domingo, 31 de março de 2013

O Princípio da Prevenção e o Princípio da Precaução


A nossa constituição procurou responder a questões ambientais numa dupla perspectiva, objectivamente porquanto tarefa estadual (art 9º d) e e)) e subjectivamente como sendo um direito fundamental (art 66º). Dai se pode afirmar que a tutela ambiental integra não só uma constituição em sentido material como uma constituição em sentido formal. 
Dois dos princípios ambientais são o princípio da prevenção e o principio da precaução. Neste texto cabe distinguir um de outro, enunciando características próprias de cada um e apresentando a posição particular do professor Vasco Pereira da Silva relativamente a esta questão. 

O principio da prevenção: 

Para o professor José Gomes Canotilho, o principio da prevenção " é especialmente importante na protecção do ambiente pois é uma regra de mero bom senso aquela que determina que, em vez de contabilizar os danos e tentar repará-los, se tente sobretudo evitar a ocorrência de danos, antes de eles terem acontecido". Já para a professora Carla Amado Gomes " o principio da prevenção traduz-se em que, na eminência de uma actuação humana, a qual comprovadamente lesará, de forma grave e irreversível, bens ambientais, essa intervenção deve ser travada".
O professor Vasco Pereira da Silva considera que o principio da prevenção " tem como finalidade evitar lesões do meio-ambiente, o que implica capacidade de antecipação das situações potencialmente perigosas de origem natural ou humana, capaz de por em risco os componentes ambientais, de modo a permitir a adopção dos meios mais adequados para afastar a sua verificação ou minorar as suas consequências"
No fundo trata-se aqui de uma lógica de " mais vale prevenir do que remediar" isto porque muitas vezes os danos ambientais causados ou são impossíveis de remover ( como por exemplo a extinção de uma espécie animal), ou quando mesmo sendo materialmente possível a reparação do dano essa reparação se configura de tal modo onerosa que não é possível exigir ao poluidor a reparação do dano ( o exemplo de uma maré negra). Também faz sentido de uma perspectiva económica prevenir um dano em vez de repará-lo: a reparação torna-se sempre mais dispendiosa do que a prevenção. 
O princípio da prevenção encontra-se presente na adopção de medidas legislativas que são tomadas antes da ocorrência de um dano cuja origem é conhecida e que permite de futuro não virem a ocorrer danos ambientais já anteriormente verificados.
Assim, encontramos legislação preventiva ambiental não só a nível nacional, como por exemplo o Dec Lei 47/94 de 22 de Fevereiro relativamente à utilização do domínio público hídrico que obriga ao pagamento de uma taxa para o consumo de água, o que implica uma redução do seu consumo. O Dec Lei 186/90 de 6 de Junho do qual decorre que a avaliação de impacte ambiental é por excelência o instrumento preventivo de direito do ambiente. 
Também e principalmente, a nossa constituição no seu artigo 66º/2 a) aponta para uma orientação preventiva, assim como na al d) indicia uma atitude de controlo preventivo da qualidade dos bens ambientais. O artigo 52/3 a) da CRP permite também ele retirar uma ideia de preocupação relativamente à prevenção do ambiente.
A nível internacional, pela Carta Mundial da Natureza ( aprovada pela Assembleia-Geral da organização das Nações Unidas em 29 de Outubro de 1982), a Declaração do Rio sobre Ambiente e Desenvolvimento (1992). 
A nível Comunitário, em 1987 com a entrada em vigor do AUE foi introduzida uma política de ambiente no campo de intervenção da comunidade ( art 2 e 3/l do TCE,e o artigo 174 TFUE que consagra o princípio da acção preventiva também. 
Assim, e para concluir o conceito de prevenção, no meu entender trata de um conjunto de regras a respeitar para evitar a produção de um dano que cientificamente se sabe que se vai produzir caso seja tomada determinada conduta ou então, a sua omissão; E a legislação preventiva tem assim um poder importante impedir acções humanas que possam culminar em danos ambientais prejudiciais. 


Princípio da precaução: 

Este princípio leva a protecção ambiental mais longe do que qualquer outro. Para o professor Gomes Canotilho " significa que o ambiente deve ter em seu favor o beneficio da dúvida quando haja incerteza, por falta de provas cientificas evidentes sobre o nexo causal entre uma actividade e um determinado fenómeno de poluição ou degradação do ambiente". A professora Carla Amado Gomes adopta este conceito e abrange ainda " incentivando, por um lado, à antecipação da acção preventiva ainda que não se tenham certezas sobre a sua necessidade e, por outro lado, à proibição de actuações potencialmente lesivas, mesmo que essa potencialidade não seja cientificamente indubitável". 
Para além disto os dois autores indicam que a este principio se encontra associada uma inversão do ónus da prova, ou seja, cabe a quem queira desenvolver determinada conduta o ónus de provar cientificamente e com clareza de que esse actuação não vai trazer qualquer lesão para o ambiente, para que depois de provado sim, possa praticar a conduta em causa. Ou seja trata-se de provar a inexistência de qualquer nexo de causalidade entre a tomada de determinada conduta e um dano ambiental. 
Para o professor Vasco Pereira da Silva já não faz sentido distinguir entre princípio da prevenção e princípio da precaução uma vez que este ultimo se encontra abrangido pelo primeiro, ou seja, o princípio da precaução seria também um enunciado do principio da prevenção exactamente por apresentar carácter preventivo. Para o professor em vez de separar estes dois princípios e autonomiza-los um em relação ao outro faz mais sentido a construção da noção de prevenção apenas mas a construção de uma noção ampla de prevenção. Para suportar a sua tese ele enuncia argumentos como o linguístico;  afirmando que ambos apresentam uma identidade vocabular, daí considerar que faz mais sentido " ir além das palavras" e abarcar o princípio de precaução dentro do da prevenção para poder incluir acontecimentos naturais como condutas humanas susceptíveis de lesar o meio-ambiente quer elas sejam actuais ou futuras.  
O professor enuncia também um argumento de conteúdo material, e refere que não são unívocos os critérios de distinção entre prevenção e precaução, assim como os resultados a que conduz a autonomização do princípio da precaução que acaba por muitas vezes apresentar uma característica de abstracção e que pode mesmo conduzir a um certo eco-fundamentalismo. 
Para o professor não faz sentido distinguir um conceito do outro também com base no facto de os riscos serem provocados por acção humana ou natural isto porque, se formos a ver muitas vezes torna-se impossível distinguir se a causa do prejuízo foi causada por o homem ou pela natureza ( e apresenta como exemplo o caso das inundações, um fenómeno tão natural como a chuva mas que ele próprio pode ser causado pela "humana" poluição atmosférica). 
O professor considera que não faz sentido adoptar uma doutrina que autonomiza a precaução como princípio jurídico ambiental relativamente ao principio da prevenção e considera que " a melhor forma de defender o ambiente passa pela "filtragem" de acordo com regras de bom-senso de algumas preocupações inerentes a essa tentativa de autonomização principal, adoptando uma noção ampla de prevenção.

Concluindo, os dois primeiros autores consideram que o princípio da prevenção e o da precaução se distinguem e assim deve ser, sendo que o primeiro corresponde a medidas que devem ser tomadas ou que devem ser proibidas exactamente por se saber de ante-mão que os efeitos por elas produzidos vão trazer um dano ambiental, cientificamente comprovado ( relação causa-efeito entre o acto/ omissão e o dano ambiental). Por outro lado o princípio da precaução incide sobre a ideia de incerteza científica sobre a existência ou não de um nexo de causalidade entre a prática de uma determinada acção e um dano ambiental sendo que, exactamente por haver essa incerteza deve dar-se o benefício ambiental e nesse sentido não produzir determinada acção. 
Discordando desta tese, o professor Vasco Pereira da Silva considera que não faz sentido distinguir entre estes dois princípios, vai mais longe e desqualifica a precaução como principio ambiental autónomo e, entende o professor que o principio da precaução se encontra abrangido pelo principio da prevenção sendo que, este ultimo deve ser entendido de uma forma mais abrangente. 



Ana Mafalda Salgueiro
nº 17144



Bibliografia:


  Silva, Vasco Pereira Da, Verde Cor de Direito, Lições de Direito do Ambiente, Almedina,2002 (pág. 63 a 76).

   
  Canotilho, José Gomes, Introdução ao Direito do Ambiente, Lisboa, 1998 (pág. 44 a 50).


  Gomes, Carla Amado, A prevenção e a Prova no Direito do Ambiente, Coimbra editora, 2000 (pág. 21 a 55)

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