domingo, 31 de março de 2013

A AVALIAÇÃO DE IMPACTO AMBIENTAL ENQUANTO COROLÁRIO DO PRINCÍPIO DA PREVENÇÃO


A AVALIAÇÃO DE IMPACTO AMBIENTAL ENQUANTO COROLÁRIO DO PRINCÍPIO DA PREVENÇÃO

O princípio da prevenção é um dos dois princípios fundamentais de Direito Ambiental que se antecipam à ocorrência do dano ambiental. De facto, as agressões ao meio ambiente, uma vez consumadas, são de reparação difícil e dispendiosa. Neste sentido, o princípio da prevenção tem em vista assegurar a eliminação de perigos que já estão cientificamente comprovados, traduzidos em riscos concretos e conhecidos.
Nesta matéria, estamos em face de bens frágeis e muitas vezes não regeneráveis, pelo que a antecipação dos efeitos lesivos sobre os mesmos é determinante. No entanto, na maior parte das vezes não é possível evitar em termos totais essas lesões pelo que tem de haver uma resignação à minimização desses danos. Assim, tem de haver aqui um juízo de razoabilidade que contende com o princípio da prevenção no sentido de impedir que o mesmo se traduza na evitação de todo e qualquer risco ou dano.
Tem de ser tida em conta a necessidade do sujeito operador desenvolver a sua actividade no exercício do seu direito de iniciativa económica. Deste modo, como refere Carla Amado Gomes, tem de ser feita uma gestão racional de recursos naturais, de forma a que o principio da prevenção não condene ao retrocesso económico e tecnológico a actividade humana. Nas palavras da mesma autora “gerir racionalmente é gerir preventivamente, não deixando chegar o bem ao limite da sua regenerabilidade ou ao termo da sua existência (…) a gestão racional é dinâmica, podendo determinar alterações às condições inicialmente colocadas à sua utilização”. Nos termos do artigo 191º do tratado de Funcionamento da União Europeia, a política da união no domínio do ambiente basear-se-á nos princípios da precaução e da acção preventiva, na correcção na fonte dos danos causados ao ambiente, e no princípio do poluidor pagador.
Corolário do princípio da prevenção é o mecanismo de avaliação de impacto ambiental enquanto instrumento de gestão de riscos e impactos negativos na esfera do meio ambiente.
A Avaliação de impacto ambiental é um mecanismo que nasceu nos Estados Unidos da América nos anos 70, e que desde então tem vindo a ganhar terreno no âmbito do Direito Internacional do Ambiente. Hoje em dia são poucos os tratados internacionais reguladores da matéria que não contenham disposições relativas à avaliação de impacto ambiental.
A avaliação de impacto ambiental é um conceito dinâmico que está em permanente mutação em consequência das constantes alterações políticas em matéria ambiental.
Este mecanismo é uma ferramenta necessária no que respeita ao processo de licenciamento de uma actividade possivelmente nefasta para o ambiente, possibilitando uma informação mais concreta e detalhada sobre os impactos ambientais daquela, permitindo assim que as entidades responsáveis pela licença possam fazer um juízo de equilibro entre as mais-valias económicas e sociais, por um lado, e os impactos ambientais por outro, da forma mais informada possível. Deste modo, identifica-se como objectivo principal deste mecanismo, a recolha da maior quantidade de informação relativa aos possíveis impactos ambientais que possam advir da actividade a licenciar, de forma a minimizar as decisões que possam ter consequências negativas para o ambiente.
A avaliação de impacto ambiental tem sido referida por alguma doutrina com sendo um princípio do costume internacional. De facto, muitas têm sido as convenções de Direito Internacional sobre a matéria, nomeadamente a convenção de avaliação de impacto ambiental num contexto transfronteiriço (1997) e a convenção de Aarhus (1998), às quais aderiu Portugal.
No âmbito da União Europeia (na altura CEE), a Directiva 85/337CEE afirmou-se como instrumento catalisador da evolução da União Europeia em termos de política ambiental, influenciando a adopção de mecanismos de avaliação de impacto ambiental nos Estados Membros. Esta Directiva respeitava à “avaliação dos efeitos de determinados projectos públicos e privados no ambiente”, contendo nomeadamente uma norma relativa aos impactos transfronteiriços que seria “accionada” quando um Estado Membro tivesse conhecimento de um projecto que pudesse vir a ter efeitos significativos no meio ambiente de outro Estado Membro, devendo a documentação da avaliação de impacto ambiental ser enviada para o Estado Membro afectado, servindo essa informação como base para as consultas necessárias à densificação das relações bilaterais entre os dois Estados.
A Directiva 97/11 CE veio colmatar algumas deficiências constantes da anterior Directiva 85/337 CEE. No seu artigo 7º, a primeira veio exigir um maior detalhe no que respeitava aos procedimentos relativos aos impactos ambientais transfronteiriços, bem como estabelecer o ano de 1999 como limite à implementação da mesma pelos Estados Membros.
No âmbito destas Directivas, o mecanismo de avaliação de impacto ambiental é um instrumento fundamental da política comunitária baseado no princípio da precaução, no princípio da prevenção e no princípio do poluidor pagador.
Ao nível nacional, algumas constituições, nomeadamente a Brasileira, consideram a avaliação de impacto ambiental imprescindível à tutela do ambiente. De facto, a Constituição Brasileira prevê a avaliação de impacto ambiental enquanto instrumento da Política Nacional do Meio Ambiente, estabelecendo um conjunto de critérios, competências, hipóteses, definições e directrizes gerais para a exigência dos estudos de impacto ambiental e para o licenciamento de actividades no âmbito da protecção ambiental, de forma a prevenir os possíveis efeitos adversos sobre o meio ambiente causados por uma actividade que disponha de recursos ambientais.
A avaliação de impacto ambiental é assim um meio de actuação preventiva do poder público que visa analisar previamente os possíveis efeitos positivos e negativos que resultem da implantação, ampliação ou funcionamento de actividades que sejam consideradas como potencialmente causadoras de uma significativa degradação dos recursos ambientais, determinando a existência de medidas destinadas a conformar e adequar o empreendimento aos pressupostos de protecção e melhoria do meio ambiente. No entanto, este procedimento não se afigura necessário em todos os casos, sendo apenas obrigatório em situações determinadas em função da interpretação de um conceito jurídico indeterminado (“em casos de significativa degradação do ambiente”) pelas entidades públicas competentes.
Em Portugal, o Decreto-Lei nº69/2000 de 3 de Maio conformou a legislação nacional com os objectivos da União Europeia em matéria ambiental, aprovando o regime jurídico da avaliação de impacte ambiental dos projectos públicos e privados susceptíveis de produzirem efeitos significativos no ambiente, constituindo, nas palavras daquele diploma, “um instrumento fundamental da política de desenvolvimento sustentável”. Este Decreto-Lei foi posteriormente alterado pelo DL 197/2005 de 8 de Novembro que transpôs para a ordem jurídica interna a Directiva 85/337 CEE com as alterações introduzidas pela Directiva 97/11 CE e pele Directiva 2003/35 CE (veja-se também a Directiva 2011/92/EU de 13 de Dezembro de 2011 relativa à avaliação dos efeitos de determinados projectos públicos e privados no ambiente).
O Regime jurídico de avaliação de impacto ambiental é aplicável a projectos públicos e privados susceptíveis de provocar efeitos significativos no ambiente, nos termos do artigo 1º, nº2 do RAIA. Este regime contém dois anexos que tipificam e enunciam os projectos sujeitos a avaliação de impacto ambiental (art. 1º, nº3, als a) e b)). Estão ainda sujeitos a esta avaliação aqueles projectos que embora não abrangidos pelos limiares do anexo II do mesmo diploma, sejam ainda assim considerados susceptiveis de provocar “impacte significativo no ambiente” em função da sua localização, dimensão ou natureza, de acordo com os critérios estabelecidos no anexo V (art.1º, nº4 RAIA), bem como aqueles “projectos que em função da sua localização, dimensão ou natureza sejam considerados, por decisão conjunta do membro do governo competente na área do projecto em razão da matéria e do membro do governo responsável pela área do ambiente, sejam susceptiveis de provocar um impacte significativo no ambiente”, tendo em conta os critérios estabelecidos no anexo V (art.1º, nº5 RAIA).
O procedimento de avaliação de impacto ambiental é público nos termos do artigo 22º, nº1 do RAIA.
Por iniciativa do proponente e mediante despacho do ministro responsável pela área do ambiente e do ministro da tutela, e em circunstâncias excepcionais e devidamente fundamentadas, o licenciamento ou a autorização de um projecto pode ser efectuado com dispensa total ou parcial do procedimento de avaliação de impacto ambiental, nos termos do nº1 do art. 3º do RAIA. Esta dispensa constitui uma excepção ao princípio da prevenção e por esse motivo é alvo de críticas por parte de Carla Amado Gomes que chama a atenção para o facto da expressão “circunstâncias excepcionais” previstas no nº1 do art.3º ser demasiado ampla, constituindo uma espécie de norma habilitante em branco, o que dificulta o controlo dessa competência. Por outro lado, para a autora a preterição da necessidade de apresentação de estudo de impacto ambiental contraria o princípio de que é o preponente que deve demonstrar a ausência de impactos relevantes associados ao projecto, remetendo para a administração a carga de aferição dos riscos que aquele eventualmente envolve. Para além disso, a ausência de uma referência à vinculatividade do parecer da autoridade de avaliação do impacto ambiental previsto no nº4 do art.3º do RAIA leva Carla Amado Gomes à conclusão de que o parecer daquela autoridade é obrigatório mas não vinculativo.
Todos os projectos que se encontrem nas condições previstas pelos artigos referidos terão de presenteados com uma declaração de impacto ambiental favorável ou condicionalmente favorável nos termos do art. 17º,nº1do RAIA. Esta declaração é da competência do ministro responsável pela área do ambiente e deve ser proferida no prazo de 15 dias a contar da data de recepção da proposta da autoridade de avaliação de impacto ambiental (art. 18º, nº1 do RAIA). A declaração de impacto ambiental deve especificar as condições em que o projecto pode ser licenciado e contém obrigatoriamente as medidas de minimização dos impactes ambientais negativos que o proponente deve adoptar na execução do projecto. Com a alteração ao regime de licenciamento ambiental promovida pelo Decreto-Lei 173/2008 de 26 de Agosto, passou a ser possível, por iniciativa do proponente, desencadear a avaliação de impacto ambiental conjuntamente com o licenciamento ambiental.
O art.19º do RAIA prevê ainda a possibilidade desta declaração poder ser deferida tacitamente se nada for comunicado à entidade licenciadora no prazo de 140 dias para projectos que integrem o anexo I, ou 120 dias no caso de outros projectos. No entanto, esta possibilidade de deferimento tácito só vale para avaliações intrafronteiriças. Para procedimentos de avaliação de impactos transfronteiriços (arts.32º e ss RAIA) o legislador afastou a valoração do silêncio. Carla Amado Gomes diz a respeito desta questão que “a solução do deferimento tácito é uma afronta ao Direito Ambiental constitucional, legal e da União Europeia”, invocando a violação dos princípios da prevenção, participação e imparcialidade.
Os actos de licenciamento de projectos que estejam sujeitos a avaliação de impacto ambiental só podem ser praticados após a notificação da respectiva declaração em sentido favorável ou condicionalmente favorável, sob pena de nulidade (art. 20º, nº1 e 2 do RAIA).
A execução do projecto avaliado tem de ser promovida num espaço de dois anos, passados os quais a declaração de impacto ambiental caduca (art.21º, nº1 RAIA).
O projecto é ainda alvo de uma pós-avaliação com vista a avaliar a conformidade do mesmo com os termos e condições fixados na declaração de impacto ambiental, e ainda determinar a eficácia das medidas previstas e do procedimento de avaliação de impacto ambiental realizado (art.27º, nº1 RAIA). É necessário sublinhar que na esmagadora maioria dos casos, a declaração de impacto ambiental é condicionalmente favorável determinando certos deveres de facere que vêm previstos no acto autorizativo parcial, o que implica a aposição de um conjunto de medidas de minimização do impacto ambiental cujo cumprimento deverá ser observado, sob pena de aplicação de uma contra-ordenação que pode eventualmente ser cumulada com uma sanção acessória nos termos do artigo 38º do RAIA.
O regime jurídico de avaliação de impacto ambiental prevê ainda um capítulo relativo a impactes transfronteiriços que vem plasmado nos artigos 32º e ss. de acordo com o art.32º, “o Estado Português deve consultar o Estado ou Estados potencialmente afectados quanto aos efeitos ambientais de um projecto nos respectivos territórios e quanto às medidas previstas para evitar, minimizar ou compensar esses efeitos, bem como pronunciar-se quando, em idênticas circunstâncias, for consultado por outro Estado”. O artigo 33º do RAIA dispõe especificamente sobre projectos com impactos em outros Estados da União Europeia.
Nos termos do art.35º - A que integra o capítulo V do RAIA, o público interessado tem a faculdade de impugnar a legalidade de qualquer decisão, acto ou omissão no âmbito do procedimento de avaliação de impacto ambiental, nos termos gerais de direito. O mesmo capítulo prevê uma série de contra-ordenações e sanções que deverão ser suportadas pelo infractor que desrespeite as disposições previstas no referido diploma ou que dele resultem. O art. 39º do RAIA determina a obrigação para o infractor de proceder à remoção da infracção e à reconstituição da situação anterior à prática da mesma, sob pena de os serviços competentes do ministério responsável pela área do ambiente actuarem directamente por conta daquele, sendo as despesas cobradas coercivamente através do processo previsto para as execuções fiscais. Não sendo a eliminação das causas da infração possível, o infractor sob orientação da autoridade de avaliação de impacto ambiental, deve tomar as medidas necessárias para reduzir ou compensar os impactos provocados, com a consequência de poder vir a ser constituído na obrigação de indemnizar o estado se não o fizer (arts. 40º e 41º do RAIA).


Bibliografia:

BELTRÃO, António F. G., Aspectos Jurídicos do Estudo de Impacto Ambiental, MP Editora, 2008

BOWMAN, Adam e BOYLE, Alan, Environmental Damage in International and Comparative Law – Problems of Definition and Valuation, 2002

FARINHA, Renato, Sinopse de Direito Ambiental, Edijur, 2007

FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin de, Curso de Direito Ambiental, Curitiba-PR, 2008

GOMES, Carla Amado, Introdução ao Direito do Ambiente, AAFDL, 2012

LEITE, José Rubens Morato e PILATI, Luciana Cardoso, Direito Ambiental Simplificado, Editora Saraiva, 2011

SILVA, Vasco Pereira Da, Verde Cor de Direito, Lições de Direito do Ambiente, Almedina, 2012

SIRVINSKAS, Luís Paulo, Manual de Direito Ambiental, Editora Saraiva, 2012


Trabalho realizado por Inês Luís de Oliveira, subturma 7, nº18165

Sem comentários:

Enviar um comentário

Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.