Princípio
do Poluidor - Pagador
Comecemos por fazer uma
brevíssima exposição acerca da “vida” do Princípio do Poluidor – Pagador (PPP).
Podemos dizer que desde que a Vida existe (mesmo que, não a vida humana como a
conhecemos hoje em dia), ou seja, desde a Pré-História, nunca se verificou
qualquer preocupação com o ambiente, seja no âmbito da sua proteção, defesa,
melhoria, ou outros. Esta “normalidade” verificou-se até aos inícios do séc.
XVIII, com a Revolução Industrial, altura em que com os desenvolvimentos
económicos, comerciais, industriais permitiram uma maior utilização de recursos
naturais, implementação de manufaturas (pelo menos inicialmente), de
maquinofaturas, e mais tarde de grandes fábricas industriais[1].
Posto este panorama,
conseguimos delimitar bem os períodos em que havia abundância de recursos
naturais, qualidade do ambiente (seja a nível do ar, água, qualidade de vida ou
outros), dos períodos em que, com o boom
do aproveitamento dos recursos, se levam a exaustão dos mesmos, deixando de ser
apenas a uma escala de subsistência, que se considera sustentável, para uma
escala insustentável.
Quando no séc. XX, se
passou a verificar uma maior atenção, acerca das matérias ambientais, seja
também pela ajuda dos desenvolvimentos tecnológicos e científicos que
permitiram uma melhor perceção, acerca da não inesgotabilidade dos recursos e
da rápida degradação do meio ambiente, no que toca por exemplo a manutenção dos
lençóis freáticos limpos (derivado às chuvas ácidas consequência da poluição
produzida pelas fábricas), qualidade do ar aceitável (pelo menos para o ser humano),
e manutenção e preservação da fauna (como a degradação dos corais e animais
marinhos[2]) e
da flora (com as desflorestações ou ainda o depósito de resíduos tóxicos nas
mesmas[3]).
Desta perspetiva
alarmante, tem-se desde o início dos anos 70 vindo a despertar para esta
situação, o que muitos consideram coincidir com as manifestações do Maio de 68[4],
estabelecendo-se assim a introdução da ideia de que quem polui deve pagar, pelo
menos nos vocabulários económicos, jurídicos, científicos e tecnológicos.
Com o desenrolar normal
do tempo, e já num plano comunitário, surgem inúmeras referências a este
princípio, nomeadamente em Recomendações, Programas, Resoluções e nos próprios
projetos e Tratados da União Europeia[5][6].
Por terras lusitanas, já na Constituição de 1974[7] e
mais tarde com a Lei de Bases do Ambiente se tratou de incluir este princípio
no nosso ordenamento jurídico[8].
Feita esta rápida
visita guiada pelo início de vida do PPP, cabe agora defini-lo e tentar
explicitar sobre o que trata.
Este princípio trata,
essencialmente, de obrigar a pessoa
que polui (o agente poluidor, em linguagem técnica) a pagar os custos da
reparação do(s) dano(s) por ele causado(s) ou a causar ao meio ambiente. Esta
forma de imputar a quem polui o meio ambiente nas mais diversas maneiras, leva
a que esses agentes, numa ideia preventiva (querendo-se com isto dizer numa
perspetiva anterior ou a priori do
dano que possa eventualmente gerar responsabilidade civil[9])
originem os seus produtos, desde o seu início, com o menor impacto possível
para o ambiente.
Há no âmbito de outros ordenamentos jurídicos europeus outros conceitos
idênticos ao PPP (em português), nomeadamente o princípio da causalidade (em
alemão), princípio de que quem contamina paga (em espanhol), princípio de que o
poluidor deveria pagar (em inglês)[10].
A ideia que se pretende passar, apesar dos diferentes idiomas é, quem produz e
contamina o meio ambiente deve pagar, ou mais sucintamente, quem polui suporta
os seus custos. A consequência que se retira deste princípio é a de que o
pagamento desses custos, opera de modo automático[11].
Analisando agora o conteúdo do PPP, vamos dividi-lo em 3 partes[12]
para uma melhor compreensão, designadamente em:
1.
Quem paga;
2.
O que paga;
3. Como paga.
Neste primeiro ponto, o que se quer saber é quem
é o verdadeiro poluidor. Há contudo pequenos problemas de determinação do
sujeito passivo, quando a poluição acontece durante o processo produtivo. Num
primeiro impacto com este tema parece óbvio que o poluidor seria sempre o
produtor, contudo pode acontecer não ser sempre assim. Cabe aqui definir que o
poluidor para este efeito será “quem degradar direta e indiretamente o ambiente
ou cria condições que levam à sua degradação”[13].
Baseando-se em dois juízos para a imputação de custos, o primeiro da eficiência
económica e administrativa da imputação dos custos; e a segunda, o da
capacidade da internalização dos custos pelos visados. Pretendendo-se assim
atribuir os custos da poluição a quem seja mais fácil de fiscalizar neste caso
os produtores, na tentativa de cooperar para um ambiente mais sustentável.
Como proceder caso se verifiquem situações em que há efetivamente dois
poluidores? Aqui quem deve pagar é o sujeito que tem o poder de criar e controlar
as condições em que a poluição é feita[14].
Uma outra situação com dois poluidores é a do bem cujo consumo é poluente. Aqui
conclui-se de igual modo que deve ser quem cria e controla a produção, pois é
nesta fase do processo produtivo que se situa o “conhecimento técnico e
científico” para melhor produzir e o seu processo estar em consonância com o
baixo impacto ambiental.
No segundo ponto, saber o que paga ou que custos deve o sujeito passivo
suportar, muito sucintamente conclui-se que deve suportar os custos que forem
necessários à reparação dos danos causados. Devendo os mesmos ser proporcionais
à prevenção e precaução da poluição. Nas mais diversas bases de direito da EU,
conclui-se que o poluidor pagará medidas de prevenção e controlo de poluição;
eliminação de fatores nocivos e despesas de prevenção; despesas
administrativas; custos de eliminação de danos residuais…
O que em síntese deve estar abrangido, são os custos diretos
(nomeadamente com medidas de prevenção e precaução da poluição, seja pelo
cumprimento de normas jurídicas quer não) e os custos indiretos (aqui
incluem-se os custos administrativos que incidam sobre desenvolvimento de
politicas de ambiente e as despesas públicas de proteção do ambiente, por
exemplo, contrapartidas financeiras ao Estado).
Por fim, a ultima parte da divisão referida acima, que se debruça sobre
como paga o poluidor esses custos ou através de que meios se alcançam o PPP. Na
sua essência esta matéria divide-se em duas.
A primeira é a de criação de normas, de qualidade do ambiente (consagrem
em si vias coercivas para respeito dos graus de poluição); de produtos (por
exemplo a especificação das propriedades ou características de concebimento dum
produto); de instalações fixas (normas de procedimento que tratam das matérias
da emissão, conceção e/ou construção e exploração). Designa-se comummente de
regulação direta através de imposições legais ou administrativas aos
poluidores.
A segunda é a imposição de taxas[15].
Pois visam persuadir o poluidor a tomar por si mesmo, as medidas indispensáveis
à redução da poluição que produz (incentivo) e assumir o seu quinhão das
despesas das medidas coletivas (redistribuição). Este tipo de instrumento de
cariz económico inclui os impostos (designados por tributos ecológicos, ou seja
são prestações pecuniárias, unilaterais, definitivas e coativas, cujo facto
tributário é a poluição passada, atual e eventualmente futura).
Analisado o conteúdo do PPP, coloca-se agora a problemática da
repercussão[16] [17]
interna/internalização e repercussão externa/externalização. Neste ponto o que
se trata e de descortinar que o sujeito passivo a quem é imposta a obrigação de
“pagar” os custos da poluição, não combina com quem efetivamente o paga
(normalmente, o contribuinte).
Ou seja na externalização o que se faz é impor a terceiros os custos da
poluição destituída da sua decisão. Verificando-se esta situação nos casos em
que os poluidores são por exemplo os produtores em geral, consistindo na
transferência dos custos da sua poluição para os clientes, incluindo-os na
despesa final a pagar. Já a repercussão interna ou internalização consiste
dentro da própria unidade produtiva “empurrar” os custos da poluição para por
exemplo nas remunerações dos trabalhadores, redução do número de trabalhadores
ou aumento das horas de trabalho. Faz-se dentro da unidade económica certos
cálculos matemático-económicos para serem tidos em conta os prejuízos provocados
à sociedade em geral.
Em suma, o PPP define-se pela ideia de que quem produz ou contamina o
ambiente deve pagar por isso, distinguindo-se assim do Princípio da
Responsabilidade Civil[18]
por danos ambientais. Esta comparação tem cabimento uma vez que o PPP serve
para numa perspetiva preventiva impedir a poluição do meio ambiente, enquanto o
Princípio da Responsabilidade serve para indemnizar ou suprir danos que surgem a posteriori. Este último repara
eventuais danos nas vítimas já o PPP está vocacionado para a precaução,
prevenção e redistribuição dos custos da poluição. Não significando com isso
que com a existência do PPP se exclua o Princípio da Responsabilidade Civil,
muito pelo contrário, a responsabilidade permanece, caso se verifique um facto
culposo que viole um direito subjetivo ou normas que visem a proteção de
interesses alheios é obrigado a indemnizar o lesado[19].
Bibliografia
Aragão, Maria Alexandra de Sousa – Boletim da Faculdade de Direito da
Universidade de Coimbra, O Princípio do Poluidor Pagador Pedra Angular da
Política Comunitária do Ambiente – Coimbra Editora 1997;
Silva, Isabel Marques da – Estudos de Direito do Ambiente de Mário Melo
Rocha – Coleção Actas Publicações Universidade Católica do Porto 2003 (VI –
Princípio do Poluidor-Pagador);
Gomes Canotilho, José Joaquim (coordenação)
Santos, Cláudia Maria Cruz; Figueiredo Dias, José Eduardo de Oliveira; Aragão,
Maria Alexandra de Sousa (colaboradores) – Introdução ao Direito do Ambiente – Universidade Aberta
1998
Bruno Ventura Costa
Nº 17207 – Subturma7
[1] Maria
Alexandra de Sousa Aragão, Boletim da FDUC – 1997.
[2] Exemplos
disso são os acidentes do Prestige em
2002, com derrame do crude que transportava, ao largo da costa Galega; e o
acidente com a explosão da plataforma Deepwater
Horizon em 2010, no Golfo do México.
[3]
Exemplo-escola é o que se verifica na Floresta Amazónica, e mais recentemente
como níveis ainda mais preocupantes. Problema acrescido neste caso é o facto de
existirem na mesma populações indígenas, que não se têm vindo a proteger e
muito menos a ter em conta, no desenvolvimento económico global.
[4] Isabel
Marques da Silva, Estudos de Direito do Ambiente, “O princípio do poluidor –
pagador” - 2003, pág. 102.
[5]
Recomendações de 1974 e 1975 do Conselho; Programas da UE de 1972, 1977, 1983,
1987, 1993 e 2010; Projeto do Tratado da EU de 1984; Ato Único Europeu de 1986;
Tratado da EU de 1992 e depois da reforma em 2007; Resoluções do Parlamento
Europeu de 1983 e mais recentemente de 2008
[6] Maria
Aragão, Boletim FDUC – 1997, pág. 147 e ss.
[7] Pelo
menos abstratamente. Posição doutrinária defendida do Prof. Doutor Vasco
Pereira da Silva.
[8] Artigos
66º, nº 2 e 4 e 3º respetivamente.
[9] Apesar
do PPP se encontrar num plano anterior à responsabilidade, não implica que se
exclua este último.
[10] Maria
Aragão, Boletim FDUC – 1997, pág. 130 e ss.
[11] Aqui a
ideia da causalidade do ordenamento jurídico alemão ilustra de um modo bastante
elucidativo que quem é o causador da poluição, se deve chegar à frente e pagar
pela mesma.
[12] Isabel
da Silva, Estudos do Direito do Ambiente “O princípio do poluidor-pagador” – 2003,
pág. 111.
[13]
Comunicação anexa à Recomendação do Conselho 74/436, de 3 de Março de 1975
[14] Maria
Aragão, Boletim FDUC – 1997, pág. 140 e ss.
[15] Em
sentido técnico-jurídico, uma vez que têm funções de incentivo e de
redistribuição
[16] Maria
Aragão, Boletim FDUC – 1997, pág. 185 e ss.
[17] José
Joaquim Gomes Canotilho, Introdução ao Direito do Ambiente – 1998, pág. 53.
[18] José
Joaquim Gomes Canotilho, Introdução ao Direito do Ambiente – 1998, pág. 50 e
ss.
[19]
Responsabilidade Civil por Facto Ilícito e ainda a Responsabilidade pelo Risco,
que se caracteriza por não necessitar do requisito da culpa.
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