sábado, 18 de maio de 2013

Providenciar no Ambiente



Estando nós perante uma área particularmente sensível como o ambiente, a tutela cautelar assume especial relevância: muitos dos problemas que se levantam são mesmo “questões de vida ou de morte” – basta pensarmos na infungibilidade dos bens envolvidos[1]. Afinal, já nos diz o ditado popular que “mais vale prevenir que remediar”: não parece haver dúvidas de que prevenir é melhor como é, também, a única forma de evitar danos irreversíveis.

Mas então, qual a real importância das providências cautelares no domínio ambiental?

Parece que nos dias de hoje a resposta a estas questões é bem mais simples do que há uns anos atrás. A verdade é que, a Lei de Processo dos Tribunais Administrativos (doravante LPTA) – D.L 267/85 de 16 de Julho[2] - não regulava de forma eficaz tal matéria. Diz-nos Carla Amado Gomes que a tutela cautelar não era «(...) o forte do contencioso administrativo e no domínio do ambiente esse défice é particularmente grave (...).»[3]. E porquê? Porque os meios que estavam à disposição dos sujeitos eram insuficientes:  por um lado, tínhamos, nomeadamente, a suspensão jurisdicional da eficácia do acto administrativo – artigos 76º e s.s da LPTA – e, por outro lado, a intimação para um comportamento – artigos 86º e s.s da LPTA.

A suspensão da eficácia dos actos administrativos, nas palavras de Figueiredo Dias[4], era um verdadeiro procedimento cautelar. Para podermos fazer operar tal meio, seria necessário estarem verificados três requisitos:  1. O requerente teria de demonstrar os prejuízos de difícil reparação resultantes da execução do acto – artigo 76/1 alínea a) da LPTA;  2. Da suspensão não poderia resultar uma grave lesão para o interesse público – artigo 76º/1 alínea b) da LPTA;  3. Do processo não poderia resultar fortes indícios da ilegalidade da interposição do recurso – artigo 76º/1 alínea c) da LPTA; O artigo 81º da LPTA permitia a suspensão da eficácia de um acto já executado desde que daí adviesse uma utilidade relevante para o requerente e não resultasse prejuízos de mais difícil reparação do que o que resulta da execução do acto para o requerente – artigo 81º/1 e 2 da LPTA. Mas, a verdade é que «(...) prevenção significa muito mais que suspensão.»[5] e este meio revelava-se inútil pois estava pensado para ser um mero meio auxiliar do recurso de anulação, do recurso contra actos.

Mas será que a intimação para um comportamento se revelava mais útil? Tratar-se-ia de um meio processual acessório – tal resulta quer do artigo 86º/2 quer do artigo 90º/1 da LPTA[6]. Contudo, resulta expressamente do artigo 86º/1 da LPTA que a intimação apenas se dirigia a particulares ou concessionários o que leva a que a Administração Pública fosse alheia a este meio processual – o que não se compreende pois, muitas vezes, os sujeitos terão todo o interesse em requerer uma tutela cautelar contra a própria a Administração[7].  Assim, quando indivíduos violassem normas de direito administrativo ou havendo fundado receio de o fazerem, ao abrigo do artigo 86º/1 da LPTA, poderia ser requerido que o tribunal intimasse os mesmos à adopção ou abstenção de certo comportamento. Caso o particular ou concessionário fossem condenados em certo comportamento, deveriam cumpri-lo sob pena de ficarem pessoalmente sujeitos a uma sanção pecuniária compulsória – artigo 88º/1 e 3 da LPTA. Imaginemos, por exemplo, que é construída a indústria “fumos & fuminhos, LDA.”. Acontece que esta emite vapores e fumos prejudiciais ao habitat de Gerberas naquele local, violando normas de direito administrativo que proíbem tais emissões. Que poderíamos nós, antes de 2002, fazer? Ora, neste caso, se por hipótese representássemos o Ministério Público ou uma pessoa cujos interesses estivessem a ser violados – artigo 86º/1 1ª parte da LPTA – poderíamos lançar mão da intimação para um comportamento.[8]

Parece-nos que o cenário não era, pois, o mais animador: os particulares estavam bastante limitados no que se refere à tutela cautelar o que não é de aceitar! A tutela jurisdicional do ambiente não se harmoniza com sistemas limitados de protecção, muito pelo contrário: todos nós temos de ter à nossa disposição os meios adequados para, em cada caso concreto, possamos socorrer-nos dos mesmos e obter uma tutela que se centre capazmente na protecção do ambiente. Afinal, não é o objectivo fundamental do ambiente a prevenção de atentados e danos? Cremos pois que, a envolvente legislativa era profundamente desaconselhada à protecção do bem jurídico ambiente. Por tudo isto, reclamava-se uma verdadeira reforma legislativa! [9]

A verdade é que com a Lei 11/87 de 7 de Abril (doravante LBA) – Lei de Bases do Ambiente – era esperada uma intervenção mais enérgica por parte do legislador. Infelizmente, tal não se verificou: tal diploma pouco ou nada veio adiantar neste domínio. Apesar de tudo isso, parece necessário chamar a atenção para o artigo 42º da LBA: este preceito refere que «quem se julgue ofendido nos seus direitos a um ambiente sadio e ecologicamente equilibrado» poderá requerer que «seja mandada suspender imediatamente a actividade causadora do dano.» - temos aqui o chamado embargo administrativo. Mas será o embargo administrativo previsto no artigo 42º da LBA uma verdadeira providência cautelar? Ou será, pelo contrário, um meio processual principal? Parece que nos dias de hoje, do preceito em causa, resulta expressa e claramente, que os embargos administrativos são uma providência cautelar: visam proporcionar uma tutela provisória, e não definitiva, ao direito do ambiente. Mas, coloca-se um problema: que processo de embargo administrativo é este que a parte final do artigo 42º da LBA refere? Tal como sustenta Vasco Pereira da Silva estamos perante “um processo gerado mas não criado”, dada a ausência de regulamentação concretizadora de tal disposição legal. Ou seja, o artigo 42º da LBA define que para se obter a suspensão imediata da actividade causadora do dano se deve seguir o processo de embargo administrativo mas, depois, na prática não temos qualquer processo de embargo administrativo – temos sim, o procedimento de embargo administrativo previsto nos artigos 62 e s.s do DL 559/99, de 16 de Dezembro - a LBA não nos fala em procedimento mas sim em processo (sendo estas duas realidades completamente distintas). Pois bem: como resolver esta questão? Será que deve ser dada uma inutilidade a tal meio processual até que surja uma concretização por parte do legislador? Deverá ser deitado por terra o embargo administrativo? Não parece ser essa a opção que melhor se compactua com o Direito do Ambiente: deveremos optar pela solução que permitirá o melhor desfecho, que permitirá um maior amparo para um bem jurídico tão frágil como o ambiente[10]. Por isso mesmo, alguns autores, como Carla Amado Gomes e Vasco Pereira da Silva, reconduzem a figura dos embargos administrativos ao embargo de obra nova previsto nos artigos 412º e s.s do Código de Processo Civil (doravante CPC).

Pensemos no seguinte caso: O senhor Gervásio Anacleto tem um laboratório. O seu vizinho resolveu fazer obras. Acontece que tais obras perturbam o senhor Gervásio bem como, o pessoal que trabalha no laboratório e os utentes do mesmo devido à libertação de gases tóxicos, vibrações e ruídos. Assim, de acordo com o artigo 412º/1 CPC poderia o senhor Gervásio Anacleto, sentindo-se ofendido no seu direito de propriedade, em consequência de obra, requerer que o trabalho seja mandado suspender imediatamente - estamos no âmbito de uma relação jurídico-privada pelo que será de aplicar o artigo 412º es.s CPC. Mas, imaginemos que tal obra que estava a ser realizada era, por exemplo, uma obra do Estado ou de uma pessoa colectiva pública? Poderia o senhor Gervásio mandar suspender imediatamente tal obra? A resposta parece ser dada pelo artigo 42º da LBA e 412 e s.s º CPC: Da conjugação da LBA e do CPC parece-nos resultar que o senhor Anacleto poderia requerer o embargo de obra – de acordo com o artigo 42º da LBA, Anacleto iria requerer a suspensão imediata do acto «seguindo-se, para tal efeito, o processo de embargo administrativo.». Mas como já concluímos, não há tal processo logo, a única forma de retirar algum sentido útil ao preceito será entender que aplicar-se-ão os artigos 412 e s.s CPC: o artigo 42º da LBA remeterá, então, para o CPC. Mas, esta remissão tem um limite: o constante do artigo 414º do CPC. O que este artigo estipula é que quando estejam em causa obras do Estado, das demais pessoas colectivas públicas e das entidades concessionárias de obras ou serviços públicos, estas não podem ser embargadas, quando o litígio se reporte a uma relação jurídico-administrativa e, a defesa dos direitos ou interesses lesados se deva efectivar através dos meios previstos na lei de processo administrativo contencioso. Ou seja, o artigo 414º CPC reconhece que o contencioso administrativo é tendencialmente suficiente para reger os litígios que envolvam obras ilegais – mas pode acontecer que se demonstre mais adequado seguir uma outra via que não a do embargo administrativo. Assim, caso se demonstrasse possível, o senhor Gervásio poderia, por exemplo, requerer a suspensão do acto autorizativo administrativo de tal obra.

Chegados a este ponto cabe perguntar: teremos nós, nos dias de hoje, uma tutela cautelar idónea, suficiente e capaz para proteger o bem jurídico ambiente?

Ora, temos que admitir que muito mudou desde 2002: o CPTA foi bem mais longe do que a LPTA – assim o exigia a realidade ambiental. O artigo 20, 268º/4 e 5 da Constituição (em diante CRP) consagram o princípio da tutela jurisdicional efectiva que aponta para uma protecção jurisdicional administrativa sem lacunas: a todos nós é garantido o acesso aos tribunais para uma defesa plena dos nossos direitos e interesses legalmente protegidos – precisamente, uma das formas que permite tal protecção será a «adopção de medidas cautelares adequadas» (artigo 268º/4 parte final da CRP). Mas, no domínio ambiental, que medidas cautelares temos nós? Como bem nota Carla Amado Gomes[11], não temos meios processuais urgentes específicos para a tutela do ambiente. Por isso, o nosso olhar terá de percorrer os artigos 381º e s.s do CPC e os artigos 112º e s.s do CPTA[12] – estes artigos em conjunto permitem obstar à consumação de um dano ambiental ou, pelo menos, minorar os seus efeitos.

O artigo 112º/1 CPTA consagra uma verdadeira cláusula aberta por força da qual «quem possua legitimidade para intentar um processo junto dos tribunais administrativos pode solicitar a adopção de providência ou providências cautelares, antecipatórias ou conservatórias, que se mostrem adequadas a assegurar a utilidade da sentença a proferir nesse processo.». Ora, assim, resulta do nº1 que, quem tem legitimidade para propor em juízo o processo principal então, terá consequentemente legitimidade para requerer uma providência cautelar. Assim, se, por exemplo, a Administração emite um acto administrativo autorizativo que permite a actividade da “fumos & fuminhos”, se tal indústria emitir vapores e fumos prejudiciais ao senhor Gervásio Anacleto, este poderá intentar uma acção principal reagindo contra tal acto mas, para além disso, poderá, ainda, requerer a adopção de uma providência cautelar (por exemplo, a suspensão da eficácia desse mesmo acto – artigo 112º/2 alínea a) do CPTA). Assim, se o senhor Gervásio preferir optar pela suspensão da eficácia do acto administrativo em causa, a autoridade administrativa, uma vez recebido o duplicado do requerimento, não pode iniciar ou prosseguir a execução excepto se através de resolução fundamentada se reconhecer que a suspensão seria gravemente prejudicial para o interesse público – nº1 do artigo 128º do CPTA. Ora, isto significa então que a proibição de executar que resulta do artigo 128º do CPTA opera automaticamente com a recepção do duplicado do requerimento cautelar. Diz-nos Mário Aroso de Almeida[13] que o regime que resulta do artigo 128º do CPTA visa precisamente «evitar o periculum in mora do processo cautelar, prevenindo os danos que, para o requerente, possam resultar da demora deste processo, através da introdução de um regime que se destina a valer durante a pendência do processo cautelar, até ao momento em que este venha a ser decidido.». Todavia, parece que a suspensão da eficácia apenas vigora pelo período de tempo em que ainda não tenha havido, no processo cautelar, uma pronúncia judicial expressa. Assim, a decisão que indefira um pedido de suspensão da eficácia tem o alcance de fazer cessar a proibição de executar o acto administrativo[14].

Imaginemos agora que a “Associação Portuguesa Pesca Abusiva” desenvolve já há alguns anos, 2 campeonatos de pesca no Rio Sado. A verdade é que tais actividades estão a levar à escassez da espécie de sardinhas pequeninas e gordinhas. Perante este cenário uma Associação Ambientalista bastante preocupada e temendo que caso sejam desenvolvidos mais campeonatos haja uma extinção de tal espécie animal, pretende que sejam proibidos, durante um ano, os campeonatos naquele rio. Parece-nos que este será um caso típico de tutela urgente: se o tribunal não actuar urgentemente a sua decisão final será pura e simplesmente inútil: de que nos servirá o Tribunal emitir uma sentença onde proíba tais actividades se, no fundo, os campeonatos já se realizaram e já houve a extinção das sardinhas pequeninas e gordinhas? É simples: de nada. Mas, este caso, pode ter uma grande especificidade: o decretamento provisório da providência – artigo 131º CPTA. Ora, no artigo 131º CPTA prevê-se a possibilidade de aplicação imediata de uma medida cautelar: Poderemos estar perante uma situação que justifica a aplicação imediata de uma medida cautelar de modo a evitar os danos que se poderiam produzir em virtude da demora do processo cautelar – tenta-se impedir o periculum in mora do próprio processo cautelar. Este preceito exige que: 

  1.       Estejamos perante um direito, liberdade ou garantia - artigo 131º/1 CPTA; 
  2. Estejamos perante uma situação de especial urgência ou uma possibilidade de lesão iminente e irreversível artigo 131º/1 e nº2 CPTA; No fundo, teremos que estar perante casos que necessitam de uma regulação imediata, são situações que se caracterizam pela sua especial urgência. Assim, se o direito, liberdade ou garantia em causa, ainda que esteja em risco, não corra perigo de uma lesão iminente ou irreversível, não haverá fundamento para a aplicação do artigo 131º CPTA.

Assim, verificadas estas “condições” o tribunal concederá, a título provisório, a providência cautelar em 48 horas – artigo 131º/3 CPTA - em momento preliminar ao da decisão desse processo, que valerá até ao momento em que o processo cautelar venha a ser decidido[15]. Uma vez realizado o decretamento provisório – nos termos do nº 3 – a decisão será notificada às autoridades que a devam cumprir; as partes terão um prazo de cinco dias para se pronunciarem sobre a providência adoptada podendo requerer o seu levantamento, manutenção ou alteração; Pelo contrário, caso o juiz considere que os pressupostos do preceito não estão preenchidos, deve fazer seguir o processo como um normal pedido de providência cautelar.

À partida a Associação Ambientalista poderia ver ser decretada provisoriamente uma providência cautelar mas, admitindo que tal não seria possível. Quid  iuris? Não haverá outro meio especialmente urgente?

Parece que sim: a intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias artigos 109º e s.s CPTA. Ora, este meio processual caracteriza-se pela excepcional e extraordinária celeridade com que se consegue obter uma pronúncia judicial expressa. Tal como nos diz Tiago Antunes[16] este meio (tal como o decretamento provisório – artigo 131º CPTA) é dos mais urgentes de entre os processos urgentes[17]. Através deste meio processual conseguimos obter a “célere emissão de uma decisão de mérito que imponha à Administração a adopção de uma conduta positiva ou negativa que se revele indispensável para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia, por não ser possível ou suficiente, nas circunstâncias do caso, o decretamento provisório de uma providência cautelar, segundo o disposto no artigo 131º.”. Parece resultar assim do artigo 109º/1 do CPTA a necessidade de se verificarem dois requisitos para lançar mão da intimação:

  1. Seja requerida à Administração a adopção de uma conduta, positiva ou negativa, que se revele indispensável para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia – tem que haver uma certa lógica de urgência perante um direito, liberdade ou garantia: a tutela requerida é de tal forma urgente que deve ser resolvido por uma via amplamente célere;
  2.  Não pode ser possível ou suficiente, nas circunstâncias do caso, o decretamento provisório de uma providência cautelar – a intimação é subsidiária face ao decretamento provisório.[18] Ou seja, o artigo 109º/1 do CPTA estabelece esta subsidiariedade não em relação à tutela cautelar no geral, mas, apenas, em relação ao artigo 131º CPTA; Mas, a verdade é que existem algumas críticas a esta última parte do preceito: Por exemplo, Vieira de Andrade diz-nos que a última parte do preceito não faz sentido «devendo, provavelmente, partir-se do princípio de que não existe». Propõem assim, alguns autores, que a subsidiariedade da intimação será em relação a toda a tutela cautelar e que, por isso, deveremos recorrer aos artigos 109º e s.s CPTA nos casos em que a tutela cautelar se revela impossível porque a situação carece de uma solução imediatamente definitiva e irreversível. Ora, parece-me que tal não deve ser a solução a adoptar: o legislador foi bastante claro e, claramente, adoptar esta posição é contrariar, é infringir a lei. Afinal, não podemos, sempre que não concordamos com o legislador “dar a volta” à letra da lei de forma intolerável. Claramente, a letra da lei não nos permite tal interpretação!


Ora, mas, não pensemos que no Direito do Ambiente apenas nos será útil estes dois meios especialmente urgentes: é verdade que, tal como já deixámos expresso, as grandes especificidades deste ramo do direito levam a que sejam meios bastante adequados e capazes na protecção do bem jurídico ambiente. Mas, a verdade é que toda a tutela cautelar, no seu geral, deve ser tida em conta. Bom, mas olhemos para um caso em concreto para perceber melhor toda esta lógica.

No Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 31/03/2011[19] vem a Quercus – Associação Nacional de Conservação da Natureza – propor contra o Ministério do Ambiente e do Ordenamento do Território e, também, contra o Município, uma acção em que requer a suspensão da eficácia do acto de aprovação do Parque Eólico pela Comissão de Avaliação e Acompanhamento da Agência Portuguesa do Ambiente, da Deliberação da Câmara Municipal em que difere o pedido de licenciamento das obras e, também, do Despacho da Ministra do Ambiente e do Ordenamento do Território mediante o qual foi prorrogada a Declaração de Impacto Ambiente. Neste acórdão, estava em causa a construção de um Parque Eólico no distrito de Leiria: encontrávamo-nos perante um projecto que tinha como objectivo a produção de energia eléctrica a partir de uma fonte renovável – o vento. Tal projecto, teria consequências bastante vantajosas: desde logo, previa-se no Estudo de Impacte Ambiental que, o funcionamento do Parque Eólico se traduzisse numa não emissão anual de 21040 toneladas de C02. Mas, como já alguém nos dizia “nem tudo são rosas” e, a verdade é que deste plano não resultavam apenas efeitos benéficos. Num raio de cerca de 20 KM da zona abrangida pelo projecto eram conhecidos vários abrigos de morcegos inclusive, algumas espécies colocavam-se mesmo criticamente em perigo[20]. Por isso, veio a Comissão de Avaliação – composta pelo Instituto do Ambiente, Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro, Instituto da Conservação da Natureza, Instituto Português de Arqueologia e pelo Instituto Português do Património Arquitectónico – emitir um parecer subordinado, em Outubro de 2004, em que conclui que existiam condicionantes ambientais, como a afectação do património cultural e de habitats prioritários, que não seriam compatíveis com o projecto em causa. Veio então, a Comissão de Avaliação negar o provimento a um parecer favorável pois, seria necessário efectuar estudos mais aprofundados. Posteriormente, mais concretamente em Dezembro de 2004, o Secretário de Estado Adjunto do Ministro do Ambiente e do Ordenamento do Território, veio emitir uma declaração de impacte ambiental condicionada favorável[21]. Em Outubro de 2009 a Câmara Municipal deliberou por unanimidade o deferimento do pedido de licenciamento. Perante o exposto, justificar-se-á, ou não, uma providência cautelar? Ora, teremos que analisar os critérios do artigo 120º do CPTA – este preceito determina critérios que devem orientar o juiz. 

                    I.            Artigo 120º/1 1ª parte alínea b) CPTA: deve haver um «(...) fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal(...)». Parece resultar daqui que teremos que nos encontrar perante uma situação em que os factos concretos alegados devem permitir perspectivar a criação de uma situação de impossibilidade de reintegração. Ou, por outro lado, tal como nos diz Mário Aroso de Almeida[22], teremos que nos encontrar perante um caso em que «a reintegração no plano dos factos se perspectiva difícil, seja porque pode haver prejuízos que se produzirão ao longo do tempo e que a reintegração da legalidade não é capaz de reparar ou, pelo menos, de reparar integralmente.». Concordamos inteiramente com a análise do presente acórdão: neste caso estaríamos, claramente, perante um fundado receio da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses ambientais: estava em causa a mortalidade de morcegos considerados com um estatuto de criticamente em perigo e vulneráveis. Tendo em conta um juízo de probabilidade, era bastante plausível que a instalação dos aerogeradores levasse a um efectivo risco de colisão e, consequentemente, a morte dos morcegos;
                  II.            Artigo 120º/1 2ª parte alínea b) CPTA: Parece bastante claro que o legislador português, tal como afirma Miguel Prata Roque[23], aderiu à tese da mera possibilidade de procedência do pedido principal: o juiz cautelar deve bastar-se com a mera ausência de indícios de manifesta improcedência do pedido principal.
                III.            Artigo 120º/2 CPTA: O CPTA optou por reconhecer a ponderação de interesses como um requisito indispensável à decretação de quaisquer providências cautelares administrativas: os tribunais administrativos devem ponderar se os benefícios resultantes da concessão da providência cautelar seriam inferiores aos prejuízos causados ao interesse público. Teremos sempre que formular um juízo de comparação da situação do requerente com a dos eventuais titulares de interesses contrapostos[24]. Assim, para verificar se esta providência cautelar requerida pela Quercus deveria, ou não, ser decretada, teremos que proceder a uma ponderação equilibrada dos interesses concretamente em presença, balanceando os eventuais riscos que a atribuição da providência possa envolver para os interesses públicos e privados em presença. Sem dúvida que existem interesses públicos em presença – estão em causa interesses ambientais – mas, também estão aqui envolvidos interesses privados – nomeadamente interesses económicos. Qual deles deve prevalecer? Veio o tribunal decidir que «tudo ponderado e num juízo de prognose, afigura-se que tanto os danos que resultariam da concessão da requerida providência cautelar – essencialmente de natureza económica – como os danos que podem resultar da sua recusa – essencialmente de natureza ambiental e qualidade de vida – podem ser evitados ou atenuados pela adopção de outras providências[25], que se perspectivam adequadas a atenuar a lesão dos interesses defendidos pelas partes e menos gravosas para os reflexos interesses privados da Contra-interessada.» Veio o tribunal optar pela proibição de qualquer actividade de construção ou montagem de qualquer parte de componente dos aerogeradores no período compreendido entre trinta minutos antes do pôr-do-sol e o nascer do sol, nos meses de Outubro, Novembro, Dezembro, Março e Abril – no fundo, porque eram as horas e os meses em que se notavam maior circulação de morcegos. Parece que esta foi, sem qualquer dúvida a melhor opção: através desta solução, conseguiu-se equilibrar todos os interesses em confronto. Por um lado, os morcegos serão, à partida, convenientemente tutelados e, por outro lado, obstasse à suspensão total da actividade económica em causa.
Em suma: parece-nos bastante interessante e bastante inteligente a solução adoptada neste acórdão pelo que aderimos à mesma na integralidade: para quê sacrificar completamente um interesse em presença quando podemos, pura e simplesmente, harmonizar todos os interesses em causa?

No Ambiente devemos sempre lutar pela prevenção: esta é preferível face à correcção. Por isso, ter uma tutela cautelar efectiva e operante é urgente, é necessário. O contencioso tem que providenciar no ambiente.

Indicações bibliograficas:

. GOMES, CARLA AMADO - As operações materiais administrativas e o Direito do Ambiente, Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa, Lisboa, 1997;
                       Introdução ao Direito do Ambiente, Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisbpa, Lisboa, 2012.
. DIAS, José Eduardo de Oliveira Figueiredo - Da legitimidade Processual e das Consequências, Coimbra Editora.
. ALMEIDA, Mário Aroso - Manual de Processo Administrativo, Almedina, 2012
. ROQUE, MIGUEL PRATA, Providências Cautelares Administrativas – o juiz nacional enquanto interprete do direito processual administrativo europeu, Revista do Ministério Púbico, I27, Julho, Setembro de 2011
. ANTUNES, TIAGO - O Triângulo das Bermudas no novo Contencioso Administrativo in Estudos em homenagem ao Professor Doutor Marcello Caetano, Volume II, Lisboa, 2006


Sara Arrábida Marques, aluna nº 19851.


[1] Uma actuação humana pode causar efeitos verdadeiramente nefastos, efeitos devastadores e, no limite, causar a extinção de espécies animais e vegetais e levar à exaustão os recursos naturais.
[2] Sendo revogada pela Lei nº 15/2002 de 22 de Fevereiro – Código de Processo dos Tribunais Administrativos – artigo 6º alínea e).
[3] Carla Amado Gomes, As operações materiais administrativas e o Direito do Ambiente, Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa, Lisboa, 1997, p.59;
[4] José Eduardo de Oliveira Figueiredo Dias, Da legitimidade Processual e das Consequências, Coimbra Editora, 1997, p. 298.
[5] FIGUEIREDO DIAS, op cit., p,313;
[6] O artigo 86º/2 estabelecia que a intimação para um comportamento está dependente «(...) do uso dos meios administrativos ou contenciosos adequados à tutela dos interesses a que a intimação se destina.»; estabelecia, por outro lado, o artigo 90º/1 que a intimação caduca sempre que o recorrente não use esses meios no prazo adequado – alínea a) – ou, ainda nos casos da alínea b), c), d), e e). Estes preceitos relembram-nos, hoje, precisamente, a característica da instrumentalidade das providências cautelares – o que nos demonstra que existe alguma proximidade entre estes meios: Desde logo, estas apenas podem ser desencadeadas por quem tenha legitimidade para intentar o processo principal e definem-se, precisamente, por referência a esse processo – artigo 112º e 113º/1 do CPTA que nos refere que «o processo cautelar depende da causa que tem por objecto a decisão sobre o mérito». Por outro lado, de acordo com o artigo 123º/1 alínea a) do CPTA, as providências cautelares caducam «se o requerente não fizer uso, no respectivo prazo, do meio contencioso adequado à tutela dos interesses a que o pedido de adopção de providência cautelar se destinou.»
[7] Todavia, o D.L 250/94 de 15 de Outubro veio permitir que os interessados pudessem pedir ao tribunal administrativo a intimação da Câmara Municipal a promover as consultas às entidades exteriores aos municípios – o que demonstrou já alguma evolução neste domínio.
[8] Parece que encontramos alguma semelhança entre o artigo 37/3 do CPTA e o artigo 86º e s.s da LPTA. Vejamos: o artigo 37º/3 do CPTA apenas poderá ser invocado perante particulares e, nunca, perante sujeitos de direito público; ora, o mesmo realça o artigo 86º da LPTA; por outro lado, um dos requisitos para fazer operar o artigo 37º/3 do CPTA é a existência de uma violação, ou um fundado receio de que essa violação ocorra, por sujeitos privados, de «vínculos jurídico-administrativos decorrentes de normas, actos administrativos ou contratos.»; também do texto do artigo 86º/1 da LPTA resulta tal lógica; Por fim, estes dois meios processuais prevêem que os sujeitos passivos destinatários de tais normas, adoptem ou abstenham-se de adoptar certo comportamento. Mas, realce-se que, existem diferenças de fundo entre tais preceitos. Desde logo, por exemplo, o artigo 37º/3 do CPTA é um meio processual principal e impõem que as autoridades competentes tenham sido chamadas a intervir sem que, contudo, tenham adoptado as medidas adequadas; Pelo contrário, o artigo 86º e s.s LPTA é um meio acessório – o que faz toda a diferença.
[9] Todavia, parece que alguma doutrina, apercebendo-se de todos os problemas que estavam em causa, admitia a utilização das providências cautelares não especificadas do CPC sempre que: 1. Estivessem em causa posições jurídicas subjectivas substantivamente tuteladas; 2. O receio fundado de uma lesão grave e dificilmente reparável; 3. Inaplicabilidade de outro meio acessório; - tal solução nas palavras de Vieira de Andrade – Direito Administrativo p.102 – correspondia «inteiramente à garantia de acesso aos tribunais administrativos para protecção dos direitos previstos (...) na Constituição.
[10] Não parece fazer sentido criticar toda a lógica vivenciada antes de 2002 e, depois, desprezar a possibilidade de tornar proveitoso um avanço da LBA: afinal, a tarefa do intérprete é a de procurar o máximo de utilidade prática para os mecanismos previstos na lei.
[11] Carla Amado Gomes, Introdução ao Direito do Ambiente, Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa, Lisboa, 2012, p. 228;
[12] Estes preceitos cumprem o princípio elencado no artigo 268º/4 da CRP.
[13] MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, Manual de Processo Administrativo, Almedina, 2012, p.460
[14] MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, op cit., p.463 e 464.
[15] Tal como nos diz MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, o decretamento provisório pode ter lugar quer no inicio do processo cautelar quer já no próprio decorrer do mesmo: «não é de excluir que a evolução das circunstâncias ao longo do período de tempo da pendência do processo cautelar possa vir a exigir um decretamento provisório que não se justificava no momento em que o processo cautelar foi intentado.» op cit., p. 453;
[16] TIAGO ANTUNES, O Triângulo das Bermudas no novo Contencioso Administrativo in Estudos em homenagem ao Professor Doutor Marcello Caetano, Volume II, Lisboa, 2006, p. 717;
[17] Em situação extrema pode conseguir-se obter o decretamento provisório em 48 horas – artigo 111º/1 CPTA.
[18] TIAGO ANTUNES, diz-nos que a letra do artigo 109º/1 CPTA restringe o seu âmbito de aplicação e torna-o ininteligível: restringe porque «serão poucos os casos carecidos de uma tutela imediata em que o decretamento provisório de uma providência cautelar segundo o disposto no artigo 131º CPTA não seja possível; e torna-o ininteligível porque não se vislumbra casos em que o decretamento provisório de uma providência cautelar segundo o disposto no artigo 131º CPTA não seja “suficiente”.» - op cit., p. 723.
[19] Processo número 06793/10; Relator: Coelho da Cunha.
[20] Isto porque se previa a possibilidade de colisão de algumas espécies de morcegos com os aerogeradores, resultando daí a sua mortalidade, por outro lado, os aerogeradores encontravam-se a cerca de 140 metros do Algar da Àgua – local que albergava algumas espécies de morcegos.
[21] Impôs-se, entre outras, a aprovação de um estudo arqueológico completo, com recurso a escavações arqueológicas, em toda a área afecta à implantação de aerogeradores e infra-estruturas associadas; Aprovação de um estudo sobre a caracterização e cartografia à escala 1/1000 dos habitats naturais e espécies florísticas.
[22] MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, op cit., p.475.
[23] MIGUEL PRATA ROQUE, Providências Cautelares Administrativas – o juiz nacional enquanto intérprete do direito processual administrativo europeu, Revista do Ministério Púbico, I27, Julho, Setembro de 2011, p.45;
[24] No fundo, ainda que estejamos a lidar com bens ambientais naturais dotados de especial fragilidade, não é de defender um automatismo da tutela cautelar.
[25]O artigo 120º/3 CPTA permite que o tribunal, desde que ouvidas as partes, possa optar por adoptar outras providências em substituição daquela que tenha sido concretamente requerida, «(...) quando tal se revele adequado a evitar lesão desses interesses e seja menos gravoso para os demais interesses, públicos ou privados, em presença.».

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