesse Público,
Legalidade e Mérito, pp. 409 ss.), que a destrinça entre revogação e
anulação administrativa, se hoje parece consensual, resultou de uma sinuosa
evolução dogmática, através da qual se digladiaram as mais diversas teorias.
(objectivistas: revogação-mérito; anulação-invalidade / subjectivistas:
revogação-pelo autor do acto; anulação-por outro que não o autor /e um sem
número de teorias mistas). Hoje, a diferença entre as duas figuras, reconhecida
em quase todos os ordenamentos (assim, Itália: revoca/annullamento di ufficio; Alemanha: Widerruf/Rücknahme; Espanha: anulación/revocación),
baseia-se nos fundamentos/pressupostos que a cada uma delas assite: i) assim, na revogação propriamente dita
temos a cessação de efeitos de um acto por motivos de interesse público; estará
em causa uma função da administração
activa; ii) na revogação
anulatória, por sua vez, temos a cessação de efeitos de um acto por motivos de
invalidade; estará em causa uma função da administração
de controlo;
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