“Em matéria de ambiente a melhoria do acesso á
informação e participação dos cidadãos no procedimento decisório aumenta a
qualidade e eficácia das decisões, contribui para o conhecimento público das
questões ambientais, dá oportunidade aos cidadãos de expressar as suas
preocupações e permite às autoridades públicas considerar tais preocupações.” (Preâmbulo da Convenção de Aarhus)
Todos sabemos que uma
democracia saudável depende, em larga medida, do nível de informação que os cidadãos
disponham não só para que possam compreender o fundamento e os limites dos seus
direitos, mas também para que possam de certa forma controlar a transparência
na tomada de decisões por parte da Administração.
Estando aqui em causa
não só o acesso à informação mas também o exercício dos nossos direitos tendo
em conta o ideal democrático.
No domínio ambiental,
o direito e acesso à informação têm uma importância que merece ser realçada
dado que, quanto maior for o nível de informação prestado aos cidadãos, mais
eficientemente se cria uma consciência ambiental, ou seja, maior será a consciência
da comunidade em relação a um bem jurídico frágil que necessita da protecção de
todos. Desta forma, sendo a proteção ambiental uma tarefa partilhada[1]
que cabe a cada um de nós, depende essencialmente de uma postura activa e
empenhada de respeito e promoção do meio ecológico. E esse respeito e promoção
só podem ser alcançados mediante um bom acesso à informação.
O acesso à informação[2]
em matéria de ambiente na posse das autoridades públicas constitui uma condição
primordial para permitir o reforço da aplicação e do controlo do direito
comunitário em matéria de ambiente.
Para evitar a
existência de grandes disparidades entre as legislações relativas ao acesso à
informação em matéria de ambiente em vigor nos Estados Membros bem como para
assegurar a defesa dos interesses públicos na participação, informação e acesso
à justiça ambiental surgiu a Convenção Aarhus na sequência da revisão da Directiva
90/313/CE através da Directiva 2003/4/CE.
A Convenção Aarhus
revelou-se um passo importante no que diz respeito ao desenvolvimento do
Direito Ambiental Internacional, bem como na conformação das legislações dos
Estados-Membros na medida em que impõe directrizes sobre a participação pública
nos procedimentos administrativos que causem grande impacto nas condições
sociais, ambientais e económicas de determinada localidade. O principal
objectivo desta convenção está em garantir, de forma mais simplificada, o
acesso dos cidadãos e das organizações e/ou entidades interessadas nas
informações e nos procedimentos com real valor de decisão, com intuito de fazer
valer as normas publicas de participação e protecção ambiental. Encontra-se
também subjacente na convenção o perigo de tomada de decisão envolvendo o
ambiente que não tenham em conta a participação popular.
Em suma, esta
convenção, visa harmonizar os pressupostos de exercício de três direitos: o
direito à informação ambiental (art. 4.º e 5.º), o direito de participação
(art. 6.º) e o direito de acesso à justiça (art.7.º).
Tendo em conta toda a
importância do acesso à informação ambiental cumpre referir o enquadramento e
tratamento desta questão no ordenamento jurídico português.
Nos termos do art.
8.º/3 da Constituição da República Portuguesa, Portugal aceitou que a Convenção
Aarhus vigorasse no ordenamento jurídico português aceitando todas as suas
condições e comprometendo-se a criar legislação interna mecanismo compatíveis
com o modelo internacional. Assim sendo, daqui podemos, desde já inferir que o
ordenamento jurídico português é capaz de garantir o acesso à informação e à
participação nas questões envolvendo o meio ambiente, seja na esfera
constitucional ou na esfera legislativa internacional.
Conforme refere a
Professora Carla Amado Gomes[3],
o direito à informação ambiental está consagrado na constituição numa dupla
dimensão: na dimensão subjectivista, na medida que o acesso à informação e as
suas fontes são essenciais para a compreensão dos fundamentos e direitos dos
cidadãos e na dimensão objectivista, que permite o controlo da transparência da
decisão administrativa (nos termos do art. 268.º/ 1 e 2 respectivamente).
A mesma autora refere
ainda que o acesso à informação ambiental assume por si só, uma dimensão de
participação politica, traduzida no desejo de estar informado sobre as
intervenções públicas e privadas, em bens de fruição colectiva. A par de uma
marcada feição pedagógica, fornecendo ao individuo o conhecimento essencial
para definir a sua interacção com o meio ambiente e também, refere esta autora,
que no acesso à informação ambiental também se pode descortinar uma vertente
instrumental na medida em que este se conjuga com o direito à participação na
tomada de decisões com incidência ambiental.
Do já exposto podemos
retirar a seguinte ilação, o ambiente enquanto interesse público indutor de
solidariedade intergeracional com o fim de prevenção de condutas potencialmente
lesivas de bens fundamentais não pode passar à margem da consagração de um
especial dever de informação. A protecção ambiental, por ser uma tarefa
partilhada entre entidades públicas e privadas, traduz-se numa dimensão
impositiva (dever de protecção do ambiente) e em dimensões pretensivas de
natureza procedimental e processual. No entanto, será que a Administração
cumpre o seu dever de prestar os devidos esclarecimentos a pedido do
particular? Será que a Administração põe à disposição dos particulares os meios
necessários para aceder a essa informação?
Muito embora não
esteja expressamente previsto na Constituição a tutela do Direito à Informação
em matéria ambiental, acompanhamos a opinião do Professor Jorge Miranda[4],
quando este afirma que a tutela deste direito se pode retirar da interpretação
dos artigos 9.º alínea e), 66.º, 37.º, 48.º, 268.º/1 e 2 da CRP.
Retomando, no entanto,
a temática da Convenção Aarhus; após a ratificação por parte do Estado Português
foi criado um diploma que regula especificamente a o acesso à informação
ambiental, a chamada Lei de Acesso à Informação Ambiental mais comummente
designada LAIA (Lei 19/2006).
Desta forma, cumpre
dissecar este diploma de forma a perceber de que forma o cidadão pode adquirir
a informação e em caso de abstenção por parte da Administração na divulgação
dessa informação a que meios o cidadão pode recorrer.
O artigo 4.º da LAIA,
em virtude da necessidade de promover a “cidadania ambiental”, estabelece as tarefas
a que estão vinculadas as autoridades públicas no âmbito da divulgação da
informação.
O artigo 5.º dispõe
sobre o dever de actualização, activa e sistemática, da informação ambiental,
que deverá ser progressivamente disponibilizada em bases de dados electrónicas
facilmente acessíveis ao público através de redes públicas. A actualização da
informação é um imperativo em sede ambiental, uma vez que se verifica uma
célere mutação do estado de preservação dos elementos naturais e uma
progressiva consciencialização das entidades públicas e privadas para a
necessidade da sua protecção.
O acesso á informação
ambiental pode traduzir-se em duas modalidades, nomeadamente, a mera consulta
de dados e a obtenção documentada de dados informativos (artigo 6.º nº 2 e 3).
Deste artigo 6.º
retira-se também que, sem qualquer justificação pode o interessado requerer
junto da entidade competente a informação que entender, podendo fazê-lo
mediante documento escrito e assinado, onde constar a sua identificação pessoal
e local, bem como a determinação dos elementos de informação que pretende (art.
8.º).
Em seguida, a
autoridade administrativa competente deve esclarecer os métodos de avaliação, o
estado dos componentes ambientais (art. 7.º) e o formato em que deseja ver
fornecida a informação pretendida (art. 10.º).
O requerente tem
direito a uma resposta sobre o pedido de disponibilização da informação no
prazo de 10 dias, seja ela positiva (artigo 9.º n.º1 alínea a)) ou negativa
(artigo 13º).
Na opinião de CARLA
AMADO GOMES[5] ainda que o artigo 9.º n.º1
alínea b) aponte um prazo de um mês (nos casos em que a autoridade pública não
tenha a informação tratada e coligada), a Administração deve sempre
responder-lhe, ainda que suspensivamente, no prazo de 10 dias, a fim de o
esclarecer da dilação, sob pena de o requerente poder presumir que a
Administração não pretende fornecer-lhe a informação e avançar espuriamente
para a apresentação de uma queixa à Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos
(a chamada CADA), nos termos do artigo 104º/2 do CPTA, ou mesmo para a
propositura de uma intimação judicial para consulta de documentos.
A resposta ao pedido
de disponibilização da informação pode ser positiva, parcialmente positiva
(artigo 12º), negativa ou nenhuma das três, em virtude de o acesso à informação
dever ser diferido para momento posterior (artigo 11º nº2 e 5).
O artigo 6.º n.º2
assume grande importância uma vez que estabelece os fundamentos de
indeferimento (à semelhança do artigo 4.º n.º4 da Convenção de Aarhus).
São estabelecidas três
cláusulas flexibilizadoras dos fundamentos de recusa de acesso à informação
ambiental:
- nomeadamente, no
artigo 11.º n.º 7 que neutraliza o efeito fundamentador da recusa nos casos das
alíneas a),d),f),g) e h), sempre que o pedido de informação se referir a fontes
de emissões poluentes;
- no artigo 11.º n.º 8
que impõe a interpretação restritiva dos fundamentos de indeferimento e os
submete ao crivo da proporcionalidade;
- no artigo 12º, onde
se estabelece o principio da preferência da disponibilização parcial sobre a
não disponibilização, sempre que a distinção entre dados acessíveis e não
acessíveis seja facticamente possível.
Sempre que o
requerente se defrontar com uma resposta negativa ou apenas parcialmente
positiva, ou mesmo com uma não-resposta, pode reagir intra-administrativamente,
apresentando queixa à Comissão de acesso aos Documentos Administrativos (CADA),
nos termos do artigo 16º da LADA (Lei de Acesso aos Documentos Administrativos).
Ao recorrer à
intervenção da CADA, o requerente não perde o direito de accionar judicialmente
o órgão faltoso. O meio processual mais adequado e eficaz para fazer face a
estas situações é a intimação para a prestação de informações, consulta de
processos e passagem de certidões, nos termos dos artigos 104.º e ss do CPTA.
Trata-se de um processo especialmente célere e sumário, que pode ou não ser
acessório de uma acção principal para cuja instrução os documentos cujo acesso
é recusado se revelam fundamentais.
A intimação da
administração fixa um prazo (20 dias igual ao prazo ou no prazo que será de 45
dias) para prestar informações que resultam do somatório dos prazos previstos
no art. 16.º/2 e 3 e 14.º/1 e 2 (da LAIA). A CADA, tem 30 dias para elaborar um
relatório circunstanciado que comunica a todos os interessados, após a recepção
e em face desse relatório a administração deverá no prazo de 15 dias, notificar
o requerente da decisão final. O tribunal concede a intimação e fixa um prazo
para o seu cumprimento que não deverá ultrapassar os 10 dias do (art.108.º/1
CPTA) e o procedimento junto ao CADA caduca por inutilidade superveniente
(art.112.º CPA). Se o tribunal não conceder a intimação e o parecer do CADA não
convencer a entidade administrativa a prestar informação, não é possível o
interessado propor uma nova acção por força da excepção do caso julgado (art.
498.º CPC e 89.º/ 1 i) do CPTA), contudo pode recorrer por via da acção
administrativa comum no sentido de obrigar a administração a fornecer a
informação requerida (art. 37.º/2 c) CPTA) uma vez que a recusa da informação
pode não ser considerado um acto administrativo como configurado no art. 120.º.
Em caso de contradição entre o parecer do CADA e a decisão do tribunal,
entende-se que deve prevalecer a que beneficia o requerente, por força do caso
julgado.
Exposto isto, importa
ressalvar que o direito à informação existe independentemente de qualquer
procedimento em concreto, uma vez que encontra consagração ao nível
constitucional (art.268.º /1 e 2 da CRP) ou, em situações excepcionais de
recusa de informação, recorre-se ao procedimento mais elaborado, o que
constituí o reforço do direito consagrado no art. 268.º CRP.
A par disto cumpre
reafirmar se se pretende que os cidadãos ganhem uma consciência ambiental, se
se pretende também que se fomentem comportamentos “amigos” do ambiente é
necessário, se não urgente que seja proporcionado um bom nível informativo dos
cidadãos. Ou seja, é necessário tomar as medidas necessárias para garantir que
o público susceptível de ser afectado tome imediatamente conhecimento de forma
mais célere possível das informações na posse das autoridades públicas
relativas a ameaças iminentes para a saúde ou o ambiente.
A administração não
pode estar à espera que os cidadãos e somente eles adoptem comportamentos
amigos do ambiente sem que lhes seja disponibilizada a informação necessária
para que possam exercer de forma correcta os seus direitos. É necessário haver
uma relação de reciprocidade entre a administração e os cidadãos no acesso, na
disponibilização e na utilização da informação ambiental porque se o ambiente é
nosso e cabe a nós preservá-lo, para podermos fazê-lo deverá ser posta à
disposição por parte da administração sem necessidade de recorrer à via
administrativa ou judicial toda a informação imprescindível e adequada para o
pleno exercício dos nossos direitos e deveres em matéria ambiental.
BIBLIOGRAFIA
- CAPUCHA, Alexandre Nuno,
Da intimação para um comportamento e sua articulação com a defesa do
ambiente : contributo para o seu reconhecimento como instrumento privilegiado
para uma tutela ambiental acrescida, in Revista da Faculdade de Direito da
Universidade de Lisboa, vol. 43, nº 1, Coimbra Editora, 2002;
- CONDESSO, Fernando, Direito do ambiente, Coimbra :
Almedina, 2001;
“Direito à Informação
Administrativa”, Lisboa, 1995,
- CORREIA, Sérvulo "O direito à informação e os
direitos de participação dos particulares no procedimento e, em especial, na formação
da decisão administrativa", in Estudos sobre o Código do Procedimento
Administrativo, INA, 1994;
- GOMES, Carla Amado, O direito à informação ambiental :
velho direito, novo regime : breve notícia sobre a Lei 19/2006, de 12 de Junho,
in Revista do Ministério Público, Ano 28, nº 109, 2007;
A caminho de uma eco-cidadania: notas sobre o direito à
informação ambiental, in Revista de Direito Ambiental nº45, ano 12, São Paulo,
Revista dos Tribunais, 2007;
Introdução ao Direito do Ambiente, AAFDL, 2012;
- MIRANDA, João, O acesso à informação administrativa não
procedimental das entidades privadas, in Estudos em homenagem ao Prof. Doutor
José Manuel Sérvulo Correia, II, Lisboa, 2010;
- MIRANDA, Jorge, O direito fundamental à informação no
domínio do ambiente, in O direito do cidadão à informação sobre ambiente,
Seminário Internacional, Instituto Nacional do Ambiente, 1ª edição, 1992
- PEREIRA DA SILVA, Vasco, Verde
Cor de Direito - Lições de Direito do Ambiente, Almedina, 2002.
- SERRANO, Thiago Maranhão Pereira Diniz, O direito à informação e participação no
procedimento de avaliação de impacto ambiental : perspectiva luso-brasileira, Relatório de estágio de mestrado, Ciências
Jurídico-Ambientais (Direito Administrativo do Ambiente), Faculdade de Direito,
Universidade de Lisboa, 2009;
- VIEIRA, Giselle Ferreira, Direito de Acesso à
informação na Gestão Ambiental, in Revista de Direito Ambienta nº 52, ano 13,
São Paulo, Revista dos Tribunais, 2008
[1]
Esta tarefa pressupõe um “saber viver em
colectividade” conforme afirma Thiago
Maranhão Pereira Diniz Serrano, O Direito à Informação no Procedimento
de avaliação de impacto ambiental na perspectiva luso-brasileira, Lisboa 2009,
pág 29 e ss
[2]
Como informação relativa ao Ambiente entende-se por qualquer informação
disponível sob forma escrita, visual, oral ou de base de dados relativa ao
estado das águas, do ar, do solo, da fauna, da flora, dos terrenos e dos
espaços naturais e igualmente às actividades ou medidas que os afectem ou
possam afectar negativamente e às actividades ou medidas destinadas a
protegê-los (incluindo medidas administrativas e programas de gestão
ambiental).
[3] In O
Direito à Informação Ambiental: Velho direito, Novo Regime - breve notícia
sobre a Lei 19/2006, de 12 de Junho in Revista do Ministério Público, Separata de:
Revista do Ministério Público, Ano 28, nº 109 (Jan.-Mar.), 2007, pág 5 e ss
[4] Jorge
Miranda, “O direito fundamental à informação no domínio do ambiente”, in O
direito do cidadão à informação sobre ambiente, Seminário Internacional,
Instituto Nacional do Ambiente, 1992, pág 47 e ss
[5] In O
Direito à Informação Ambiental: Velho direito, Novo Regime - breve notícia
sobre a Lei 19/2006, de 12 de Junho in Revista do Ministério Público, Separata de:
Revista do Ministério Público, Ano 28, nº 109 (Jan.-Mar.), 2007, pág 15 e ss
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