Proc. n.º 33/2013
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Acção administrativa comum
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Data: 22-05-2013
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Autores:
Sociedade Lislixo, S.A.
Associação
Ambientalista Verdetotal
Réu: Município
de Lisboa
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Relatores: Cátia
Alexandra Gonçalves Carlos
Maria
Francisca Gomes
Sara
Arrábida Marques
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Assunto: Notificação para sentença
Fica
V. Ex.ª notificado relativamente ao processo supra indicado da sentença que se
junta.
Lisboa,
22 de Maio de 2013
O Oficial de Justiça
Maria Freire Santos Fernandes
Maria Freire Santos Fernandes
ACTA
DE AUDIÊNCIA:
No dia 14 de Maio de 2013, pelas 16h00, estiveram
presentes no Tribunal Administrativo de Circulo de Lisboa, os autores LisLixo,
S.A. e Associação Ambientalista Verdetotal, representada por Rosalinda Moita,
Papoila Relvas e Florbela Indica, e testemunhas por si arroladas, Gertrudes
Nunes, Florbela Espancada, Bento Limpo, Gervásio Apanha Lixo.
Estiveram presentes em representação do réu, Município
de Lisboa, os mandatários David Rodrigues, João Folgado, João Fernandes, João
Tilly, José Coimbra e Raquel Esteves, advogados na sociedade JÁ GANHÁMOS, com
escritório na Avenida de Berna, nº 13 2º-D, e testemunhas por si arroladas, Maria
do Carmo Santos Rodrigues, Gertrudes Maria Sabichona, Mário Ecopontão e Maria
Limpinha do Algodão Branco.
SENTENÇA:
I- RELATÓRIO
Sociedade LisLixo, SA, com sede na
Rua da Limpeza, nº 99 A//C, Lisboa, pessoa colectiva nº 51930450, matriculada
na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa,
Associação Ambientalista Verdetotal,
com sede na Rua do Verdete, n.º 77, Lisboa, pessoa colectiva n.º 8765434,
intentaram contra
Município de Lisboa, com sede na
Praça do Município, 1100-365 Lisboa.
uma ação administrativa comum ao pagamento de uma
indemnização por danos emergentes e lucros cessantes no valor de 4.000.000€
(quatro milhões de euros) bem como, a condenação à instalação de ecopontos
subterrâneos e a um aumento da vigilância da zona envolvente aos ecopontos.
Os demandados deduziram contestação dentro do
prazo legal, pedindo que fosse confirmada a absolvição do réu da instância, bem
como a improcedência da ação e, a condenação dos autores nas custas do
processo.
II – FUNDAMENTOS DE FACTO
1.º
Foi celebrado um
contrato de concessão de serviço público entre a Sociedade Lislixo, S.A. e o
Município de Lisboa, no dia 1 de Janeiro de 2012, tendo como objecto a recolha,
recepção, armazenamento, triagem e tratamento de resíduos sólidos urbanos e
posterior venda dos mesmos no Concelho de Lisboa. O contrato tinha início no
dia 6 de Junho de 2012 e cessava a 31 de Dezembro de 2013. Acordou-se que
seriam pagos, pelo Réu, 5.000 € por cada tonelada de resíduos sólidos urbanos.
2.º
Do presente contrato
consta uma cláusula de exclusividade, na qual se estabelece que o R. se obriga
a não celebrar outros contratos de concessão de serviço público nos mesmos
termos que os do presente contrato.
3.º
Do contrato em causa
resultava que a instalação dos ecopontos do tipo “superfície” seria da
responsabilidade da A., devendo proceder à recolha dos resíduos neles
depositados diariamente entre as 9h e as 12h e entre as 21h e as 24h, dos dias
úteis.
4.º
A A. celebrou contratos
de fornecimento com as empresas Depósito da Marinha Grande e Tetrapak, S.A., no
qual se obrigava a primeira a fornecer num limite máximo de 200 toneladas por
mês de matéria reciclada proveniente do tratamento de resíduos sólidos, por um
valor de 1.000.000 €.
5.º
Desde Dezembro de 2012,
têm-se verificado vários furtos na área de Lisboa, sendo que as zonas mais
afectadas pelos mesmos são Lumiar, Telheiras e Benfica.
6.º
O R., através de uma
resolução da Assembleia Municipal de Lisboa (Proposta n.º 596/2012 e Proposta
597/2012), criou um departamento orgânico na Polícia Municipal de combate aos
furtos de resíduos sólidos urbanos, bem como o aumento das unidades de
policiamento e fiscalização, nas zonas mais afectadas.
7.º
A A., no dia 6 de
Janeiro de 2013, enviou requerimento ao R. no qual pedia que tomasse medidas de
combate ao problema supra referido. O R., em resposta ao requerimento
apresentado, relembra que já tomou as medidas identificadas no articulado
anterior.
III – FUNDAMENTAÇÃO DE
DIREITO
i)
Da
validade do contrato
Quanto ao problema da
validade do contrato, foram apresentados por ambas as partes dois contratos,
que embora semelhantes, diferem por um deles conter, no artigo 10.º, uma cláusula
de atribuição do risco ao R., por perdas e furtos nos ecopontos.
Cumpre analisar se esta
cláusula seria conforme ao regime legal estabelecido no Código dos Contratos
Públicos (doravante, CCP). De facto, no artigo 413.º deste diploma,
estabelece-se um princípio de partilha dos riscos, devendo o concessionário
assumir os riscos inerentes ao benefício que retira com a concessão do serviço
público.
O contrato de concessão
de serviços públicos, tal como definido no n.º 2, do artigo 407.º, do CCP,
consiste num contrato pela qual “o
co-contratante se obriga a gerir, em nome próprio e sob sua responsabilidade,
uma actividade de serviço público, durante determinado período, sendo
remunerado pelos resultados financeiros dessa gestão ou, directamente, pelo contraente
público” (Cfr. Fernanda Maçãs,
A concessão de serviço público e o Código
dos Contratos Públicos, p. 409). Portanto, o objecto do contrato em causa consiste numa actividade de prestação,
para satisfação das necessidades colectivas individualmente consideradas
(Cfr. Fernanda Maçãs, A concessão de serviço público e o Código
dos Contratos Públicos, p. 409).
Uma das características
gerais dos contratos de concessão de serviços públicos é a partilha do risco
que, nos termos do artigo 413.º, do CCP, deve consistir numa significativa e
efectiva transferência do risco para o concessionário. Daqui se retira que, em
termos gerais, a Administração não pode assumir todos os riscos ou grande parte
deles quanto ao contratado.
No entanto, existem
regras específicas de partilha dos riscos nos contratos de concessão de gestão
de resíduos urbanos (modalidade de serviço público dos contratos de concessão),
no Decreto-Lei 194/2009, de 20 de Agosto (doravante, DL 194/2009). Nos termos
do artigo 1.º do DL 194/2009, estas regras deverão aplicar-se a situações em
que esteja em causa, especificamente, a gestão de resíduos urbanos. Ora, urge,
em primeira linha, analisar o que deve ser entendido como resíduos urbanos. Para tal, deveremos invocar aqui o Decreto-Lei
178/2006, de 5 de Setembro, republicado pelo Decreto-Lei n.º 73/2011, de 17 de
Junho, que, por sua vez, transpõe a Directiva n.º 2008/96/CE, do Parlamento
Europeu e do Conselho, de 19 de Novembro, que qualifica, no seu artigo 3.º, alínea ee, como resíduos quaisquer substâncias ou objectos que o
detentor se desfaz ou tem a intenção ou a obrigação de se desfazer.
À luz do artigo 35.º,
n.º 2, do DL 194/2009, deverão manter-se na esfera do concedente os atrasos na
disponibilização de bens do domínio municipal ou de eventuais investimentos (alínea a), a modificação unilateral de
obrigações previstas no contrato de concessão, excepto modificações impostas ao
plano de investimentos (alínea b),
casos de força maior cujos efeitos se produzam independentemente da vontade do
concessionário, tais como desastres naturais, epidemias, conflitos armados e
actos de terrorismo, e cuja cobertura por seguros contratados pelo
concessionário não esteja prevista no contrato de concessão (alínea c), atrasos nos processos de
licenciamento municipal, na obtenção de autorizações ambientais e na realização
de expropriações e servidões por motivo não imputável ao concessionário (alínea d), custos relativos aos
processos de expropriação e constituição de servidões que excedam o valor definido
no contrato de concessão (alínea e),
custos provocados por atrasos na conclusão de eventuais obras que terceiros
tenham assumido perante o concedente e cujos prazos de conclusão constituam um
pressuposto do contrato de concessão (alínea
f) e atrasos na entrega de subsistemas geridos por juntas de freguesia ou
associações de utilizadores, caso tal esteja previsto no contrato de concessão
(alínea g).
Por outro lado, o
concessionário deverá assumir os restantes riscos, excepto se o contrato
ressalvar alguns deles (artigo 35.º, n.º 1, do DL 194/2009). Sucede que os
riscos que fiquem na esfera do concedente, ou seja, não sigam o regime geral de
que todos os restantes riscos devem ser transferidos para o concessionário, têm
de obedecer a certos limites.
Em primeiro lugar, não
podemos ignorar que os contratos de concessão têm como finalidade uma
transmissão da responsabilidade para um ente privado. Nos termos do artigo
416.º, segunda parte, do CCP, as prestações económico-financeiras que ficam a
cargo do concessionário não podem pôr em causa a viabilidade também ela
económico-financeira da concessão em si mesma. Quer isto dizer que o
concessionário não pode ficar de tal maneira desonerado de responsabilidades,
ao ponto de se esvaziar a finalidade da concessão.
Em segundo lugar, a
contratação de uma concessão pressupõem, como já foi dito supra, uma efectiva e significativa transferência do risco da
concessão para o concessionário, tal como referido no artigo 416.º, in fine, e no artigo 413.º, ambos do
CCP, e do artigo 35.º, n.º 1, do DL 194/2009. Da mesma forma, a violação deste
princípio levaria também ao desvirtuamento do contrato de concessão.
A cláusula 10.ª do
contrato de concessão apresentado pelas AA. prevê que o concedente assuma o
risco por perdas e furtos que ocorram nos ecopontos. Conforme o acima exposto, uma
cláusula num contrato público de concessão como esta levaria a que a
Administração se onerasse de tal maneira que o propósito da celebração do
contrato nem estaria justificado. Não se compreende como poderia a
Administração celebrar, ab initio, um
contrato nestes termos. Com isto, apenas se pode considerar válido o contrato
apresentado pelo R., na medida em que apenas este contrato seria de configurar
como contrato celebrável pela Administração.
Em suma, não seria
aceitável que a Administração celebrasse um contrato no qual, para além da
retribuição e dos riscos que obrigatoriamente lhe são devidos, ainda assumisse
o maior de todos eles: os furtos dos resíduos sólidos. Repare-se que o
concessionário ficaria de tal maneira desonerado de responsabilidade pelos
riscos, ao ponto de, em termos gerais, só ser configurável que permanecesse na
sua esfera apenas o risco de não existir resíduos de todo!
Nestes termos, não
poderão os AA. pretender ser ressarcidos por um risco que, afinal, corre na sua
esfera.
ii)
Do
cumprimento contratual
a.
Da
responsabilidade pela manutenção do espaço circundante
Do fundamento invocado pelas AA.
relativamente à obrigação a cargo do R. de manutenção da área envolvente aos
ecopontos transitável e em condições sanitárias adequadas, cumpre referir que
esta obrigação é, antes de mais, uma obrigação que decorre da própria lei. Isto
porque, nos termos do artigo 26.º, n.º 1, alínea
c, da Lei 159/99, de 14 de Setembro, que estabelece o quadro de
transferência de atribuições e competências para as autarquias locais, é da competência dos órgãos municipais o
planeamento, a gestão de equipamentos e a realização de investimentos (…) relativos
aos sistemas municipais de limpeza
pública e de recolha e tratamento de resíduos sólidos urbanos.
Portanto, decorre para o R. uma
obrigação quer legal, quer contratual, em virtude da cláusula 4.ª do contrato
de concessão apresentado pelo R., de manutenção do espaço circundante aos
ecopontos em condições sadias. Cumpre agora analisar se o R. violou, de facto,
a obrigação contratualmente estabelecida, levando a um efectivo incumprimento
do contrato e, portanto, a uma obrigação de indemnizar as AA.
A responsabilidade objectiva de um
contrato público regula-se nos termos do regime do Código Civil, por remissão
do artigo 280.º, n.º 3, do CCP. Assim, são pressupostos da responsabilidade
contratual o facto, a ilicitude, o dano e o nexo de causalidade. Quanto ao
primeiro pressuposto, verificou-se que, de facto, o nível de poluição existente
à volta dos ecopontos era elevado. Provada que está a existência desta
situação, redunda a mesma na ilicitude da omissão de actuação por parte do R. Também
ficou provado que a A. teve prejuízos económicos, ou seja, não há dúvidas de
que esta se encontra em sérias dificuldades financeiras, dada a impossibilidade
de cumprimento dos contratos de fornecimento com as outras entidades. Prova que
ficou por fazer foi a da existência de um nexo de causalidade entre os factos
acima descritos e o dano sofrido pela A. Note-se que a A. não conseguiu
demonstrar suficientemente que o facto de a área envolvente se encontrar
degradada é causa directa da sua dificuldade financeira e de manutenção dos
contratos de fornecimento.
Assim, não se dá como provada a
existência de um incumprimento contratual por parte do R. que justifique a
obrigação de pagamento de uma indemnização por danos emergentes e lucros
cessantes, tal como vem pedir a A.
b)
Da
instalação de ecopontos subterrâneos
Consta da cláusula 6.ª do contrato de
concessão apresentado pelo R. que a instalação dos ecopontos é da
responsabilidade da A., assim como os ecopontos deverão ser do tipo de
“superfície”.
Incompreensível é o pedido formulado
pela A., porquanto vem exigir ao R. a instalação de ecopontos, quando essa não
é uma obrigação contratual a cargo deste, mas sim da própria A., assim como o
tipo de ecopontos acordados não tem correspondência com o tipo de ecopontos que
consubstancia o pedido formulado.
Assim, não tem qualquer fundamento tal
pedido, dado que não se baseia numa obrigação contratual. Mais, ainda que as
AA. pretendessem formular este pedido com base numa alteração das
circunstâncias (artigo 312.º, alínea a,
do CCP), esta não foi alegada nem provada, pelo que ao presente Tribunal não
compete analisar e decidir tal questão.
c)
Do
aumento da vigilância
Vêm pedir as AA., juntamente com o
pedido acima elencado, o aumento da vigilância nas zonas em volta dos
ecopontos. Ora, deu-se como provada a existência de um aumento do policiamento
nas zonas mais afectadas pelos furtos e, portanto, considera-se que as medidas
adoptadas pelo R. foram suficientemente diligentes para tentar terminar com
aquela situação. Não se pode exigir mais do que um grau de diligência médio e,
uma vez cumprida essa exigência, não se pode imputar ao R. a não eficácia das
medidas.
III – DECISÃO
Nos termos e pelos fundamentos expostos,
decide este tribunal julgar improcedente o pedido de condenação ao pagamento de
uma indemnização por danos emergentes e lucros cessantes, no valor de 4.000.000
€. Considera, ainda, que não procede o pedido de instalação de ecopontos
subterrâneos, bem como um aumento de vigilância da zona envolvente aos
ecopontos.
Assim, considere-se o R. absolvido do
pedido.
IV – CUSTAS E MULTA
Condena-se as AA. ao pagamento das
custas, nos termos da lei de processo.
Condena-se o R. ao pagamento de multa,
em virtude da aplicação do disposto no artigo 523.º, n.º 2, do Código do
Processo Civil.
Lisboa,
22 de Maio de 2013.
Cátia Carlos
Cátia
Carlos
M.ª Francisca Gomes
Maria
Francisca Gomes
Sara Marques
Sara
Marques
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