domingo, 19 de maio de 2013

Contratos de adaptação e promoção ambiental



Definem-se como contratos celebrados pelas associações representativas de algum sector empresarial, ao qual as normas de descargas de poluentes, se aplicam, e a eles devem aderir as empresas que pretendam ver-lhes aplicado o seu regime, num prazo de três meses após a assinatura.
Estes contratos têm a sua origem no artigo 35.º/2 e 3 da Lei de Bases do Ambiente, que em 1987, previu a possibilidade de celebração entre o Governo e os operadores, de contratos- programa com vista à redução gradual da poluição, ficando a Administração “autorizada” a tolerar durante certo período de tempo, a emissão pelo seu co-contraente, de cargas poluentes superiores aos máximos legalmente admitidos. Esta abertura justifica quer a existência do art 78.º, quer do art 68.º do DL 236/98, no âmbito de descargas poluentes para o meio hídrico.
Assim a habilitação genérica para a celebração de contratos da administração vem prevista nos arts 178.º/1 e 179.º do CPA, que dão a possibilidade que esta recorra à contratação como forma de actuação. Perante esta permissão, caso se considere que os objectos destes contratos sejam susceptiveis de serem contratualizados, serão lícitos.

Contrato de adaptação ambiental: ancorado no art 78.º do DL 236/98 visa então, permitir a derrogação de normas de descargas poluentes (durante um prazo previamente fixado e nos termos de um calendário) degradando o índice de protecção aplicável, de modo a aliviar as empresas do cumprimento de standarts e modelos de minimização, cuja sua implementação importa custos elevados.

Contrato de promoção ambiental: sediado no art 68.º do DL 236/98, vinculam as empresas aderentes, a normas de descarga de águas residuais para o meio hídrico e solo mais exigentes do que as aplicáveis ao sector de actividade em causa, fortalecendo a consciência ambiental das empresas. Estas exigências extra, tornam-se obrigatórias, mesmo para empresas não aderentes, daquele sector. Procede-se assim a um estabelecimento de um prazo e fixação de um calendário, para que estas se comprometam a seguir normas mais rigorosas do que as que estão em vigor.

Os intervenientes são as associações representativas dos sectores por um lado, e a Agência Portuguesa do Ambiente, após consulta ao Instituto da Água e ao Ministério competente, por outro. Relativamente ao Ministério, dado não se tratar de sujeito de direito, cabe saber qual o órgão competente para contratar, sendo necessário atentar nas disposições legais, como as que estabelecem que cabe à Direcção-Geral do Ambiente, a aprovação de um calendário contratual (art 68.º/5 e 78.º/5 do DL 236/98), e que atribuem às Direções-regionais do Ambiente a competência para fazerem a norma de descarga poluente (art 64.º e 65.º do DL 236/98). O que parece resultar daqui, é que a Direcção –Regional do Ambiente é o órgão competente em matéria de descargas poluentes, logo também deve ser esta a celebrar os ditos contratos ex vi art 179.º do CPA.
Uma vez celebrado o contrato-tipo entre os referidos sujeitos, a este podem aderir quaisquer empresas, independente de estarem ou não representadas pela associação que celebrou o acordo.

Em relação à fiscalização e eventuais sanções[1], tanto nos contratos de adaptação ambiental, como nos contratos de promoção, o respectivo plano e calendário funcionam como referência, no que toca ao cumprimento das suas obrigações ambientais (art 78.º/6 e 68.º/6 do DL 236/98), e em caso de incumprimento do acordo, a empresa será advertida para corrigir as suas faltas, sob pena de sanções que podem ir até à exclusão do contrato, por decisão fundamentada do director-geral do Ambiente (art 78.º/7 e 8 e art. 68.º/7 do DL).

Após uma breve definição do regime destes contratos, cabe referir alguns problemas que se interpõem na sua admissibilidade, desde logo pela sua (in)compatibilização com o principio da legalidade, uma vez que nos termos do art. 112.º/6 da CRP, que estabelece:

 “nenhuma lei pode criar outras categorias de actos legislativos ou conferir actos de outra natureza o poder de, com eficácia externa, interpretar, integrar, modificar, suspender ou revogar qualquer dos seus preceitos

O que se pretende através desta disposição segundo Duarte Rodrigues da Silva [2] é a garantia da manutenção da hierarquia da lei, impedindo o seu desvirtuar, e que uma remissão para um acto de hierarquia diferente não possa permitir a definição das relações entre o estado e os cidadãos, através de preceitos administrativos, transformando estes em fonte normativa primária.
Para Mark Kirkby [3],o que o art 78.º do referido decreto-lei pretende, é que através de um contrato, a Administração permita uma derrogação de preceitos legais que já entraram em vigor, suspendendo os efeitos das normas que ela própria veio consagrarAssim os contratos de adaptação são violadores do princípio da tipicidade das formas de lei, onde admite-se que um contrato administrativo suspenda um disposto normativo. Este artigo acaba também por subverter a hierarquia formal que a Constituição precariza entre actos legislativos e actos de autoria administrativa. E assim desde logo, este autor é da opinião de que estaríamos perante uma inconstitucionalidade.
Para o prof. Vasco P. da Silva[4], a solução a descortinar, para resolver este problema, passa por contrapor os princípios da constitucionalidade, legalidade e tipicidade das formas de lei, aos valores da eficácia da realização das políticas ambientais pela via contratual, da participação, colaboração dos particulares no exercício da administração de ambiente e tutela da confiança dos particulares. Assim apesar de não ser admissível que os contratos administrativos violem os princípios, não implica necessariamente que não se celebrem contratos em razão dos valores que eles próprios também prosseguem (como a eficácia, participação e tutela da confiança). Teríamos então de delimitar o respectivo âmbito de aplicação no quadro da ordem jurídica, ou seja, autorizar contratos que não cumpram limites legais, excepcionalmente e atentando casuísticamente, desde que se encontre cabimento na previsão legislativa e que não estejamos perante uma situação de fraude à lei, ou numa situação que viole princípios fundamentais dos actos administrativos. A esta condição acrescenta-se ainda outras duas, a de que a lei que consagra os limites, disponha de um regime geral e outro especial, figurado na lei (mas nunca sendo uma norma em branco) cuja aplicação estivesse na pendência de celebração de um contrato administrativo; e a condição de que este regime especial estaria delimitado pelas regras de competência, de fim e pelos princípios fundamentais da administração (igualdade; imparcialidade e proporcionalidade – art. 266º CRP).


A par desta pequena/grande dificuldade, Carla Amado G. [5] tece duras críticas quer aos contratos de adaptação ambiental, quer aos contratos de promoção.
Relativamente aos primeiros, implicam uma aceitação da degradação ambiental, e um desincentivo ao combate da poluição, o que para esta autora constitui “uma demissão das responsabilidade públicas de proteção do ambiente (…) violação dos compromissos assumidos perante a Comunidade Europeia, (…) e um atentado aos princípios norteadores de uma política coerente e eficaz de proteção ambiental”. O regime jurídico deste tipo de contrato remete ainda para o art. 96.º da lei 58/05, no âmbito de procedimentos de contraordenação, retirando-se daí a ilegalidade da atuação do infrator, e o consequente pagamento de coima, de modo a manter a vigência destes contratos (cuja alternativa passaria por revogar a autorização de incumprimento das condições estabelecidas na lei, o que não seria favorável à proteção e promoção do ambiente) visando-se portanto, evitar males maiores.

Em relação aos contratos de promoção ambiental, Carla Amado G.[6] atenta para o facto destes se constituírem favoráveis ao ambiente dado que aumentam os níveis de exigência de proteção, mas que no entanto surgem dificuldades, a nível da sua eficácia externa, devido ao facto, como já foi aqui referido, de que esta elevação dos padrões de exigência torna-se obrigatória para quaisquer empresas mesmo, as que não aderiram a este contrato, desde que abrangidas pelo sector da associação representativa em causa. Basicamente tudo isto seria constitucional se esta celebração de contratos tivesse efeitos inter-partes, onde os custos de um contrato deste género seriam suportados pela empresa que efectivamente aceitou contratar. No entanto o instrumento contratual é extensível obrigatoriamente a empresas que não outorgaram, nem consentiram numa elevação dos parâmetros (art. 68.º/9 e 10 do DL) o que equivale, a uma inconstitucionalidade (no mesmo sentido Mark Kirkby[7]

Bibliografia:

Gomes, Carla Amado, Introdução ao Direito do Ambiente, Associação Académica da Faculdade de Direito, Lisboa, 2012

Gomes, Carla AmadoDireito administrativo do ambiente, in: Tratado de direito administrativo especial, Volume I, Coordenadores Paulo Otero e Pedro Gonçalves, Almedina, Coimbra, 2009.

Kirkby, Mark Bobela-Mota, Os contratos de adaptação ambiental: a concertação entre a Administração Pública e os particulares na aplicação de normas de polícia administrativa, Associação Académica da Faculdade Direito, Lisboa, 2001.

Silva, Duarte Rodrigues, Contratos de Adaptação Ambiental.

Silva, Vasco Pereira da, Verde cor de direito: lições de direito do ambiente, 2.ª reimpressão, Almedina, Coimbra, Fevereiro de 2002.


Mariana Yee Raposo da Silva
nº 18292


[1] Silva, Vasco Pereira da (pág. 214-215)
[2] Silva, Rodrigues Duarte (pág 33)
[3] Kirkby, Mark (pag 63-67)
[4] Silva, Vasco Pereira da (pág 217-218)
[5] Gomes, Carla Amado – Direito Administrativo do Ambiente (pág 205)
[6] Gomes, Carla Amado – Introdução ao Direito do Ambiente (pag 105-1069
[7] Kirkby, Mark (pág 91)


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