sábado, 30 de março de 2013

Considerações em torno de um Direito ao Ambiente


I. A actualidade de um problema
A protecção do ambiente como problema social ou questão política é uma realidade recente, encontrando-se o seu surgimento conectado com o despelotar da crise do modelo de Estado-Social, no final dos anos 60[1].
De facto, se o Estado de Providência atravessou os denominados "30 gloriosos anos" embalado na ilusão do crescimento económico inevitável e imparável, assente no paradigma Keynesiano de recurso à despesa pública e intervenção Estadual, de modo a expurgar as falhas de mercado, o tempo acabaria por deitar por terra esse sentimento de inevitabilidade e imparabilidade de um crescimento económico quase que ad eternum, levando assim ao despelotar da crise do Estado social e ao questionar dos seus pilares mais basilares, por inúmeros movimentos sociais, culturais e políticos então surgidos.
Viria a ser justamente assim que, nos finais dos anos 60, a questão ambiental viria a ser trazida a palco, principalmente, pela mão de determinados movimentos de contestação como o movimento de Maio de 68, a revolução hippie, o pacifismo e a doutrina do flower-power.
A problemática da protecção ambiental, absolutamente desconhecida do Estado Social, apenas viria a ser agudizada durante o decorrer da década de 70, ainda para mais, com o despelotar da denominada crise do petróleo.
Assim se nos finais dos anos 60, com o ínicio da crise do Estado de Providência, qual "polvo de mil tentáculos" na formulação de BOBBIO[2], se adquiriu consciência dos limites do crescimento económico, com a chegada dos anos 70 e a respectiva crise petrolífera deu-se a tomada de consciência da esgotabilidade dos recursos naturais. Encontrou-se aí a génese da necessidade de encarar a protecção ambiental como um problema social que carecia de solução política.
Embora, na sua génese, tenha surgido associada a movimentos radicais, a consciência ecológica viria a generalizar-se e a deixar de ser apenas a bandeira de determinados grupos, para passar a ser encarada como um verdadeira problemática social, o que potenciou um considerável desenvolvimento das ciências do ambiente, das políticas de protecção ambiental, bem como de legislação em matéria de ambiente.
Do exposto, retira-se ser hoje a tutela ambiental matéria de plena actualidade e relevância, bem como temática relativamente à qual a ciência do Direito não pode deixar de ter uma palavra a dizer.

II. O auxílio do Direito na protecção do Ambiente
Neste campo, parece a dimensão jurídica da tutela ambiental ser susceptível de colocação em dois planos distintos: i) um plano subjectivo, construindo o direito ao ambiente como direito do homem que se integraria na terceira geração de direitos fundamentais; ii) um plano objectivo, colocando a protecção do ambiente como problema e tarefa do Estado, o que justifica que alguns autores qualifiquem o actual Estado pós-social como Estado de Ambiente;
Atendendo a estas duas vias jurídicas de tutela ambiental, importa desde já salientar não serem elas incompatíveis entre si. Pelo contrário, parecem surgir ambas como caminhos necessários de calcorrear, em nome da máxima optimização dos níveis de protecção do ambiente.
Como uma clara confirmação da ideia contida no parágrafo supra, surge-nos a Constituição da República Portuguesa de 1976, na qual se encontra, presentemente, consagrada a tutela do ambiente, quer como tarefa fundamental do Estado (art.9º/d)e e)), numa dimensão objectiva; quer como pretenso direito fundamental, concebido por parte da doutrina como um direito subjectivo[3], no art. 66º/1, numa dimensão subjectiva.
Tal como foi afirmado, a ideia desta dupla natureza do direito ao ambiente como direito subjectivo e como estrutura objectiva da colectividade não surge como incoerente ou incompatível em si própria.
Pelo contrário, afigura-se útil. Isto, porque uma coisa é a cristalização de uma tarefa estadual, neste caso, o estabelecer enquanto tarefa fundamental por parte do Estado a defesa da natureza e do ambiente, pelo evidente interesse público que existe nessa tutela. Outra, é não só assumir que existe a necessidade de tutelar um determinado bem, mas também conferir aos particulares tutela subjectiva perante agressões contra esse bem, cuja necessidade de proteger foi consagrada.
Assim, se por um lado a consagração da defesa do ambiente e da natureza enquanto tarefa estadual, parece conferir aos particulares a faculdade de exigir do Estado, na medida que lhe seja possível, que, efectivamente, desenvolva mecanismos de protecção do meio ambiente[4]; por outro lado, a consagração de um direito subjectivo ao ambiente fundamenta que um particular possa requerer tutela per si e directamente perante qualquer entidade pública ou privada que perturbe, utilizando os termos empregues na lei fundamental, o seu direito a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado[5].
Demonstrada que se crê estar a complementariedade e necessidade desta dupla natureza do direito do ambiente de revestir quer um lado de protecção objectiva, quer um outro de protecção subjectiva, cumpre avançar, de modo a nos debruçar-mos sobre a verdadeira problemática que pretendemos aqui discutir.
Assim sendo, uma questão urge colocar-se: embora se reconheça a necessidade e vantagens de uma protecção subjectiva do ambiente, será efectivamente possível falar num direito ao ambiente? Isto é, será o direito ao ambiente consagrado no art. 66º/1 da CRP um direito fundamental, configurável enquanto direito subjectivo?

III. O art. 66º/1 da CRP e o Direito ao Ambiente
Tal como refere VASCO PEREIRA DA SILVA[6], a questão perante a qual nos encontramos depende tanto de opções do legislador constituinte, como da concepção adoptada, ampla ou restrita, em matéria de posições subjectivas constitucionalmente fundadas.
Deste ponto de partida, retira de seguida o ilustre autor ter o legislador constituinte se pronunciado inequivocamente no sentido de considerar o direito ao ambiente como um direito fundamental.
De facto, parece, desde já, ser neste ponto perfeitamente admíssivel mostrar concordância com esta ideia, até porque no próprio art. 9º da CRP, relativo às tarefas fundamentais do Estado, a tutela do ambiente é mencionada duas vezes. Uma na al. e) onde parece estar salientada uma dimensão objectiva da tutela do ambiente. Outra na al. d) onde já aí surge uma referência, a par de outros direitos, a "direitos ambientais". Por fim, o próprio art. 66º/1 parece ter uma redacção inequívoca no sentido de conferir um direito.
Naquilo que, por sua vez, diz respeito à segunda variável identificada de que depende a questão em foco, trata-se de saber se estamos perante um verdadeiro direito fundamental ou perante uma tarefa estadual disfarçada.
Também aqui surge como interessante a posição assumida por VASCO PEREIRA DA SILVA, ao afirmar que os direitos fundamentais radicam num príncipio axiológico permanente e absoluto - a dignidade da pessoa humana; porém, possuem também uma história - a da sua concretização em diferentes momentos e em diferentes sociedades.
No desenvolvimento desta ideia, procede o autor a uma breve resenha histórica relativa aos direitos fundamentais, de modo a demonstrar que esses não se limitam a ser meros direitos de defesa, podendo envolver também uma dimensão positiva[7]. Em comum teriam assim estes direitos um duplo fundamento: i) axiológico, que é a dignidade da pessoa humana; ii) dogmático, resultante da evolução histórica pela qual passou a noção de direitos fundamentais, bem como o seu modo de realização pelos poderes públicos;
De seguida, procura o autor responder a nova questão: será o direito ao ambiente um direito subjectivo? Chegado a este ponto, salienta a dupla natureza dos direitos fundamentais, quer enquanto direitos subjectivos de defesa dos particulares, quer enquanto estruturas objectivas da comunidade, compreendendo aqui uma dimensão positiva.
Depois, conclui que esta dupla dimensão é comum a todos os direitos, pois aquilo que poderá apresentar variações entre eles será o predomínio ou da vertente positiva ou da vertente negativa, realçando de seguida que a ideia de que os direitos fundamentais possuem natureza de direitos subjectivos tem encontrado alguma resistência na nossa doutrina, procedendo de seguida ao avanço de diversos argumentos com o propósito de rebater essa resistência[8].
Procurando aliar a clareza à síntese, diga-se que para a resolução desta problemática o que importa em primeiro lugar é definir o que se entende por direito subjectivo, nessa medida, e considerando a noção avançada pelo autor em menção como uma noção operativa, será: uma posição substantiva de vantagem, destinada à satisfação de interesses individuais.
Ora, em última medida a pedra basilar do conceito de direito subjectivo é a posição de vantagem de um sujeito que lhe é conferida pelo ordenamento jurídico. Quanto aos direitos fundamentais, estes, em última análise, pretendem todos conferir ao particular uma determinada posição de vantagem, com um maior conteúdo negativo ou positivo, é certo, mas sempre uma posição de vantagem.
Como consequência do exposto, acredita-se estar a razão com VASCO PEREIRA DA SILVA[9] ao considerar ser preferível proceder ao tratamento unificado dessas posições substantivas de vantagem (advenientes dos direitos fundamentais) no conceito-quadro de direito subjectivo.  Ainda ancorado a esta linha de raciocínio qualifica o autor em menção o direito ao ambiente consagrado no art.66º/1 da CRP como um direito subjectivo.

IV. Ainda análise do art.66º/1 da CRP…
Contra o entendimento referido supra, vem CARLA AMADO GOMES[10] alertar para o pretenso equívoco do direito subjectivo ao ambiente, procurando proceder à desmontagem da fórmula presente no art. 66º/1 da CRP.
Nesse sentido, afirma a autora ser a fórmula do preceito constitucional em causa juridicamente inócua e axiologicamente ambígua. Esta ideia parece ganhar força quando se olha para um argumento que parece surgir como basilar para esta tomada de posição: a ideia de que a fórmula do direito ao ambiente se move em torno da pessoa e das suas necessidades, físicas, psíquicas, de bem estar sanitário e económico.
Assim, o objecto do direito ao ambiente, nas palavras da autora, enquanto reportado a uma substancialidade material  não existe: é uma ficção jurídica, constitui uma espécie de testa de ferro, inútil e perversa, de posições jurídicas perfeitamente autonomizadas como o direito à vida, à integridade física e psíquica, ao desenvolvimento da personalidade, à propriedade. A inutilidade traduzir-se-ia assim na duplicação de bases de protecção jurídica da pessoa e da sua esfera jurídica.

V. Tomada de posição
Avançados que estão os dados a favor e contra esta concepção subjectiva de tutela ambiental cumpre tentar tomar posição.
Importa desde já salientar que não se pode concordar com o argumento de que o direito ao ambiente consagrado no art.66º/1 CRP seria inútil por se traduzir numa duplicação de bases de protecção jurídica da pessoa e da sua esfera jurídica, pelo menos quando avançado sem algo mais.
O direito visa, em última instância regular situações fácticas, sendo de aplicar uma determinada norma de um ordenamento jurídico quando se verifica uma situação de facto que preenche a previsão dessa mesma norma. Por sua vez, as normas constitucionais são, em termos algo simplistas, as normas fundamentais de uma determinada comunidade política.
Assim, por exemplo, no art. 1º da CRP consagra-se a dignidade da pessoa humana. Sendo essa aí consagrada e supondo-se que não se encontrava na CRP preceito semelhante ao art.13º seria de supôr que no caso de promulgação de legislação ordinária relativa a uma determinada matéria que contivesse normas que atentassem contra o princípio da igualdade, essas mesmas normas, mesmo na ausência de um preceito semelhante ao art.13º, fosse susceptível de ser declarada incostitucional, pois, em última análise, violaria o princípio da dignidade da pessoa humana consagrado no art.1º da CRP.
Ou seja, o que com isto se pretende demonstrar é que de um preceito legal se pode retirar mais do que uma norma, tal como é o caso, por exemplo, do art. 1º da CRP. Assim sendo, crê-se que, no fundo, todos os direitos fundamentais consagrados na CRP acabam por ser densificações e concretizações dos princípios fundamentais do Estado de direito democrático consagrado no art. 1º e segs. da CRP.
O que acaba por levar a que tais direitos sejam autonomizados e edificados posteriormente num preceito legal próprio serão, no fundo, razões de clareza e segurança jurídica. Logo, aqui chegados a questão que se tem de colocar é: existem razões e alicerces suficientes para que se autonomize o direito ao ambiente?
Bom, cabe salientar, tal como se referiu logo nos primórdios deste texto, que a relevância actual da necessidade de tutela do ambiente é considerável, em nome de um ambiente ecologicamente equilibrado e de um desenvolvimento sustentável. Em adição a isso, e tal como também já se fez alusão, não se pode negar que a protecção objectiva e subjectiva do meio ambiente não são antagónicas, sendo, ao invés, muito desejável uma conciliação entre ambas.
Face ao exposto, e numa primeira vista, a leitura de que o art. 66º/1 da CRP contém um direito subjectivo ao ambiente parece ser acertada, não só em sede de interpretação literal do preceito, mas também enquanto mecanismo de potencialização da eficácia da tutela ambiental.

VI. A dificuldade de determinação do objecto do direito ao ambiente
Todavia, é necessário desbravar um pouco mais esta questão. Nomeadamente, cabe determinar o objecto do direito ao ambiente. E é justamente nesta demanda que a posição que tem por paladino VASCO PEREIRA DA SILVA esmorece, isto porque, como bem refere CARLA AMADO GOMES[11], a fórmula do direito ao ambiente move-se em torno da pessoa e das suas necessidades, físicas e psíquicas, de bem estar sanitário e económico.
Ou seja, tal como afirma CARLA AMADO GOMES, o objecto do direito ao ambiente enquanto reportado a uma substancialidade material não existe. Isto porque, quando falamos em ambiente falamos de um bem insusceptível de apropriação, o que impede assim a sua consideração como direito subjectivo.
VASCO PEREIRA DA SILVA[12] tenta rebater este argumento com base nas seguintes considerações:
i) não é o bem ambiente que é apropriável, antes se trata de considerar que tal bem pode dar origem a relações jurídicas, em que existem direitos e deveres, decorrentes da sua fruição individual.
ii) assim sendo, existiria uma protecção jurídica subjectiva ambiental, decorrente da existência de um domínio individual constitucionalmente protegido de fruição individual, que protege o seu titular de agressões ilegais provenientes de entidades públicas e privadas.
iii)   A CRP estabeleceria portanto uma posição substantiva de vantagem que seria conferida aos particulares para a realização doos seus próprios interesses e que é de configurar como um direito no âmbito da relação jurídico-pública de ambiente.
Embora persuasivos estes argumentos parecem não conseguir alcançar um ponto de importância fulcral, esse ponto é: uma delimitação autónoma ou clara do objecto do direito ao ambiente.
Neste ponto surge como relevante e altamente interessante a remissão para a jurisprudência do TEDH em casos de matéria ambiental, enquanto exemplo do raciocínio a que se pretende chegar[13]. Ora em casos como Lopez Ostra c. Espanha ou Gounaridis e outros c. Grécia, entre muitos outros casos susceptíveis de referência verificou-se uma constante: a protecção indirecta dos direitos humanos ambientais.
Tal situação revela não só que mesmo na ausência de expressa protecção subjectiva em matéria ambiental os ordenamentos jurídicos actuais oferecem modos de alcançar essa tutela por outras vias, como também que uma eventual lesão do bem ambiente que motive o particular a agir não se manifesta só como lesão do bem ambiente, mas sim, e principalmente, como uma lesão de bens jurídicos situados na esfera do lesado, como o direito à integridade física, à propriedade, entre outros.
E a parte final deste último parágrafo é onde se situa a grande questão que a posição de VASCO PEREIRA DA SILVA não responde adequadamente, isto porque se no caso do direito à vida ou direito à propriedade temos um bem jurídico a tutelar perfeitamente bem delimitado e inserido na esfera jurídica de um particular, no direito ao ambiente teríamos um direito de extensões indefinidas e isso deve-se ao facto de o bem ambiente ser insusceptível de apropriação, sendo portanto algo externo à esfera jurídica do pretenso titular do direito ao ambiente.
Assim, se por exemplo na propriedade, atendendo ao objecto conseguimos ter plena noção da extensão desse direito, no que concerne ao bem ambiente, justamente por ser esse um bem colectivo que não figura, nem pode figurar, ainda que parcelarmente, na esfera de um titular não conseguimos, atendendo ao objecto, delimitar a abragência desse direito[14].
Do exposto, parece ser de concordar com a posição de CARLA AMADO GOMES, ao afirmar ser o direito ao ambiente um direito vazio, visto que, ainda que à primeira vista se afigure útil a ideia de proteger subjectivamente o ambiente com o conferir de um direito subjectivo a um ambiente sadio e ecologicamente equilibrado aos particulares, os fundamentos de tal ideia acabam por cair por terra depois de uma análise mais profunda, uma vez que se verifica uma impossibilidade de delimitação do objecto do direito em causa, por esse incidir sobre um bem insusceptível de apropriação, não sendo assim possível determinar o quantum de pretenso aproveitamento individual do bem colectivo.
Em adição ao exposto, cumpra ainda analisar outro aspecto, tal como já foi referido, a fórmula do direito ao ambiente consagrada no art. 66º/1 move-se em redor da pessoa e das suas necessidades, ou seja, se enquanto protecção objectiva e tarefa estadual a protecção ao ambiente se afigura como um fim em si mesmo, fim esse ditado por razões de interesse público na preservação ambiental, enquanto protecção subjectiva, o direito ao ambiente não parece ser mais do que um modo de tutelar o particular contra uma particular lesão - a lesão ao meio ambiente.
Porém, para essa necessidade de tutela de um determinado particular se verificar, parece ser necessário de se denotar que essa lesão ambiental, de algum modo, afecta o particular e isso não se constata por mera observação da lesão ambiental, uma vez que o ambiente é um bem público e uma lesão que contra o mesmo seja perpetrada tem potencial para afectar toda a comunidade e não só um sujeito em particular. Assim, uma lesão ambiental suficientemente forte para levar o particular a procurar tutela afectará já direitos subjectivos pertencentes a esse particular, como o direito à integridade física ou o seu direito de propriedade.
Nessa medida, e com base na violação desses direitos o particular obteria tutela contra a lesão de que é alvo e o bem jurídico ambiente seria indirectamente tutelado. Como tal, a consagração deste direito subjectivo ao ambiente embora parece num primeiro momento útil acaba por se revelar inútil, até porque, tal como já foi referida, do modo que está concebida, esta visa tutelar directamente o particular e só indirectamente o meio ambiente, ora, tal como já se demonstrou, tal tutela indirecta do ambiente já se conseguiria com recurso aos mecanismos de defesa já existentes na ordem jurídica pelo que, como clama CARLA AMADO GOMES, estamos perante uma duplicação inútil.
Em suma, embora se reconheça um sentido nobre à ideia, não conseguimos aceitar que se fale num direito subjectivo ao ambiente, com base no art. 66º/1 da CRP, isto porque:
i) A fórmula em causa não consegue delimitar o objecto do pretenso direito ao ambiente. Ou seja, essa fórmula parece indiciar uma lógica de aproveitamento individual de um bem colectivo, porém afigura-se impossível determinar esse quantum de aproveitamento que pretensamente se atribui a cada um, pelo que a fórmula é vazia e insusceptível de preenchimento;
ii) O que o legislador constitucional parece aqui pretender em primeira linha é tutelar o particular contra lesões ambientais que o afectem. Ou seja, temos em primeiro lugar uma tutela directa ao particular contra um tipo de lesão e em segundo lugar uma protecção mediata do bem ambiente. No entanto, o particular já conseguiria essa tutela com recurso a outras posições jurídicas perfeitamente autonomizadas e a tutela ambiental indirecta pretendida também seria assim alcançada, pelo que a norma redunda, de facto, numa duplicação inútil;

VII. Ambiente e dever
As conclusões anteriores podem agora provocar alguma preplexidade. No fim de contas, admitiu-se em primeira linha que a protecção objectiva e a protecção subjectiva do meio ambiente não são ideias incompatíveis entre si, sendo até conciliáveis e desejáveis, enquanto faces distintas da mesma moeda.
Porém, foi demonstrado acreditar-se ser impossível autonomizar um objecto concreto para o pretenso direito ao ambiente, será este o negar da possibilidade de protecção subjectiva ao ambiente? Dificilmente, de facto, a única coisa que se demonstrou é que neste caso o caminho dos direitos pode afigurar-se como barrado. Todavia, parece possível e desejável empreender-se outro trilho em nome da tutela do meio ambiente e da natureza - esse trilho terá de ser aquele que se descortina da leitura da parte final do próprio art. 66º/1, o trilho dos deveres fundamentais.
Em nome deste caminho, cumpre, antes de mais, tecer algumas considerações quanto à natureza dos deveres fundamentais.
Desde logo, e nas palavras de CASALTA NABAIS[15], os deveres fundamentais pertencem à "sub-Constituição do indíviduo", isto é, fazem parte do estatuto constitucional das pessoas (a par dos direitos fundamentais). Ou seja, a Constituição não confere apenas direitos, estabelece também obrigações dos particulares, vinculando-os a determinados deveres para com a colectividade.
Sendo assim, os deveres fundamentais são deveres que a Constituição impõe aos indíviduos, exigindo-lhes o cumprimento de determinadas obrigações, em nome da utilidade que dessas advém para toda a comunidade.
Em adição a isso, e tal como realça TIAGO ANTUNES[16], estes deveres não devem ser vistos como meros limites aos direitos fundamentais, isto porque o seu alcance e as suas consequências ou implicações ultrapassam uma eficácia meramente restritiva a certos e determinados direitos.
Desta forma, quando se estabelece um dever fundamental, não se está necessariamente a restringir um direito, mas sim a consagrar uma obrigação a que os indíviduos dessa comunidade se encontram vinculados, ou seja, a prever situações jurídicas passivas desses cidadãos.
Com base nesta linha de raciocínio, vem-se a retirar deste autor uma ideia extremamente pertinente: apesar de os deveres fundamentais poderem, por vezes fundamentar a restrição de um determinado direito fundamental não é essa a sua função primordial. 
Daqui, retira-se um outro aspecto muito relevante: os direitos fundamentais surgem como autónomos, ou seja, não surgem como deveres correspectivos de direitos. São assim deveres que, de forma autónoma, vinculam todos os membros da colectividade.
A autonomia dogmática dos deveres fundamentais, reside assim na ideia de que a eles não existe um direito correspectivo, o que nos permite identificá-los como uma realidade jurídica autónoma.
Ora, é perante esta ideia de autonomia do dever, que não surge assim como correlativo de qualquer direito, que o dever fundamental surge como um conceito útil em sede de protecção subjectiva do ambiente, uma vez que se, por um lado, acredita-se, não ser possível falar-se num direito ao ambiente, por outro lado, afigura-se não só possível como também extremamente útil falar num dever autónomo de respeitar o ambiente, que não tem contraponto em qualquer direito.
Esta dimensão do dever ao ambiente permite assim englobar realidades que não são susceptíveis de ser fundamentadas num direito. Deste modo, e através desta figura, afigura-se como possível: i) conceber-se deveres de protecção para com elementos naturais que, por não terem personalidade jurídica e serem bens da colectividade nunca poderiam ser tutelados por via da atribuição de direitos; ii) é também esta dimensão do dever que permite justificar a protecção das gerações vindouras; iii) além do referido, não se pode ainda esquecer a dimensão global que a problemática do ambiente tem e se por um lado, a consagração de um direito ao ambiente seria um direito que apenas surgiria na esfera dos elementos da nossa comunidade, um dever de respeito pelo ambiente, afigura-se como apto a a proteger o ambiente a nível global, na medida em que as agressões que contra este são perpretadas num determinado ponto do mundo, podem vir a ter repercurssões num qualquer outro ponto longínquo do globo. Como tal, a tutela do ambiente deve visar atingir todo o globo;
Em suma, pode-se dizer que um dever fundamental de respeito pelo ambiente, na perspectiva do cidadão, se decomporá em: i) deveres de non facere, de respeito pela integridade ambiental; ii)deveres de facere, de adopção de comportamentos que minimizem qualquer lesão ou possibilidade de lesão ao ambiente; iii) deveres de pati, se traduzem na suportação de fiscalização por parte de orgãos administrativos competentes, bem como legitimam, justamente, a criação dessas entidades para supervisão do cumprimento das normas de tutela ambiental; iv) deveres de dare, na medida em que o incumprimento de normas de tutela ambiental se pode traduzir na aplicação de contra ordenações que deverão ser suportadas pelo responsável pela lesão.
O caminho dos deveres fundamentais parece ser assim o caminho a efectivamente seguir, na medida em que coloca realmente em primeira linha a tutela de um bem jurídico plenamente delimitado - o ambiente[17]. E, se por um lado, não parece possível falar-se num direito subjectivo ao ambiente, por impossibilidade de determinação do seu objecto, por outro lado, parece absolutamente configurável a existência de um dever fundamental de respeito pelo ambiente que vincula cada um na comunidade.

VIII. Ambiente e direitos
De qualquer forma, o art. 66º/1 da CRP parece ter uma determinada dimensão pretensiva que não deve ser descurada. Assim, e novamente em concordância com CARLA AMADO GOMES[18] e recorrendo às suas palavras, por direito ao ambiente deve ser entendido tratar-se de uma síntese de posições procedimentais e processuais instrumentais à gestão democrática dos bens ambientais.
Assim sendo, aquilo que os particulares parecem ter a possibilidade de exigir será a possibilidade de aceder a informações referentes a questões ambientais, de participar em procedimentos autorizativos ambientais e de propor acções judiciais com vista à salvaguarda de bens ambientais.
Ou seja, existe um interesse de facto na fruição de um bem colectivo que é o meio ambiente e daí resulta status activus processuallis, derivado da necessidade de um esforço solidário no sentido da preservação dos bens ambientais e em consonância com o dever fundamental de respeito pelo ambiente que vincula cada um.

IX. Conclusões
Chegamos agora ao momento de encetar uma nota conclusiva sobre tudo o que foi exposto.
Assim, cumpre desde já salientar a importância de uma protecção do ambiente quer objectiva, quer subjectiva, sendo que essas dimensões não são incompatíveis entre si, devendo, portanto, tentar proceder-se à densificação e delimitação de ambas, enquanto faces distintas da mesma moeda, de modo a só assim se conseguir alcançar a potencialização máxima da tutela ambiental.
Chegados a este ponto, e já no que concerne à protecção subjectiva do ambiente, o problema com que nos deparamos é, essencialmente, um problema metedológico e um equívoco funcional. Isto porque, não se duvida de que o fim que se pretendia alcançar pelo pretenso direito subjectivo ao ambiente consagrado na primeira parte do art 66º/1 seja o da tutela do meio ambiente, no entanto, este método de tutela acaba por se revelar vazio.
Esse vazio resulta do facto de, tal como foi exposto, se afigurar impossível delimitar o objecto do direito ao ambiente, isto porque o ambiente é, em última análise, um bem da colectividade e, portanto, mesmo tentando construir uma relação individual de fruição sobre esse, que justificaria esse direito subjectivo, acaba-se por chegar a um ponto em que não se consegue definir quando começa e quando acaba essa relação individual de fruição.
Tal situação deve-se ao facto de o bem ambiente ser externo à esfera jurídica do eventual titular dessa relação individual e, portanto, seria sempre necessário um elemento situado no interior da esfera jurídica desse sujeito para verificar que existiu uma lesão ao seu direito subjectivo ao ambiente.
Ora, tal como já foi por enésimas vezes salientado, o bem ambiente é insusceptível de apropriação, logo o que pode denotar a violação de um indensificável conceito de relação de fruição individual seria sempre um direito já existente na esfera do titular desse pretenso direito ao ambiente, como o direito de propriedade, o direito à integridade física, entre outros.
Logo, o direito ao ambiente acabaria por se converter numa duplicação inútil da protecção já conferida ao seu titular por outras posições jurídicas perfeitamente autonomizadas.
Tudo isto resulta de um problema de base: é que o art. 66º/1 da CRP, a ser entendido como conferidor de um direito ao ambiente ao seu titular teria por escopo directo a protecção da pessoa, enquanto que a o ambiente apenas seria tutelado indirectamente.
No entanto, tal protecção indirecta, decorreria já de outras posições jurídicas autónomas, tal como bem o revela muita jurisprudência do TEDH, o que só nos vai levar a realçar, já em termos tão repetitivos que em muito prejudicam a leveza e concisidade deste texto, que a fórmula do direito ao ambiente é vazia e de autonomização impossível face a outras posições jurídicas.
Todavia, isto não nos pode levar a descurar essa protecção subjectiva ao ambiente que tem, efectivamente de existir, há assim que procurar novos caminhos.
Chegados a este ponto, o único caminho configurável é o de valorizar a parte final do art. 66º/1 da CRP, que nos remete para o campo do dever fundamental de respeito ao ambiente. Nesta sede, o dever surge-nos como um instrumento autónomo, não correlativo de qualquer direito, que vincula cada elemento da colectividade e permite assim optimizar a protecção ambiental, construindo-a não só como tarefa estadual, mas também como tarefa de cada um de nós enquanto cidadão.
Porém, e por último, não se deve descurar que o art. 66º/1 da CRP continua a ter uma dimensão pretensiva, consistindo essa dimensão pretensiva numa síntese de posições procedimentais e processuais intrumentais à gestão democrática dos bens ambientais, como refere CARLA AMADO GOMES, consistindo num verdadeiro status actives processuallis.
Assim, crê-se ser a figura do dever fundamental, e não a do direito subjectivo ao ambiente, a base em torno da qual se deve construir a protecção subjectiva do ambiente, retirando-se do art. 66º/1 uma dimensão pretensiva acessória de natureza procedimental e processual em nome da eficácia da defesa do ambiente e enquanto complemento necessário à ideia de dever fundamental de respeito pelo ambiente, de modo a tornar essa defesa não só numa tarefa estadual, mas numa verdadeira tarefa de todos nós.
Se tal leitura não resulta, num primeiro momento, como clara da Constituição, parece ser susceptível de afirmação que tal facto deve-se, como nota CASALTA NABAIS[19], a uma certa tendência para repudiar e ignorar os deveres, por muitas vezes estes terem sido empregues para pretextos mais perversos, o que os levou a ser encarados com desconfiança. Tal cenário e contexto histórico, não é de resto estranho à conjectura sobre a qual foi redigida a Constituição de 76.
Porém, e tal como salienta TIAGO ANTUNES[20], chega o momento de "abrir uma nova era, onde os deveres deixem de ser ignorados e repudiados, passando, pelo contrário, a ser vistos como um instrumento eficaz e útil aliado dos direitos na luta por uma protecção acrescida de determinados valores comunitários (maxime do ambiente). "



[1] Vide, Vasco Pereira da Silva, pág. 17 e seg., Verde Cor do Direito, Almedina, 2005
[2] Ex vi, Vasco Pereira da Silva, pág. 18, ob. Cit.
[3] Neste sentido, Vasco Pereira da Silva, pág. 90, ob. Cit.
[4] Como por exemplo, a criação de legislação de protecção ao ambiente, impondo regras de conduta aptas a reduzir os riscos de poluição ambiental, por parte de entidades que desenvolvem actividades lesivas para o ambiente, ou criando parques naturais e áreas protegidas.
[5] Podendo assim, a título de exemplo, o particular, com fundamento no seu direito ao ambiente, demandar uma entidade que, com a sua actividade, cause danos ambientais graves, afectando assim o seu direito ao ambiente. No entanto, perante um caso desta natureza há que ter sempre as maiores cautelas, umas vez que não se pode esquecer que o responsável por esses danos está a exercer o seu direito de livre iniciativa económica e de autonomia privada, estando-se assim perante uma colisão de direitos que terá sempre se ser ponderada ao abrigo do príncipio da proporcionalidade, constitucionalmente consagrado, e sob o seu crivo de necessidade, adequação e razoabilidade, neste sentido, Gomes Canotilho, Canotilho, Actos autorizativos jurídico-públicos e responsabilidade por danos ambientais.
[6] Vasco Pereira da Silva, p. 84 e seg., ob. Cit.
[7] Notando-se essa vertente positiva, principalmente com a segunda geração de direitos fundamentais, onde muitos dos direitos fundamentais adquiridos com o Estado Social se traduzem, essencialmente, em direitos a uma prestação do Estado, sendo bem menor aí a tradicional vertente negativa apontada aos direitos fundamentais, enquanto direitos de defesa.
[8] Vasco Pereira da Silva, p. 91 e seg., ob. Cit.
[9] Vasco Pereira da Silva, p. 98, Ob. Cit.
[10] Carla Amado Gomes, Introdução ao Direito do Ambiente, pág. 31 e seg. e Risco e modificação do acto autorizativo concretizador de deveres de protecção do ambiente, Dissertação de Doutoramento, 2006, p. 111 e seg.
[11]Carla Amado Gomes, Introdução ao Direito do Ambiente, p. 32
[12] Vasco Pereira da Silva, ob. Cit., p. 95
[13] Susana Almeida, A protecção dos direitos humanos ambientais na jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, in Temas de Direito do Ambiente, n. 6, 2011
[14] Por exemplo, imagine-se alguém que em viagem, subitamente, se depara com uma fábrica de madeiras, perfeitamente legalizada, mas que implicou o abate de árvores zona de floresta circundante, de modo a desenvolver a sua actividade. Poderá falar-se aqui de uma relação individual de fruição, decorrente de um direito subjectivo ao ambiente, afectada? O preenchimento de um eventual direito ao ambiente parece assim extretamente difícil de se efectuar.
[15] Casalta Nabais, O dever fundamental de pagar impostos, Coimbra, 1998
[16] Tiago Antunes, Ambiente, um direito mas também um dever, Estudos em memória do Professor António Marques dos Santos, II, Almedina, 2005, p. 648 e seg.
[17] Que, em entendimento pessoal, deve ser entendido em sentido amplo, de forma a potencializar não só a tutela ambiental, como também a justificar ainda mais a autonomização deste ramo jurídico, procurando-se assim a edificação de uma dogmática própria e coerente.
[18] Carla Amado Gomes, Introdução ao Direito do Ambiente, p. 34 e seg.
[19] Casalta Nabais, ob. Cit.
[20] Tiago Antunes, ob. Cit. 

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