domingo, 19 de maio de 2013


A responsabilidade civil por danos causados ao ambiente no DL 147/2008

À primeira vista pode não parecer lógico falar em responsabilidade civil por danos causados ao ambiente. Do direito civil depreendemos que todos os elementos que constituem o meio ambiente, como a fauna, o ar, a água, entre outros, não são susceptiveis de apropriação individual. O nosso código civil menciona mesmo que tais elementos não podem constituir direitos privados, visto que se encontram fora do comércio. No entanto a responsabilidade civil pressupõe que estejamos perante a violação de um direito. É aqui que reside o cerne da questão, se os elementos que constituem o meio ambiente não são susceptiveis de serem objecto de direitos privados como se pode então falar de responsabilidade civil por danos causados ao meio ambiente?
            Ao contrário do que acontecia outrora, hoje em dia há a certeza absoluta que o meio ambiente é um bem perecível e que para este não seja destruído num curto espaço de tempo é necessário que pautemos a nossa conduta por princípios de gestão racional de recursos naturais, na sua vertente preventiva. Em virtude do carácter perecível do meio ambiente, surge a necessidade de o proteger, pelo que em 1976 foi constitucionalmente reconhecido um direito genérico a um ambiente sadio e ecologicamente equilibrado, sendo que a sua lesão está agora munida de carácter ilícito. Acompanhando o pensamento de Menezes Leitão , “a lesão do ambiente tem-se vindo a apresentar, não uma lesão de um bem jurídico exterior ao Homem, mas antes como uma lesão da própria personalidade humana”[1].

Responsabilidade ex ante
O direito do ambiente pauta-se, antes de tudo, por uma lógica de prevenção, tal como se observa pela leitura do artigo 66.º a) da CRP e do 3.ºs) da Lei de Bases do ambiente. No entretanto esta lógica nem sempre é possível, uma vez que o mundo em que vivemos é altamente industrializado e os danos ao meio ambiente são praticamente inevitáveis, razão pela qual o artigo 3.º h) da Lei de Bases do Ambiente (LBA) e o 52.º, nº3 da CRP admitem também uma lógica reparadora. Justifica-se portanto que o conceito de lesão ao meio ambiente assente na dupla vertente prevenção/reparação. A solução protagonizada pelo RPRDE não coincide com a patente no 48.º LBA, mas não deixa de ser feliz. Prevê uma compensação pelos danos causados, não pecuniária mas por recuperação de componentes ambientais equivalentes. É ainda consagrada uma solução de perdas intermédias que visa a reparação verdadeira e integral do dano, e não a ficção de uma restauração natural que só será visível num futuro não muito próximo, atendendo ao ritmo reconstrutor da própria natureza.
            A lógica do regime da responsabilidade assenta na verificação de um dano que pode ser iminente ou pode já se ter concretizado. No caso do primeiro, estamos perante uma compensação ex ante, o dano ainda não foi concretizado mas é possível antecipar a sua inevitabilidade e calcular qual a sua intensidade, pelo que o futuro lesante (não sendo possível a reconstituição natural) deve proceder à sua correspondente compensação. Segundo Carla Amados Gomes, não obstante a RCNB conceda autonomia à compensação no seu artigo 4.º d), “identificando-se esta com a hipótese plasmada no art 36.º do mesmo diploma, não se vislumbra aqui qualquer diferença do Princípio da responsabilização” [2]. Assim sendo, entende a autora que se deve aplicar analogicamente os critérios do Anexo V do RPRDE à fixação de medidas em sede de compensação ex ante.
            No caso de já ter havido uma efectiva concretização do dano, estamos perante o P. da responsabilização presente no artigo 3.º h) da LBA. Sendo os bens ambientais de proveito comum, a sua lesão não pode ser banalizada. O lesante deve reconstituir a situação verificada antes da lesão e se esta não for de todo possível, deve compensar por algo equivalente.

Responsabilidade ex post
O DL 147/2008, entretanto já alterado pelo DL 29-A/2011 de 1 de Março, explana no seu prêmbulo a vontade de avançar uma definição de dano ecológico, ao mesmo tempo que no anexo  V descreve as suas formas de reparação. No entanto tal não foi conseguido, uma vez que o capítulo dedicado à responsabilidade civil não traça de forma nítida a a fronteira entre dano ambiental e dano ecológico. Pelo contrário, confunde-os. Não obstante, este DL representa uma melhoria significativa no campo da responsabilidade por danos ambientais, pois conseguiu-se ultrapassar as dificuldades interpretativas de alguns preceitos quer da LBA, quer da lei de Participação Procedimental e Acção Popular. Este novo regime prevê tanto a responsabilidade subjectiva, no artigo 8.º, como a responsabilidade objectiva, no artigo 7.º, para além de uma responsabilidade administrativa pela prevenção e reparação de danos ambientais, nos artigos 11.º 3 seguintes. De notar ainda o artigo 10.º, nº1 que parece explanar a subsidiariedade da responsabilidade civil em relação à responsabilidade administrativa, uma vez que os lesados referidos no capítulo II do decreto-lei não podem exigir reparação nem indemnização pelos danos que invoquem na medida em que esses danos sejam reparados nos termos do capítulo III”[3]. Tal solução não parece ser nada desejável, visto que funciona como um travão aos pedidos de indemnização pelos danos causados ao ambiente por parte dos cidadãos”.
            A responsabilidade objectiva encontra-se prevista no artigo 7.º do DL, consagrando que “Quem, em virtude do exercício de uma actividade económica enumerada no anexo iii ao presente decreto-lei, que dele faz parte integrante, ofender direitos ou interesses alheios por via da lesão de um qualquer componente ambiental é obrigado a reparar os danos resultantes dessa ofensa, independentemente da existência de culpa ou dolo.” Já a responsabilidade subjectiva vem no artigo imediatamente a seguir e é muito semelhante ao 483.º do Código civil.
            Ora, tanto no caso da responsabilidade objectiva como no caso da responsabilidade subjectiva, é necessário que haja um nexo de causalidade entre o facto e o dano. A prova do nexo de causalidade assume grande dificuldade, sendo que  o artigo 5º refere que este assenta “A apreciação da prova do nexo de causalidade assenta num critério de verosimilhança e de probabilidade de o facto danoso ser apto a produzir a lesão verificada, tendo em conta as circunstâncias do caso concreto e considerando, em especial, o grau de risco e de perigo e a normalidade da acção lesiva, a possibilidade de prova científica do percurso causal e o cumprimento, ou não, de deveres de protecção.” Carla Amado Gomes tece uma crítica quanto a esta norma, uma vez que não estabelece presunção legal de causalidade. Antes assenta na Teoria da causalidade adequada e aponta para a prova cientifica do processo causal, reduzindo grandemente a margem de construção de situações de imputação menos firmes Por seu lado Menezes Leitão considera esta norma como suficiente, visto que permite que sejam estabelecidas presunções judiciais de causalidade.
            O artigo 4.º do DL é dedicado à comparticipação, dispondo que quando haja vários responsáveis, há lugar a responsabilidade solidária, mesmo que não haja culpa de todos, sem prejuízo do correlativo direito de regresso, presumindo-se a responsabilidade em partes iguais[4].
No artigo 6.º vem um regime especial no caso de poluição de caracter difuso. Exige-se para tal que seja possível provar um nexo de causalidade entre os danos e as actividades lesivas, pelo que não parece concretizável a responsabilização de todos os intervenientes em caso de causalidade alternativa em relação a esta poluição.
Em suma, o legislador português, bem como o europeu, em virtude do caracter finito e não eternamente renovável do meio ambiente, têm vindo a demostrar cada vez mais preocupação neste campo. Aposta-se fortemente numa vertente preventiva mas reconhecesse a inevitabilidade de certos danos ambientais, consagrando para tal soluções felizes como a reparação completa e integral do dano, repondo a situação como esta estava antes da lesão. No entanto, nem sempre tal é possível, quer seja devido ao seu elevado custo, quer seja mesmo devido à sua impossibilidade material, pelo que se consagrou ainda a recuperação de componentes ambientais equivalentes.  

Bibliografia:
GOMES, Carla Amado, A responsabilidade civil por danos causados ao ambiente, in Estudos dedicados ao prof Luís Alberto Carvalho Fernandes, Revista da Faculdade de Direito da Universidade Católica, vol II, 2011
GOMES, Carla Amado, a Responsabilidade por dano ecológico: reflexões preliminares sobre o novo regime instituído pelo DL 147/2008, de 29 de Julho, in Textos dispersos de Direito do Ambiente, III, Lisboa, 2010
GOMES, Carla Amado, Introdução ao direito do ambiente, AAFDL, 2011
LEITÃO, António Menezes, Responsabilidade por danos ambientais
Oliveira, Ana Perestrelo de, Causalidade e interpretação na responsabilidade civil ambiental, AAFDL




 Ana Sofia Freire

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