sábado, 18 de maio de 2013

As origens e a evolução da Avaliação de Impacto ambiental a nível internacional e Comunitário- de 1970 a 1998.


Para estudar as origens da Avalição de Impacto Ambiental (AIA) é necessário recuar até aos anos 70 e, mais concretamente aos Estados Unidos da América.
Em boa verdade, podemos afirmar que o Conselho para a Qualidade do Ambiente norte-americano e as suas decisões, tiveram uma grande influência na evolução da AIA (1). Deste modo, a AIA começou por ser vista como uma técnica de direito interno para se afirmar mais tarde como um princípio da acção protectora internacional. Para tal muito contribuiu o «National Environmental ProtectionAct» (NEPA), entrado em vigor em 1 de Janeiro de 1970, mais concretamente o seu artigo 102 (C) (2). Este artigo, apesar de importante, limitou-se a enunciar as hipóteses nas quais deveria ser elaborado um relatório de impacto ambiental, o modo como deveria ser preparado e o que deveria conter. Estabelecia o artigo que deveriam ser objecto de relatório sobre o impacto «os projectos de lei bem como todas as outras acções federais importantes (3) que tenham uma natureza que possa afectar sensivelmente a qualidade do ambiente». Na altura foi apontada a falta de concretização desta norma, não se conseguindo retirar dela grande utilidade. Esta lacuna veio a ser integrada, precisamente, pelo já referido Conselho para a Qualidade do Ambiente (4). A questão passou então a centrar-se sobre a finalidade da AIA e, neste âmbito, ganhou particular relevo a noção de «impacto ambiental» que traduzia a ideia de uma alteração da realidade existente, provocada de forma directa ou indirecta, na sequência de uma intervenção humana (5). Já a definição de AIA esteve, desde o início envolvida por uma discussão doutrinária, que não foi sanada até aos dias de hoje. A discussão centra-se em várias questões mas as principais residem no facto de, desde o início se terem utilizado indeferenciadamente diversas expressões com intuito de exprimir a mesma realidade e a mudança da estratégia comunitária em meados dos anos 80, que se passou a orientar pela gestão do meio ambiente entendido com bem escasso e ameaçado, colocando-se toda a atenção na acção preventiva. A verdade é que acabou por não se revelar de extrema gravidade a inexistência de uma definição unânime, dado que, o consenso existia em relação ao conteúdo essencial de que uma AIA deve ser dotada. Deste modo, importante é reter a ideia de que a AIA substituiu a análise custos-benefícios que raramente entrava em linha de conta com variáveis não económicas, e que a AIA deixou de ser vista como mera técnica jurídica para ser elevada à categoria de princípio da acção preventiva (6). Outra matéria bastante relevante são os limites que eram impostos à AIA. A este nível é importante começar por referir que, durante o período considerado neste trabalho, a nível europeu, era pacífico que uma AIA não deveria incidir sobre outros aspectos que não o impacto ambiental. O facto é que havia quem considerasse os limites à AIA como uma «limitação fundamental», daí retirando um juízo de valor negativo (7), e colocando assim fora do seu âmbito «outros interesses económicos ou sociais» (8). Poderíamos assim retirar duas conclusões, a primeira é a de que a AIA, enquanto procedimento, não deveria ser vista como instrumental de considerações sistematicamente favoráveis às questões ambientais por contraponto com interesses económicos e sociais. A segunda  é a de que a AIA «deve ser feita no contexto de um procedimento global de controlo da realização de um projecto» e, portanto, sem autonomia em relação àquele procedimento e, muito menos, paralelo a ela. Outro conceito que tem bastante relevância nesta matéria, e que tem sido muitas vezes confundido com o de AIA (9), é o de Estudo de Impacto Ambiental, não obstante, urge dintingui-los. Assim, na doutrina de Colaço Antunes, enquanto AIA «faz referência a um poder discricionário que tem a soberana função de identificar e avaliar os impactos que a execução de uma determinada obra causa no ambiente», o EIA «é a peça documental essencial da avaliação ambiental, mais precisamente um documento técnico que o dono da obra deve apresentar no início do procedimento de avaliação de impacto ambiental», o que significa que o EIA é, a par de outros, uma peça, ainda que nuclear, de um processo mais vasto que, no seu conjunto, vem a ser a AIA.

Campo de aplicação, na CEE e em Portugal, entre 1985 e 1999


A AIA era vista como corolário da conjugação dos princípios da precaução e da integração, sendo assim, na actual UE, a matéria era regida pela directiva 85/337/CEE, do Conselho, de 27 de Junho, com as alterações introduzidas pela directiva 97/11/CE, do Conselho, de 3 de Março. Em Portugal, a matéria regia-se pelo DL nº186/90 de 6 de Junho, com as alterações introduzidas pelo DL mº278/97, de 8 de Outubro e pelo Decreto-regulamentar nº38/90 com as alterações introduzidas pelo Decreto-regulamentar nº42/97, de 10 de Outubro. A matéria em causa era ainda regida, subsidiariamente pela directiva 96/61/CE, do Conselho, de 24 de Setembro relativa à prevenção e controlo integrado da poluição.
Todo este complexo normativo e institucional fazia com que a AIA passasse ser vista como princípio da acção protectora ambiental, tanto a nível do Direito internacional, como do Direito Europeu do Ambiente e ainda no plano nacional. Trata-se de um princípio que toca múltiplos aspectos da acção protectora, assim, da tutela e planificação ambiental até à gestão integrada das áreas costeiras e do mar, passando pela planificação do território, pela defesa do solo e pela transformação urbanística. Focando-nos no nosso país, a matéria foi primeiramente tratada pelo DL nº186/90, de 6 de Junho, que transpôs para a ordem jurídica portuguesa a directiva 85/337/CEE, do Conselho, de 27 de Junho. A ideia chave do diploma era a de que «a melhor política de ambiente é, sem dúvida, o contributo para a criação de condições que permitam evitar as perturbações do ambiente, em vez de se limitar a combater posteriormente os seus efeitos». Podemos observar que se tinha uma visão alargada do objecto da AIA, uma vez que «o impacto ambiental deve sempre ser avaliado no sentido não só de garantir a diversidade das espécies e conservar as características dos ecossistemas enquanto patrimónios naturais insubstituíveis, mas também como forma de protecção da saúde humana e da promoção da qualidade de vida das comunidades» (10). Temos assim que os efeitos atendidos deveriam ter como base factores como o Homem, a fauna e a flora, o solo, a água, o ar, o clima e a paisagem, o bens materiais e o património cultural, bem como a interacção entre todos estes factores. Também a esta directiva foi apontado o problema de falta de concretização, que veio a ser resolvido pelo DL 287/97. Passou então a encarar-se a AIA como corolário da conjugação dos princípios da precaução e da integração, extraindo-se assim uma consequência coerente da acção de protecção ambiental no âmbito da UE, elevando-se as matérias ambientais a objectivo prioritário. É então chegada a altura de analisar mais atentamente, ainda que sem pretensão de exaustividade, os diplomas mais relevantes.



A directiva 85/337/CEE


Representa o terceiro instrumento comunitário em matéria de avaliação de impacto (11) e reporta-se aos “efeitos de determinados projectos públicos e privados no ambiente”. Partiu-se do pressuposto de que uma avaliação prévia traria muito mais vantagens, estabelecendo-se como objectivos centrais a protecção da saúde humana, um melhoramento da qualidade de vida de forma a garantir “a manutenção da diversidade das espécies e a conservação da capacidade de reprodução do ecossistema enquanto recurso fundamental da vida”. Ponto importante a salientar é o facto de os objectivos alcançados terem ficado longe do pretendido pela Comissão, muito devido às “resistências” impostas pelo Reino Unido, que era contra uma lista de projectos que tivessem, coercivamente, de ser sujeitos a avaliação. Ficaram, então, previstos apenas três instrumentos de compromisso: uma lista dupla de projectos sujeitos a avaliação (art. 4º/1 e 2 e Anexos I e II); uma cláusula de isenção (art. 2º/3) e, finalmente, uma “cláusula exaustiva” (art. 4º/11). Exercício interessante é fazer a comparação da versão proposta e da versão definitiva, verificando-se a fragilidade da segunda. As principais diferenças residem, por exemplo, no procedimento que a versão proposta apresentava, que era classificatório sistemático no âmbito do qual se elencavam “trinta e cinco categorias de actividades repartidas por nove classes”. Na versão definitiva apenas se acolheram nove categorias… Outra diferença é a passagem de vários projectos que inicialmente estariam destinados a avaliação obrigatória nos termos do direito comunitário, para uma avaliação segundo as regras de cada país.

A directiva 97/11/CE


O objectivo desta directiva era marcar uma ruptura parcial com a directiva 87/337/CEE, visando uma maior vinculação aos ditames comunitários, que vinham sendo prejudicados por uma difícil aplicação da dita directiva. Procurou-se então “precisar determinadas disposições da directiva para tirar maior vantagem do processo de avaliação”. A consequência prática seria então uma alteração da lista de actividades incluídas no Anexo I e uma precisão do conteúdo do princípio da subsidariedade (12) Também o Anexo II foi alvo de considerações, estabelecendo-se que em relação aos projectos nele incluídos seriam os Estados membros que, através de uma análise caso a caso ou mediante limiares ou critérios por eles definidos, determinariam quais os que deveriam ser objecto de avaliação, devendo ter em conta os critérios definidos pela nova directiva., deixando de ser visto como uma espécie de depósito que acolhia as actividades ou projectos que não tivessem sido incluídas no Anexo I. Refere ainda esta directiva que os princípios da precaução e da acção preventiva, da correcção dos danos causados ao ambiente e do poluidor-pagador deveriam anteceder chamado dispositivo.. No fundo, procurava-se uma abordagem integrada do combate à poluição que favorecesse a aplicação do princípio do desenvolvimento sustentável. Outra alteração importante dizia respeito ao acesso à informação do público em geral. Cabe então dar nota das consequências “sentidas” nos Anexos I e II fruto das alterações ao corpo da directiva. Assim, deu-se no Anexo I uma alteração profunda, não sendo esta apenas visível no aumento dos projectos abrangidos mas também a nível qualitativo pela absorção de alguns projectos que estavam previstos no Anexo II. Houve então uma notória tentativa de precisar com rigor os projectos a que se reportava.

A directiva 96/61/CE


A matéria relativa a esta directiva foi a prevenção e controlo integrados da poluição. O seu objecto e campo de aplicação estão explicitados no art.1º, sendo também importante referir as definições que veio fornecer este diploma, nomeadamente as de “poluição”, “emissão” e de “operador”, definindo ainda quanto a este último ponto os princípios gerais das suas obrigações fundamentais, no art.3º. Foi alvo de duras críticas o facto de apenas se debruçar sobre projectos públicos e excluir da previsão das suas disposições a avaliação dos efeitos que no ambiente determinados planos e programas provocaram.


(1)- existe quem considere que constitui mesmo a matriz das directivas comunitárias. 
(2)- é considerado uma espécie de «Bill of Rights» em matérias ambientais.
(3)- «othar major Federal acts».
(4)- nesta intervenção o Conselho procedeu a uma explicitação dos tipos de acção sujeitos a avaliaçao quanto ao impacto e ainda a uma precisão do conceito de «acção», considerando que englobava toda e qualquer actividade regulamentar dos serviços federais.
(5)- CHAMBAULT, Jean François: «a incidência sobre o ambiente de uma obra é aquela que resulta dos efeitos por esta provocados nos diversos meios ou factores: água, solo, flora, fauna, meio ambiente, clima e paisagem»; «Les études d’impact et la Communauté Européene», in RJE, 4, 1985, p. 404.
(6)- ou seja, analisar, antes da execução de um projecto, se ele agride ou não o meio ambiente. O objectivo é, então, o de cumprir, dar corpo e concretizar o Princípio da Precaução.
(7)- COLAÇO ANTUNES, Luís Filipe.
(8)- CHAMBAULT, Jean François.
(9)- sobretudo pela doutrina francesa.
(10)- Cf. Preâmbulo do DL nº 186/90.
(11)- os dois primeiros, onde está incluida a directiva “Seveso”, referiam-se a produtos e substâncias e a indústrias susceptíveis provocarem danos ambientais graves.
(12)- “o fixarem esses limites ou critérios ou ao preciarem projectos caso a caso com vista a determinar que projectos deverão ser sujeitos a avaliação com base nos seus impactos significativos sobre o ambiente, os Estados membros deverão ter em conta os critérios de selecção pertinentes previstos na presente directiva”.


Bibliografia:

ARAGÃO, Maria Alexandra, O âmbito de aplicação do procedimento de Avaliação de Impacto Ambiental, in revista CEDOUA, nº1, 1998;

COLAÇO ANTUNES, Luís Filipe, O procedimento administrativo de avaliação de impacto ambiental, Coimbra, 1998;

DE MELO ROCHA, Mário, A Avaliação de Impacto Ambiental como princípio do Direito do Ambiente nos quadros internacional e europeu, Publicações Universidade Católica- Porto.

Trabalho realizado por:

Sebastião Marques

Nº18409

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