sábado, 30 de março de 2013

Princípio da Precaução- Que significado?

 
Princípio da Precaução- Que significado?

Ao estudar a matéria dos princípos em Direito do Ambiente somos confrontados com autores que autonomizam o princípio da precaução em relação ao da prevenção enquanto outros preferem conferir a este último uma maior amplitude. É em relação ao princípio da precaução enquanto princípio autónomo que incidirão as seguintes linhas.

Assim, cabe dar uma breve nota em relação à sua origem e à forma como este se enquandra nas situações características do Direito do Ambiente. Deste modo, sempre existiu a ideia de absolutidade em relação à Ciência e mesmo no que toca aos desenvolvimentos tecnológicos, no entanto, o surgimento de movimentos que se opunham a esta concepção acabou por conduzir à criação do princípio da precaução, nomeadamente quando começou a tornar-se evidente que o direito administrativo se mostrava inadequado para resolver as situações que iam surgindo, visto que a sua solução não era compatível com um direito que apenas intervinha após o dano se ter produzido ou, na melhor das hipóteses quando o perigo era manifesto. Assim, como ensina ANA GOUVEIA MARTINS, era necessário fazer-se a passagem de um modelo «reaja e corrija» para um «preveja e previna». Ainda neste âmbito, é de notar a centralidade da incerteza que acaba por moldar toda a matéria referente a este princípio, de facto, a mesma autora atrás citada considera constituir este um meio de lidar com esta mesma incerteza científica, designadamente no que toca aos riscos associados aos efeitos gerados por determinado processo ou substância. Neste sentido, resta falar um pouco sobre a evolução que o risco teve na nossa sociedade e como é que a diferente importância que lhe foi sendo atribuída contribuiu para a crescente relevância e autonomização do princípio da precaução, ou seja, é possível dizermos hoje que a ideia do risco, que não tinha nenhuma expressão, tal como refere KARL-HEINZ LADEUR, visto que era completamente engolida pelo progresso, é actualmente assumida, regra geral como contrapartida de uma vantagem (1). Outra referência que importa fazer é a diferença entre Vorsorgeprinzip, conceito que apela à ideia de cuidar de algo, inquietar-se, preocupar-se e tomar medidas) e que caracterizava o princípio da precaução no direito alemão e a tradução que deste conceito foi feita para inglês, e depois português, que é exactamente a de precaução mas que, ao contrário do que acontecia na Alemanha, tinha um âmbito muito menos amplo, já que apenas pressupunha um dever de cuidado e de boa administração no presente, ou seja, apelava-se a uma mera prevenção, sem qualquer preocupação com o futuro. É então, neste momento, que poderemos começar a estabelecer uma diferenciação entre prevenção e precaução, sendo o critério distintivo dos dois a identificação ou não de um dado risco, exigindo-se na prevenção a adopção de medidas contra riscos que já estejam identificados e, no caso do vorsorgeprizing a necessidade de agir contra riscos onde a sua existência ou até mesmo a dimensão não foi ainda demonstrada. Neste sentido, convém ainda dar nota de que o princípio da precaução está previsto no Direito internacional, comunitário e até mesmo em alguns sistemas nacionais, sendo um dos exemplos o direito alemão, que aponta, como refere ANA GOUVEIA MARTINS, quatro postulados ao princípio da precaução, sendo eles a detecção atempada dos perigos, em caso de ameaça de danos irreversíveis, a ausência de provas científicas conclusivas não poderá contribuir para a argumentação em favor do adiamento à adopção de medidas adequadas, a promoção do desenvolvimento tecnológico e o incentivo à criação de novos processos técnicos aptos a reduzir ou eliminar os níveis de descarga de pluentes e, finalmente, a estatuição de que constitui uma incumbência do Estado a promoção da introdução de processos e tecnologias mais limpas no sector privado.

Feita esta primeira abordagem ao princípio, é chegada a altura de nos centrarmos na questão central, ou seja, qual o significado do princípio da precaução? Várias respostas poderão ser dadas, sabendo-se que nenhuma parece reunir consenso, ainda assim passarei a apresentar algumas considerações apontadas pela doutrina. Neste sentido, indica CARLA AMADO GOMES que significará este o benefício da dúvida que deve ser dado em favor do ambiente quando surja alguma incerteza, nomeadamente por falta de provas científicas evidentes, “sobre um nexo causal entre uma actividade e um determinado fenómeno de degradação do ambiente” (2). De forma diferente, ANA GOUVEIA MARTINS prefere começar por caracterizar o princípio como sendo vago e impreciso, sendo apenas possível verificar a originalidade da habilitação à adopção de medidas apesar da inexistência de provas científicas conclusivas, que se verifica sempre que se suspeite que uma actividade envolva um risco de produção de danos ambientais, sem se conhecer a sua probabilidade de ocorrência e magnitude, perante impactos ambientais já verificados, se desconheça a sua causa, sempre que não seja possível demonstrar a existência de um nexo de causalidade entre o desenvolvimento de uma determinada actividade ou processo e a ocorrência de determinados danos. Continua a autora apontando aquilo que considera serem manifestações do princípio da precaução e as ideias fundamentais em torno das quais este gira, que são, perante a ameaça  de danos sérios ao ambiente, ainda que não existam provas científicas que estabeleçam um nexo causal entre uma actividade e os seus efeitos, devem ser tomadas as medidas necessárias para impedir a sua ocorrência, a inversão do ónus da prova, cabendo àquele que pretende exercer uma dada actividade ou desenvolver uma nova técnica demonstrar que os riscos a ela associados são aceitáveis, in dubio pro ambiente ou in dubio contra projectum, concessão de espaço de manobra ao ambiente, reconhecendo que os limites de tolerância ambiental não devem ser forçados, ainda menos transgredidos, a exigência de desenvolvimento e introdução das melhores técnicas disponíveis, a preservação de áreas e reservas naturais e a protecção das espécies e, finalmente, a promoção e desenvolvimento da investigação científica e realização de estudos completos e exaustivos sobre os efeitos e riscos potenciais de uma dada actividade. Também importante é dar nota da divergência existente quanto ao conteúdo, alcance e sentido atribuído a este princípio, sabendo-se que existem três posições, sendo a primeira a daqueles que, próximos de uma visão economicista da sociedade, cingem a actuação deste princípio aos riscos que sejam bastante prováveis de ocorrer e, para além disso sejam idóneos a provocar danos graves e irreparáveis. A segunda, diametralmente oposta à primeira, compreende uma visão maximalista da aplicação do princípio, reconduzindo-o a uma regra de abstenção. A terceira posição, intermédia, prefere atribuir-lhe uma operacionalidade, sem que este se misture com o princípio da prevenção mas sem caír em fundamentalismos. Não menos importante no que ao princípio da precaução diz respeito é conhecer os seus elementos essenciais. De facto, desde o início que vimos abordando o conceito de “risco”, pois bem, é chegada a altura de o definir, distinguindo-o ainda de conceitos próximos. Deste modo, começando por fazer a distinção entre risco e perigo, dir-se-á que o perigo pressupõe que se conheça, de antemão e com base na experiência passada, que determinada acção causará dado dano a um bem jurídico, ainda mais, o perigo constituirá, nas palavras de ANA GOUVEIA MARTINS, “uma concreta ameaça à existência ou segurança de uma coisa ou pessoa”, assentando numa probabilidade de ocorrência. Já o risco constituirá aquilo que a doutrina designa por perigo eventual, no qual não é conhecida uma probabilidade significativa de lesão. Outra distinção relevante é a que distingue risco de aléa, determinando-se que se tratará esta de um risco residual, ou seja um risco tão remoto que a sua existência á considerada “aceitável pela sociedade” (3). Uma questão importante é a de saber se com o princípio da precaução se pretenderá a erradicação de todo o risco como atrás definido. Pois bem, defende a melhor doutrina que não é isto que se pretende com este princípio (4), no entanto, não significa isto que este apenas se aplique em casos de danos graves, bastando que estes sejam significativos (5). Não menos importante é fazer referência à classificação do risco em potencial e demonstrado, sabendo-se que o segundo, apesar da sua concretização ser incerta, será conhecida a probabilidade ds sua ocorrência, sendo o risco potencial o “risco de um risco” (6). Neste sentido, cabe, seguindo a doutrina de F. ÖSSENBUHL, determinar o âmbito de aplicação deste princípio. Assim, aplicar-se-á este princípio aos casos em que a intensidade de um risco não representa um verdadeiro perigo (7), ou seja, a fronteira entre o princípio da precaução e o da prevençao é demarcada pela “linha que separa o perigo do risco”.
Finalmente, e ainda que apenas abordando os temas sem os aprofundar, é importante dizer que após um risco potencial estar identificado, a avaliação da sua intensidade importará de sobremaneira, de forma a que seja possível apontar de forma clara quais os riscos meramente plausíveis e os riscos com um nível de alerta qualificado. Não menos importante é a matéria relativa à ponderação dos riscos na tomada de decisão. Deste modo e, como já foi dito, as posições extremas que pensam o princípio como um imperativo de abstenção, são de afastar, visto que esta exigência de risco zero não se coaduna com as exigências da sociedade actual. A melhor opção parece ser aquela que, após a delimitação dos riscos aceitáveis, os sujeita a uma estrita vigilância e controlo ou ainda reduzindo-os, ou seja, necessária será uma gestão global do risco, através da limitação do acesso à actividade. No fundo, a recusa de uma autorização ou a interdição do uso de uma determinada substância ou técnica “deve decorrer de uma apreciação ponderada da aceitabilidade do risco em cada caso concreto e não de uma abstracta invocação do princípio da precaução”, tal comoensina ANA GOUVEIA MARTINS (8). Bastante importante na ponderação a ser levada a cabo é a questão dos custos, nomeadamente no que se deverá ter ou não em conta. Assim, deve atender-se não apenas aos custos financeiros mas também aos custos sociais (9). Outra questão com grande relevância é a de saber se faz sentido que se deva aceitar, ainda que provisoriamente, a hipótese que ofereça o quadro mais negro, quando existem outras não tão pessimistas, no fundo, a questão é saber se devemos partir “cenário do pior”? Tal não parece ser uma decisão racional, pelo menos na maioria dos casos (10). Não faz sentido fazer prevalecer a precaução sobre a prevenção com o único fundamento no cenário de que o risco, caso se concretize, será mais gravoso do que o perigo.




(1)- cfr. KARL-HEINZ LADEUR, «Coping with Uncertainty: Ecological Risks and the Proceduralization os Environmental Law, in Environmental Law and Ecological Responsibility- The Concept and Practice os Ecological Self-Organization», AAVV. (coord. GUNTHER TEUBNER/ LINDSAY FARMER7 DECLAN MURPHY), 1994, p.300).

(2)- visão da autora relativamente ao conteúdo substantivo. Introdução ao Direito do Ambiente, coord. J.J. Gomes Canotilho, Lisboa, 1998, p.48)

(3)- esta distinção é proposta, entre outras, pela doutrina espanhola, do qual é exemplo  IÑAKI BÁRCENA.

(4)- tal é defendido, nomeadamente, pela interpretação que a Comissão Europeia faz do princípio (cfr. «Les lignes directrices pour l’application du principe de précaucion», relatório elaborado sob a égide da Comissão da Comunidade Europeia, II, 5º princípio, p.10).

(5)- o art. 2º, nº5 do projecto de Código alemão define risco como a possibilidade de ocorrência de um dano significativo, quando este não estiver praticamente excluído.

(6)- expressão utilizada pelos autores PHILLIPPE KOURILSKY e GENEVIÉVE VINEY.

(7)- existe uma parte da doutrina, minoritária, que integra no âmbito do princípio da precaução não apenas os riscos incertos mas também os riscos conhecidos, embora probabilísticos.

(8)- a regra de abstenção justificar-se-á assim quando exista uma dúvida suficientemente fundada sobre a gravidade ou irreparabilidade de determinado risco e se considere que este é inaceitável.

(9)- questões como o obstáculo à descoberta de novos conhecimentos ou a perda de competitividade das empresas, deverão ser tidas em conta.

(10)- Quando se nos deparam dois riscos igualmente verosímeis, e em que um deles tenha o apoio da ciência ou da experiência e o outro não passe de uma mera hipótese, não faz sentido ar prevalência ao segundo apenas porque traduz um cenário mais gravoso.









BIBLIOGRAFIA:

CANOTILHO, José Joaquim Gomes (coord.), AAVV;
Introdução ao Direito do Ambiente, Universidade Aberta, Coimbra, 1998.

GOMES, Carla Amado
A prevenção à prova no Direito do Ambiente, Coimbra Editora, Coimbra, 2000.

MARTINS, Ana Gouveia
O Princípio da Precaução do Direito do Ambiente, AAFDL, Lisboa, 2002.

SILVA, Vasco Pereira da
Verdes são também os Direitos do Homem, Coimbra, 1999.


Trabalho realizado por: Sebastião Marques, número 18409.

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