Responsabilidade
Ambiental Subjectiva: DL174/2008
Em direito
ambiental é hoje premissa essencial a proibição de todas as actividades que
possam causar danos significativos ao ambiente, numa lógica de prevenção
reforçada pelo princípio do poluidor-pagador.
No domínio
do ambiente, aquilo que se verifica a maior parte das vezes, é que através de
um acto administrativo com efeitos em relação a terceiros não é criada apenas
uma relação unidimensional entre os destinatários do acto e o Estado, mas sim
uma relação triangular, que tem de um lado o Estado, e que, do lado dos
cidadãos, abrande dois afectados - um que é beneficiado pelo Estado e outro que
é prejudicado de forma correspondente a esse benefício.
Daí a
necessidade de recorrer aos direitos fundamentais para entender que, «no
direito do ambiente, o particular é (…) titular de direitos subjectivos
públicos, que integram uma relação jurídica administrativa multilateral, a qual
não tem apenas como sujeitos a Administração e o poluidor (potencial ou
efectivo) mas também a vítima da poluição.[1]»
A
Constituição Portuguesa trata das questões ambientais tanto na perspectiva das
tarefas estaduais (artigo 9º e) CRP), como na qualidade de direito fundamental[2]
(artigo 66º). Permitindo assim passar «da mera relevância objectiva das tarefas
estaduais para a esfera dos direitos individuais, considerando-se que as normas
reguladoras do ambiente se destinam também à protecção de interesses dos
particulares, que desta forma são titulares de direitos subjectivos públicos.».
o Análise
da Responsabilidade Subjectiva
A directiva 2004/35C estabeleceu o regime
relativo à responsabilidade ambiental aplicável à prevenção e reparação de
danos ambientais que foi transposta para a ordem jurídica através do DL
147/2008 de 9 de Julho. A directiva dispõe acerca de um quadro normativo de
prevenção e reparação do dano ecológico, consubstanciando a aplicação do
princípio do poluidor-pagador, ou seja, o operador que cause danos ambientais
ou crie a ameaça iminente desses danos deve custear as medidas de prevenção e
reparação necessárias.
Evidente
será notar que a directiva estabelece um quadro comum de responsabilidade com
vista a evitar e ressarcir danos causados aos animais, plantas, habitats
naturais e recursos hídricos, assim como o subsolo. Este mecanismo aplica-se,
por um lado, a danos ambientais e às ameaças evidentes que resultem de
actividades ocupacionais explicitamente enunciadas, desde que seja possível
estabelecer uma relação de causalidade entre o dano e a actividade em questão e,
por outro lado, às restantes actividades ocupacionais distintas das enunciadas
no anexo III, quando haja culpa ou negligência do operador. Ainda assim, para
que este seja eficaz, uma vez que nem todos os danos ambientais são corrigidos
por este mecanismo, devem ser preenchidos determinados requisitos, como o sejam
a presença de um ou mais poluidores identificáveis, a existência de um dano
concreto e quantificável e a necessidade de estabelecimento de um nexo de
causalidade entre o dano e os seus poluidores.
A directiva
distingue, como já se evidenciou, duas formas de protecção ambiental,
nomeadamente as acções de prevenção e as de reparação, pelo que a sua distinção
se encontra no artigo 5º, dizendo as primeiras respeito a situações em que
ainda não se verificaram os danos ambientais, existindo, no entanto, uma ameaça
iminente aos mesmos. Por sua vez as acções de reparação referem-se aos casos
onde o dano ambiental já se tenha verificado.
A responsabilidade subjectiva,
aferida no artigo 13º do DL abrange qualquer actividade “ocupacional”( cfr.
artigo 2º/1), sendo accionada sempre que o sujeito, quebrando deveres de
protecção ou com dolo, praticar actos que, num contexto idóneo sejam aptos a
provocar uma alteração adversa e significativa do meio hídrico, das espécies e
habitats protegidos pelo âmbito normativo, enquanto bens naturais. Note-se que o estado dos bens naturais
exprime uma ponderação e compatibilização de interesses, isto é, do interesse
público na convervação da integridade e estabilidade auto-sustentada da
Natureza, por um lado, e do feixe de interesses de bens naturais, por outro[3].
A actividade
ocupacional relevante a que se refere o nº1 do artigo 2º reporta-se a uma
actividade económica, lucrativa ou não, mas não compreende actividades de lazer,
nem de carácter assistencial[4].
Tal conclusão é retirada através da análise dos arts.14º e 15º do DL, que só se
enquadram relativamente a instalações estáveis e com um grau apreciável de
complexidade normativa[5].
A diligência
normal do sujeito afere-se em razão do conjunto de deveres que lhe são fixados,
desde logo, no acto autorizativo ou normativo disciplinador da sua conduta. A
estes deveres gerais podem aditar-se deveres especiais, que despontam em situações
de agravamento de risco ou mesmo que decorrem de riscos associados cuja
prevenção não foi exactamente acautelada pelo operador[6].
A iniciativa destes deveres especais é, em primeira linha, do operador, cabendo
à Agência Portuguesa do Ambiente (doravante APA) a posição de garante da sua
atitude preventiva e reparatória (cfr. arts. 14º, 15º e 17º).
Para além de
todos estes deveres, a Lei Quadro das Contra-Ordenações Ambientais[7]
reconhece às autoridades administrativas poderes de fiscalização e vigilância,
contantes do seu artigo 18º, que passam pela realização de acções de inspecção,
oficiosas ou por denúncia, das quais resulta, em última instância, a abertura
de procedimentos contra-ordanacionais em cujo âmbito o operador fica obrigado
ao pagamento de coimas e á adopção “das medidas que se mostrem adequadas à prevenção
de danos ambientais, à reposição da situação anterior à infracção e minimização
dos efeitos decorrentes da mesma.” (artigo 30º/1 alínea j) da Lei 89/2009).
o Requisitos
da Responsabilidade Civil Ambiental
Tal como determina
o artigo 8º do DL a responsabilidade subjectiva exige a ofensa a interesses
alheios através de um componente ambiental, causadora de danos; o dolo ou
negligência da sua actuação e ainda o nexo de causalidade entre a culpa e o
dano.
A
centralidade deste regime passa por determinar quais os danos relevantes em
matéria de ambiente. Na realidade, para que se possa considerar a existência de
um dano ecológico não basta atender
à realidade empírica, a uma situação que se vê alterada ou diminuída, uma vez que
o direito não se identifica com estas considerações e procura atender a uma
perturbação específica de bens jurídicos protegidos: as suas relevância
jurídica e justificação axiológica radicam, em último plano, na protecção que o
Direito concede a um conjunto de bens em razão dos fins que permitem atingir.
A noção
ampla de dano preconizada no artigo 66ºCRP corresponde à configuração do
ambiente como bem jurídico unitário, tentando o direito português integrar
neste conceito não só os bens jurídicos ecológicos[8],
como bens culturais[9]. Parece,
pois, justificar-se uma autonomização desta noção ampla e unitária, tentando
distinguir danos ambientais e danos ecológicos.
Dano
ambiental[10]
pode caracterizar-se como sendo uma afectação de uma
situação favorável protegida pelo Direito, causando prejuízos[11]
ao ambiente. Por sua vez, dano ecológico pode definir-se
tendencialmente como sendo um prejuízo para o património natural (enquanto
conjunto de recursos bióticos- seres vivos e abióticos e da sua interacção) que
afecte a capacidade funcional e a capacidade de aproveitamento de tais bens
tutelada pelo sistema jurídico constitucional.
Nos danos ambientais o ambiente é o percurso
causal do dano, trata-se pois de danos indirectos causados por uma acção sobre
o ambiente, pelo que só no dano ecológico o ambiente, considerado enquanto bem
jurídico, é objecto do dano.
A tutela dos
danos ambientais não se preconizaria somente através da responsabilidade
ambiental, trata-se, portanto, da violação de direitos subjectivos ou
interesses alheios juridicamente protegidos pelo artigo 483º nº1 do Código
Civil, pelo que tal conjunto de bens seria ressarcível independentemente da
tutela ambiental.
De sublinhar
que a generalidade das situações de responsabilidade previstas atende a
indemnizações de danos ao ambiente, integrando três tipos de situações que
recaem sobre o bem ambiente: os interesses ambientais públicos (dano
ecológico), os direitos subjectivos (danos ambientais) e os interesses
ambientais individuais colectivos.
Cabe agora a
determinação do nexo de causalidade
constante do artigo 5º do DL 147/2008, evidenciando desde logo a dificuldade
que aqui reside.
O regime
estabelecido no decreto- lei é válido tanto para a responsabilidade ambiental
objectiva como subjectiva, no qual «a apreciação da prova do nexo de
causalidade assenta num critério de verosimilhança e de probabilidade de o
facto danoso ser apto a produzir a lesão verificada (…)».
A apreciação
da prova em sede de dano ambiental assenta, desde logo, num critério da
probabilidade, abdicou assim o legislador da exigência de certeza sobre o nexo
causal, ficando por determinar todos os problemas que se gerariam em torno
desta determinação. Assim sendo, a medida de prova passa a ser a mera
justificação, desde logo, a convicção do juíz acerca, não da verdade, mas da
probabilidade dos factos. Autores como Cunhal Sendim[12]
já haviam defendido a redução da medida da prova em sede ambiental, apelando ao
critério da verosimilhança e probabilidade que acabou por ser vertida no texto
do próprio artigo.
De acordo
com as regras do ordenamento, o lesado teria de provar, para além dos demais
pressupostos da responsabilidade civil, a criação/aumento do risco pelo agente,
bem como a materialização desse risco no resultado lesivo. Denote-se que a
norma do art.5º inverte o ônus da prova, cabendo assim à vítima que prove a
«verosimilhança e a probabilidade de o facto ser apto a causar lesão, tendo em
conta, as circunstâncias do caso concreto». Teixeira de Sousa[13]
refere, a esta propósito, que a «mera justificação basta-se com a demonstração
de que o facto é verosímil ou plausível (…)».
Por demonstrar
fica a diferença entre verosímil ou plausível, bem como o sentido que daí
decorre para a aplicação do instituto da responsabilidade civil. Se
considerarmos que os vocábulos significam o mesmo, parece redundar na
inutilidade da especificação feita pelo legislador no próprio artigo, pelo que
a sua redacção dificultaria a aplicação do intérprete. Todavia, se
verosimilhança implicar um grau de convicção no juíz inferior à probabilidade,
então nesse caso ter-se-ia um problema de constitucionalidade, por violação das
garantias constitucionais consagradas ao nível da imputação de danos
configuradas pelo princípio da propriedade privada constante do artigo 62º da
Constituição.
Parece que o
mais prudente a este respeito será permitir a flexibilização dos conceitos em
termos de aplicação prática do regime, ditadas por dificuldades de prova já
verificadas. Repare-se que não se trata de probabilidade de o agente ter
causado um dano, mas antes da probabilidade de este ser apto a causa-lo, o que
já por si é bem menos.
De todo o
modo, o grau de probabilidade exigido variará consoante o caso concreto[14]
e, em especial, conforme a «probabilidade da prova científica do percurso
causal».
Tudo o que o
lesado tem de provar, em suma, é a probabilidade de uma instalação ou de uma
qualquer outra actividade ocupacional ser apta a provocar o dano. A aptidão
para causar o dano não é mais, afinal, do que a qualidade daquilo que se
comporta num risco. O risco é, na verdade a «eventualidade danosa potencial[15]»,
ou a susceptibilidade de ocorrência de um dano, de tal maneira que o conceito
de risco coincide com o conceito legal de «aptidão para produzir a lesão».
Finalizando,
é ao lesão que cabe provar que é possível a criação ou aumento do risco pela
instalação. Feita essa prova, presume-se que o risco se materializou no
resultado. O agente, por seu lado, pode contraprovar a probabilidade do risco,
podendo naturalmente fazer prova negativa da materialização do mesmo no
resultado lesivo, pretendendo demonstrar que, apesar da criação do risco ser
provável, não foi esse o risco que se concretizou no dano ocorrido.
Terminadas
que estão as considerações sobre a responsabilidade civil e o seu regime,
evidenciar que a consciência da protecção do meio ambiente na sociedade está
hoje enraizada nas práticas sociais, mas tal não significa que tudo tenha
chegado ao fim e nada mais haja a fazer: muito pelo contrário. Cabe ao Direito
uma constante procura de novas soluções, novos meios de protecção, pois a vida
da humanidade, o futuro dos seus descendentes e do Mundo dependem, em muito, do
desenvolvimento natural e sustentável que for dado ao Ambiente.
Bibliografia:
§
ANA PERESTRELO DE OLIVEIRA/TIAGO ANTUNES, «Temas de Direito do Ambiente- Cadernos o
Direito»,2011, pp.97-114;137-161.
§
CARLA AMADO GOMES, «Introdução ao Direito do Ambiente», AAFDL
2012, pp.181-206.
§
CLÁUDIA MARIA CRUZ SANTOS/JOSÉ EDUARDO DE
OLIVEIRA FIGUEIREDO/MARIA ALEXANDRA DE SOUSA ARAGÃO «Introdução ao Direito do Ambiente» -
Coordenação científica de José Joaquim Gomes Canotilho, Universidade Aberta,
1998, pp.139-147.
§
JOSÉ DE SOUSA CUNHAL SENDIM, «Responsabilidade Civil por danos ecológicos»,
Coimbra 1998, pp.15-62.
§
LUCIA GOMIS CATALÃ, «Responsabilidad por Daños al Medio
Ambiente», ARANZADI EDITORIAL 1998,PP.37-117.
§
VASCO PEREIRA DA SILVA, «Responsabilidade Administrativa em matéria
Ambiental», Principia 1997.
§
VASCO PEREIRA DA SILVA/ JOSÉ CUNHAL SENDIM/
JOÃO MIRANDA, «O meu caderno Verde- trabalhos
práticos de Direito do Ambiente», Lisboa 2002, pp.337-347;437-481.
Legislação
§
Convenção de
Lugano sobre Responsabilidade Ambiental.
§
Proposta da
Directiva do PE e Conselho de 23 de Janeiro de 2002.
§
Leis de
Bases do Ambiente.
§
Regime
Jurídico de Responsabilidade Administrativa por actos de Gestão Pública
§
Parecer
30/96 do Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da República sobre a
Convenção do Conselho da Europa relativo à responsabilidade civil por danos
resultantes de actividades perigosas para o ambiente.
§
DL147/2008.
[1] Vasco
Pereira da Silva, «Em busca do Acto Administrativo Perdido», Almedina, Coimbra,
1996, p.26.
[2] O
direito fundamental ao ambiente, na sua vertente negativa ou “de defesa”, goza
dos regimes de direitos, liberdades e garantias (vide artigo 17º CRP), pelo que (entre outras coisas) é
“directamente aplicável” e vincula «entidades públicas e privadas», conforme o
art.18º/1.
A propósito desta questão vide Vasco Pereira da Silva, «A vinculação das entidades privadas
pelos Direitos, Liberdades e Garantias» in
«Revista de Direito e Estudos Sociais», ano XIX, II, 2ªsérie nº2, 1987, pp.259
e ss.
[3] A este
estado de bens naturais determinado pelo sistema jurídico parece reconduzir-se
o conceito de bem jurídico ecológico.
«A protecção imediata de um determinado estado de bens
naturais visa, em última análise, conservar o equilíbrio auto-sustentado da
realidade sistemática que tais bens compõem (o património natural), pelo que
tal estado global de equilíbrio é, também, um bem jurídico protegido.», José de
Sousa Cunhal Sendim, “Responsabilidade Civil por Danos ecológicos”, Almedina,
pp.31 a 41.
[4] Excluindo
potenciais lesantes como o sejam praticantes de desportos da natureza,
escuteiros, alunos em visitas de estudo.
[5] O facto
destas pessoas estarem excluídas do âmbito subjectivo do diploma não
significa que não sejam imputáveis por prática de danos ecológicos nos termos
gerais de Direito, embora não o sendo relativamente ao procedimento
desencadeado pelo artigo 16º do Dl 147/2008.
[6] Para uma
fixação de critérios que permitem identificar a iminência de dano, veja-se o
“Guia para a Avaliação de Ameaça Iminente e Dano Ambiental” elaborado pela APA,
Outubro de 2011,pp.15 e ss.
[7] Lei
50/2006 alterada e republicada na Lei 89/2009 de 31 de Agosto.
[8] Enquanto
estados ambientalmente adequados dos componentes naturais do património
ambiental.
[9] v.g a paisagem.
[11] Deve
entender-se, nestes termos, que prejuízo se afere tendo em conta uma
perturbação preconizada por um componente ambiental que afecte o ambiente, na
sua configuração dada pelo artigo 66ºCRP.
[12] “A
Responsabilidade Civil por danos ecológicos. Da reparação do dano através da
restauração natural”, 1998,p.223.
[13]
Teixeira de Sousa, “As partes , o objecto e a prova”, p.202.
[14]
Naturalmente, que se o juíz puder fixar a sua decisão baseada numa prova stricto sensu, não se mostra suficiente
a convicção acerca da probabilidade do mesmo.
[15] Menezes Cordeiro, “Direito das Obrigações”,
volume II, 1980, p.362.
Cátia Alexandra Gonçalves Carlos, 19551
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