terça-feira, 26 de março de 2013

Princípio do Poluidor - Pagador


Princípio do Poluidor - Pagador

Comecemos por fazer uma brevíssima exposição acerca da “vida” do Princípio do Poluidor – Pagador (PPP). Podemos dizer que desde que a Vida existe (mesmo que, não a vida humana como a conhecemos hoje em dia), ou seja, desde a Pré-História, nunca se verificou qualquer preocupação com o ambiente, seja no âmbito da sua proteção, defesa, melhoria, ou outros. Esta “normalidade” verificou-se até aos inícios do séc. XVIII, com a Revolução Industrial, altura em que com os desenvolvimentos económicos, comerciais, industriais permitiram uma maior utilização de recursos naturais, implementação de manufaturas (pelo menos inicialmente), de maquinofaturas, e mais tarde de grandes fábricas industriais[1].
Posto este panorama, conseguimos delimitar bem os períodos em que havia abundância de recursos naturais, qualidade do ambiente (seja a nível do ar, água, qualidade de vida ou outros), dos períodos em que, com o boom do aproveitamento dos recursos, se levam a exaustão dos mesmos, deixando de ser apenas a uma escala de subsistência, que se considera sustentável, para uma escala insustentável.
Quando no séc. XX, se passou a verificar uma maior atenção, acerca das matérias ambientais, seja também pela ajuda dos desenvolvimentos tecnológicos e científicos que permitiram uma melhor perceção, acerca da não inesgotabilidade dos recursos e da rápida degradação do meio ambiente, no que toca por exemplo a manutenção dos lençóis freáticos limpos (derivado às chuvas ácidas consequência da poluição produzida pelas fábricas), qualidade do ar aceitável (pelo menos para o ser humano), e manutenção e preservação da fauna (como a degradação dos corais e animais marinhos[2]) e da flora (com as desflorestações ou ainda o depósito de resíduos tóxicos nas mesmas[3]).
Desta perspetiva alarmante, tem-se desde o início dos anos 70 vindo a despertar para esta situação, o que muitos consideram coincidir com as manifestações do Maio de 68[4], estabelecendo-se assim a introdução da ideia de que quem polui deve pagar, pelo menos nos vocabulários económicos, jurídicos, científicos e tecnológicos.
Com o desenrolar normal do tempo, e já num plano comunitário, surgem inúmeras referências a este princípio, nomeadamente em Recomendações, Programas, Resoluções e nos próprios projetos e Tratados da União Europeia[5][6]. Por terras lusitanas, já na Constituição de 1974[7] e mais tarde com a Lei de Bases do Ambiente se tratou de incluir este princípio no nosso ordenamento jurídico[8].

Feita esta rápida visita guiada pelo início de vida do PPP, cabe agora defini-lo e tentar explicitar sobre o que trata.
Este princípio trata, essencialmente, de obrigar a pessoa que polui (o agente poluidor, em linguagem técnica) a pagar os custos da reparação do(s) dano(s) por ele causado(s) ou a causar ao meio ambiente. Esta forma de imputar a quem polui o meio ambiente nas mais diversas maneiras, leva a que esses agentes, numa ideia preventiva (querendo-se com isto dizer numa perspetiva anterior ou a priori do dano que possa eventualmente gerar responsabilidade civil[9]) originem os seus produtos, desde o seu início, com o menor impacto possível para o ambiente.
Há no âmbito de outros ordenamentos jurídicos europeus outros conceitos idênticos ao PPP (em português), nomeadamente o princípio da causalidade (em alemão), princípio de que quem contamina paga (em espanhol), princípio de que o poluidor deveria pagar (em inglês)[10]. A ideia que se pretende passar, apesar dos diferentes idiomas é, quem produz e contamina o meio ambiente deve pagar, ou mais sucintamente, quem polui suporta os seus custos. A consequência que se retira deste princípio é a de que o pagamento desses custos, opera de modo automático[11].
Analisando agora o conteúdo do PPP, vamos dividi-lo em 3 partes[12] para uma melhor compreensão, designadamente em:
1.      Quem paga;
2.      O que paga;
3.      Como paga.
Neste primeiro ponto, o que se quer saber é quem é o verdadeiro poluidor. Há contudo pequenos problemas de determinação do sujeito passivo, quando a poluição acontece durante o processo produtivo. Num primeiro impacto com este tema parece óbvio que o poluidor seria sempre o produtor, contudo pode acontecer não ser sempre assim. Cabe aqui definir que o poluidor para este efeito será “quem degradar direta e indiretamente o ambiente ou cria condições que levam à sua degradação”[13]. Baseando-se em dois juízos para a imputação de custos, o primeiro da eficiência económica e administrativa da imputação dos custos; e a segunda, o da capacidade da internalização dos custos pelos visados. Pretendendo-se assim atribuir os custos da poluição a quem seja mais fácil de fiscalizar neste caso os produtores, na tentativa de cooperar para um ambiente mais sustentável.
Como proceder caso se verifiquem situações em que há efetivamente dois poluidores? Aqui quem deve pagar é o sujeito que tem o poder de criar e controlar as condições em que a poluição é feita[14]. Uma outra situação com dois poluidores é a do bem cujo consumo é poluente. Aqui conclui-se de igual modo que deve ser quem cria e controla a produção, pois é nesta fase do processo produtivo que se situa o “conhecimento técnico e científico” para melhor produzir e o seu processo estar em consonância com o baixo impacto ambiental.
No segundo ponto, saber o que paga ou que custos deve o sujeito passivo suportar, muito sucintamente conclui-se que deve suportar os custos que forem necessários à reparação dos danos causados. Devendo os mesmos ser proporcionais à prevenção e precaução da poluição. Nas mais diversas bases de direito da EU, conclui-se que o poluidor pagará medidas de prevenção e controlo de poluição; eliminação de fatores nocivos e despesas de prevenção; despesas administrativas; custos de eliminação de danos residuais…
O que em síntese deve estar abrangido, são os custos diretos (nomeadamente com medidas de prevenção e precaução da poluição, seja pelo cumprimento de normas jurídicas quer não) e os custos indiretos (aqui incluem-se os custos administrativos que incidam sobre desenvolvimento de politicas de ambiente e as despesas públicas de proteção do ambiente, por exemplo, contrapartidas financeiras ao Estado).
Por fim, a ultima parte da divisão referida acima, que se debruça sobre como paga o poluidor esses custos ou através de que meios se alcançam o PPP. Na sua essência esta matéria divide-se em duas.
A primeira é a de criação de normas, de qualidade do ambiente (consagrem em si vias coercivas para respeito dos graus de poluição); de produtos (por exemplo a especificação das propriedades ou características de concebimento dum produto); de instalações fixas (normas de procedimento que tratam das matérias da emissão, conceção e/ou construção e exploração). Designa-se comummente de regulação direta através de imposições legais ou administrativas aos poluidores.
A segunda é a imposição de taxas[15]. Pois visam persuadir o poluidor a tomar por si mesmo, as medidas indispensáveis à redução da poluição que produz (incentivo) e assumir o seu quinhão das despesas das medidas coletivas (redistribuição). Este tipo de instrumento de cariz económico inclui os impostos (designados por tributos ecológicos, ou seja são prestações pecuniárias, unilaterais, definitivas e coativas, cujo facto tributário é a poluição passada, atual e eventualmente futura).
Analisado o conteúdo do PPP, coloca-se agora a problemática da repercussão[16] [17] interna/internalização e repercussão externa/externalização. Neste ponto o que se trata e de descortinar que o sujeito passivo a quem é imposta a obrigação de “pagar” os custos da poluição, não combina com quem efetivamente o paga (normalmente, o contribuinte).
Ou seja na externalização o que se faz é impor a terceiros os custos da poluição destituída da sua decisão. Verificando-se esta situação nos casos em que os poluidores são por exemplo os produtores em geral, consistindo na transferência dos custos da sua poluição para os clientes, incluindo-os na despesa final a pagar. Já a repercussão interna ou internalização consiste dentro da própria unidade produtiva “empurrar” os custos da poluição para por exemplo nas remunerações dos trabalhadores, redução do número de trabalhadores ou aumento das horas de trabalho. Faz-se dentro da unidade económica certos cálculos matemático-económicos para serem tidos em conta os prejuízos provocados à sociedade em geral.

Em suma, o PPP define-se pela ideia de que quem produz ou contamina o ambiente deve pagar por isso, distinguindo-se assim do Princípio da Responsabilidade Civil[18] por danos ambientais. Esta comparação tem cabimento uma vez que o PPP serve para numa perspetiva preventiva impedir a poluição do meio ambiente, enquanto o Princípio da Responsabilidade serve para indemnizar ou suprir danos que surgem a posteriori. Este último repara eventuais danos nas vítimas já o PPP está vocacionado para a precaução, prevenção e redistribuição dos custos da poluição. Não significando com isso que com a existência do PPP se exclua o Princípio da Responsabilidade Civil, muito pelo contrário, a responsabilidade permanece, caso se verifique um facto culposo que viole um direito subjetivo ou normas que visem a proteção de interesses alheios é obrigado a indemnizar o lesado[19].


Bibliografia
Aragão, Maria Alexandra de Sousa – Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, O Princípio do Poluidor Pagador Pedra Angular da Política Comunitária do Ambiente – Coimbra Editora 1997;
Silva, Isabel Marques da – Estudos de Direito do Ambiente de Mário Melo Rocha – Coleção Actas Publicações Universidade Católica do Porto 2003 (VI – Princípio do Poluidor-Pagador);
Gomes Canotilho, José Joaquim (coordenação) Santos, Cláudia Maria Cruz; Figueiredo Dias, José Eduardo de Oliveira; Aragão, Maria Alexandra de Sousa (colaboradores) – Introdução ao Direito do Ambiente – Universidade Aberta 1998



Bruno Ventura Costa
Nº 17207 – Subturma7


[1] Maria Alexandra de Sousa Aragão, Boletim da FDUC – 1997.
[2] Exemplos disso são os acidentes do Prestige em 2002, com derrame do crude que transportava, ao largo da costa Galega; e o acidente com a explosão da plataforma Deepwater Horizon em 2010, no Golfo do México.
[3] Exemplo-escola é o que se verifica na Floresta Amazónica, e mais recentemente como níveis ainda mais preocupantes. Problema acrescido neste caso é o facto de existirem na mesma populações indígenas, que não se têm vindo a proteger e muito menos a ter em conta, no desenvolvimento económico global.
[4] Isabel Marques da Silva, Estudos de Direito do Ambiente, “O princípio do poluidor – pagador” - 2003, pág. 102.
[5] Recomendações de 1974 e 1975 do Conselho; Programas da UE de 1972, 1977, 1983, 1987, 1993 e 2010; Projeto do Tratado da EU de 1984; Ato Único Europeu de 1986; Tratado da EU de 1992 e depois da reforma em 2007; Resoluções do Parlamento Europeu de 1983 e mais recentemente de 2008
[6] Maria Aragão, Boletim FDUC – 1997, pág. 147 e ss.
[7] Pelo menos abstratamente. Posição doutrinária defendida do Prof. Doutor Vasco Pereira da Silva.
[8] Artigos 66º, nº 2 e 4 e 3º respetivamente.
[9] Apesar do PPP se encontrar num plano anterior à responsabilidade, não implica que se exclua este último.
[10] Maria Aragão, Boletim FDUC – 1997, pág. 130 e ss.
[11] Aqui a ideia da causalidade do ordenamento jurídico alemão ilustra de um modo bastante elucidativo que quem é o causador da poluição, se deve chegar à frente e pagar pela mesma.
[12] Isabel da Silva, Estudos do Direito do Ambiente “O princípio do poluidor-pagador” – 2003, pág. 111.
[13] Comunicação anexa à Recomendação do Conselho 74/436, de 3 de Março de 1975
[14] Maria Aragão, Boletim FDUC – 1997, pág. 140 e ss.
[15] Em sentido técnico-jurídico, uma vez que têm funções de incentivo e de redistribuição
[16] Maria Aragão, Boletim FDUC – 1997, pág. 185 e ss.
[17] José Joaquim Gomes Canotilho, Introdução ao Direito do Ambiente – 1998, pág. 53.
[18] José Joaquim Gomes Canotilho, Introdução ao Direito do Ambiente – 1998, pág. 50 e ss.
[19] Responsabilidade Civil por Facto Ilícito e ainda a Responsabilidade pelo Risco, que se caracteriza por não necessitar do requisito da culpa.

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