Para estudar as origens da Avalição de Impacto
Ambiental (AIA) é necessário recuar até aos anos 70 e, mais concretamente aos
Estados Unidos da América.
Em boa verdade, podemos afirmar que o Conselho
para a Qualidade do Ambiente norte-americano e as suas decisões, tiveram uma
grande influência na evolução da AIA (1). Deste modo, a AIA começou por ser
vista como uma técnica de direito interno para se afirmar mais tarde como um
princípio da acção protectora internacional. Para tal muito contribuiu o
«National Environmental ProtectionAct» (NEPA), entrado em vigor em 1 de Janeiro
de 1970, mais concretamente o seu artigo 102 (C) (2). Este artigo, apesar de
importante, limitou-se a enunciar as hipóteses nas quais deveria ser elaborado
um relatório de impacto ambiental, o modo como deveria ser preparado e o que
deveria conter. Estabelecia o artigo que deveriam ser objecto de relatório
sobre o impacto «os projectos de lei bem como todas as outras acções federais
importantes (3) que tenham uma natureza que possa afectar sensivelmente a
qualidade do ambiente». Na altura foi apontada a falta de concretização desta
norma, não se conseguindo retirar dela grande utilidade. Esta lacuna veio a ser
integrada, precisamente, pelo já referido Conselho para a Qualidade do Ambiente
(4). A questão passou então a centrar-se sobre a finalidade da AIA e, neste
âmbito, ganhou particular relevo a noção de «impacto ambiental» que traduzia a
ideia de uma alteração da realidade existente, provocada de forma directa ou
indirecta, na sequência de uma intervenção humana (5). Já a definição de AIA
esteve, desde o início envolvida por uma discussão doutrinária, que não foi
sanada até aos dias de hoje. A discussão centra-se em várias questões mas as
principais residem no facto de, desde o início se terem utilizado
indeferenciadamente diversas expressões com intuito de exprimir a mesma
realidade e a mudança da estratégia comunitária em meados dos anos 80, que se
passou a orientar pela gestão do meio ambiente entendido com bem escasso e
ameaçado, colocando-se toda a atenção na acção preventiva. A verdade é que
acabou por não se revelar de extrema gravidade a inexistência de uma definição
unânime, dado que, o consenso existia em relação ao conteúdo essencial de que
uma AIA deve ser dotada. Deste modo, importante é reter a ideia de que a AIA
substituiu a análise custos-benefícios que raramente entrava em linha de conta
com variáveis não económicas, e que a AIA deixou de ser vista como mera técnica
jurídica para ser elevada à categoria de princípio da acção preventiva (6).
Outra matéria bastante relevante são os limites que eram impostos à AIA. A este
nível é importante começar por referir que, durante o período considerado neste
trabalho, a nível europeu, era pacífico que uma AIA não deveria incidir sobre
outros aspectos que não o impacto ambiental. O facto é que havia quem
considerasse os limites à AIA como uma «limitação fundamental», daí retirando
um juízo de valor negativo (7), e colocando assim fora do seu âmbito «outros
interesses económicos ou sociais» (8). Poderíamos assim retirar duas
conclusões, a primeira é a de que a AIA, enquanto procedimento, não deveria ser
vista como instrumental de considerações sistematicamente favoráveis às
questões ambientais por contraponto com interesses económicos e sociais. A
segunda é a de que a AIA «deve ser
feita no contexto de um procedimento global de controlo da realização de um
projecto» e, portanto, sem autonomia em relação àquele procedimento e, muito
menos, paralelo a ela. Outro conceito que tem bastante relevância nesta
matéria, e que tem sido muitas vezes confundido com o de AIA (9), é o de Estudo
de Impacto Ambiental, não obstante, urge dintingui-los. Assim, na doutrina de
Colaço Antunes, enquanto AIA «faz referência a um poder discricionário que tem
a soberana função de identificar e avaliar os impactos que a execução de uma
determinada obra causa no ambiente», o EIA «é a peça documental essencial da
avaliação ambiental, mais precisamente um documento técnico que o dono da obra
deve apresentar no início do procedimento de avaliação de impacto ambiental», o
que significa que o EIA é, a par de outros, uma peça, ainda que nuclear, de um
processo mais vasto que, no seu conjunto, vem a ser a AIA.
Campo de aplicação, na CEE e em Portugal, entre 1985 e 1999
A AIA era vista como corolário da conjugação
dos princípios da precaução e da integração, sendo assim, na actual UE, a
matéria era regida pela directiva 85/337/CEE, do Conselho, de 27 de Junho, com
as alterações introduzidas pela directiva 97/11/CE, do Conselho, de 3 de Março.
Em Portugal, a matéria regia-se pelo DL nº186/90 de 6 de Junho, com as
alterações introduzidas pelo DL mº278/97, de 8 de Outubro e pelo
Decreto-regulamentar nº38/90 com as alterações introduzidas pelo
Decreto-regulamentar nº42/97, de 10 de Outubro. A matéria em causa era ainda
regida, subsidiariamente pela directiva 96/61/CE, do Conselho, de 24 de
Setembro relativa à prevenção e controlo integrado da poluição.
Todo este complexo normativo e institucional
fazia com que a AIA passasse ser vista como princípio da acção protectora
ambiental, tanto a nível do Direito internacional, como do Direito Europeu do
Ambiente e ainda no plano nacional. Trata-se de um princípio que toca múltiplos
aspectos da acção protectora, assim, da tutela e planificação ambiental até à
gestão integrada das áreas costeiras e do mar, passando pela planificação do
território, pela defesa do solo e pela transformação urbanística. Focando-nos
no nosso país, a matéria foi primeiramente tratada pelo DL nº186/90, de 6 de
Junho, que transpôs para a ordem jurídica portuguesa a directiva 85/337/CEE, do
Conselho, de 27 de Junho. A ideia chave do diploma era a de que «a melhor
política de ambiente é, sem dúvida, o contributo para a criação de condições
que permitam evitar as perturbações do ambiente, em vez de se limitar a
combater posteriormente os seus efeitos». Podemos observar que se tinha uma
visão alargada do objecto da AIA, uma vez que «o impacto ambiental deve sempre
ser avaliado no sentido não só de garantir a diversidade das espécies e
conservar as características dos ecossistemas enquanto patrimónios naturais
insubstituíveis, mas também como forma de protecção da saúde humana e da
promoção da qualidade de vida das comunidades» (10). Temos assim que os efeitos
atendidos deveriam ter como base factores como o Homem, a fauna e a flora, o
solo, a água, o ar, o clima e a paisagem, o bens materiais e o património
cultural, bem como a interacção entre todos estes factores. Também a esta
directiva foi apontado o problema de falta de concretização, que veio a ser
resolvido pelo DL 287/97. Passou então a encarar-se a AIA como corolário da
conjugação dos princípios da precaução e da integração, extraindo-se assim uma
consequência coerente da acção de protecção ambiental no âmbito da UE,
elevando-se as matérias ambientais a objectivo prioritário. É então chegada a
altura de analisar mais atentamente, ainda que sem pretensão de exaustividade,
os diplomas mais relevantes.
A directiva 85/337/CEE
Representa o terceiro instrumento comunitário
em matéria de avaliação de impacto (11) e reporta-se aos “efeitos de
determinados projectos públicos e privados no ambiente”. Partiu-se do pressuposto
de que uma avaliação prévia traria muito mais vantagens, estabelecendo-se como
objectivos centrais a protecção da saúde humana, um melhoramento da qualidade
de vida de forma a garantir “a manutenção da diversidade das espécies e a
conservação da capacidade de reprodução do ecossistema enquanto recurso
fundamental da vida”. Ponto importante a salientar é o facto de os objectivos
alcançados terem ficado longe do pretendido pela Comissão, muito devido às
“resistências” impostas pelo Reino Unido, que era contra uma lista de projectos
que tivessem, coercivamente, de ser sujeitos a avaliação. Ficaram, então,
previstos apenas três instrumentos de compromisso: uma lista dupla de projectos
sujeitos a avaliação (art. 4º/1 e 2 e Anexos I e II); uma cláusula de isenção
(art. 2º/3) e, finalmente, uma “cláusula exaustiva” (art. 4º/11). Exercício
interessante é fazer a comparação da versão proposta e da versão definitiva,
verificando-se a fragilidade da segunda. As principais diferenças residem, por
exemplo, no procedimento que a versão proposta apresentava, que era
classificatório sistemático no âmbito do qual se elencavam “trinta e cinco
categorias de actividades repartidas por nove classes”. Na versão definitiva
apenas se acolheram nove categorias… Outra diferença é a passagem de vários
projectos que inicialmente estariam destinados a avaliação obrigatória nos
termos do direito comunitário, para uma avaliação segundo as regras de cada
país.
A directiva 97/11/CE
O objectivo desta directiva era marcar uma
ruptura parcial com a directiva 87/337/CEE, visando uma maior vinculação aos
ditames comunitários, que vinham sendo prejudicados por uma difícil aplicação
da dita directiva. Procurou-se então “precisar determinadas disposições da
directiva para tirar maior vantagem do processo de avaliação”. A consequência
prática seria então uma alteração da lista de actividades incluídas no Anexo I
e uma precisão do conteúdo do princípio da subsidariedade (12) Também o Anexo
II foi alvo de considerações, estabelecendo-se que em relação aos projectos
nele incluídos seriam os Estados membros que, através de uma análise caso a
caso ou mediante limiares ou critérios por eles definidos, determinariam quais
os que deveriam ser objecto de avaliação, devendo ter em conta os critérios definidos
pela nova directiva., deixando de ser visto como uma espécie de depósito que
acolhia as actividades ou projectos que não tivessem sido incluídas no Anexo I.
Refere ainda esta directiva que os princípios da precaução e da acção
preventiva, da correcção dos danos causados ao ambiente e do poluidor-pagador
deveriam anteceder chamado dispositivo.. No fundo, procurava-se uma abordagem
integrada do combate à poluição que favorecesse a aplicação do princípio do
desenvolvimento sustentável. Outra alteração importante dizia respeito ao
acesso à informação do público em geral. Cabe então dar nota das consequências
“sentidas” nos Anexos I e II fruto das alterações ao corpo da directiva. Assim,
deu-se no Anexo I uma alteração profunda, não sendo esta apenas visível no
aumento dos projectos abrangidos mas também a nível qualitativo pela absorção
de alguns projectos que estavam previstos no Anexo II. Houve então uma notória
tentativa de precisar com rigor os projectos a que se reportava.
A directiva 96/61/CE
A matéria relativa a esta directiva foi a
prevenção e controlo integrados da poluição. O seu objecto e campo de aplicação
estão explicitados no art.1º, sendo também importante referir as definições que
veio fornecer este diploma, nomeadamente as de “poluição”, “emissão” e de
“operador”, definindo ainda quanto a este último ponto os princípios gerais das
suas obrigações fundamentais, no art.3º. Foi alvo de duras críticas o facto de
apenas se debruçar sobre projectos públicos e excluir da previsão das suas
disposições a avaliação dos efeitos que no ambiente determinados planos e
programas provocaram.
(1)- existe quem considere que constitui mesmo
a matriz das directivas comunitárias.
(2)- é considerado uma espécie de «Bill of
Rights» em matérias ambientais.
(3)- «othar major Federal acts».
(4)- nesta intervenção o Conselho procedeu a
uma explicitação dos tipos de acção sujeitos a avaliaçao quanto ao impacto e
ainda a uma precisão do conceito de «acção», considerando que englobava toda e
qualquer actividade regulamentar dos serviços federais.
(5)- CHAMBAULT, Jean François: «a incidência
sobre o ambiente de uma obra é aquela que resulta dos efeitos por esta
provocados nos diversos meios ou factores: água, solo, flora, fauna, meio
ambiente, clima e paisagem»; «Les études d’impact et la Communauté Européene», in
RJE, 4, 1985, p. 404.
(6)- ou seja, analisar, antes da execução de
um projecto, se ele agride ou não o meio ambiente. O objectivo é, então, o de
cumprir, dar corpo e concretizar o Princípio da Precaução.
(7)- COLAÇO ANTUNES, Luís Filipe.
(8)- CHAMBAULT, Jean François.
(9)- sobretudo pela doutrina francesa.
(10)- Cf. Preâmbulo do DL nº 186/90.
(11)- os dois primeiros, onde está incluida a
directiva “Seveso”, referiam-se a produtos e substâncias e a indústrias susceptíveis
provocarem danos ambientais graves.
(12)- “o fixarem esses limites ou critérios ou
ao preciarem projectos caso a caso com vista a determinar que projectos deverão
ser sujeitos a avaliação com base nos seus impactos significativos sobre o
ambiente, os Estados membros deverão ter em conta os critérios de selecção
pertinentes previstos na presente directiva”.
Bibliografia:
ARAGÃO, Maria Alexandra, O âmbito de
aplicação do procedimento de Avaliação de Impacto Ambiental, in revista CEDOUA, nº1, 1998;
COLAÇO ANTUNES, Luís Filipe, O procedimento
administrativo de avaliação de impacto ambiental,
Coimbra, 1998;
DE MELO ROCHA, Mário, A Avaliação de
Impacto Ambiental como princípio do Direito do Ambiente nos quadros
internacional e europeu, Publicações Universidade
Católica- Porto.
Trabalho realizado por:
Sebastião Marques
Nº18409
Sem comentários:
Enviar um comentário
Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.