Princípio da Precaução- Que significado?
Ao estudar a matéria dos princípos em Direito
do Ambiente somos confrontados com autores que autonomizam o princípio da
precaução em relação ao da prevenção enquanto outros preferem conferir a este
último uma maior amplitude. É em relação ao princípio da precaução enquanto
princípio autónomo que incidirão as seguintes linhas.
Assim, cabe dar uma breve nota em relação à
sua origem e à forma como este se enquandra nas situações características do
Direito do Ambiente. Deste modo, sempre existiu a ideia de absolutidade em
relação à Ciência e mesmo no que toca aos desenvolvimentos tecnológicos, no
entanto, o surgimento de movimentos que se opunham a esta concepção acabou por
conduzir à criação do princípio da precaução, nomeadamente quando começou a
tornar-se evidente que o direito administrativo se mostrava inadequado para
resolver as situações que iam surgindo, visto que a sua solução não era
compatível com um direito que apenas intervinha após o dano se ter produzido ou,
na melhor das hipóteses quando o perigo era manifesto. Assim, como ensina ANA
GOUVEIA MARTINS, era necessário fazer-se a passagem de um modelo «reaja e
corrija» para um «preveja e previna». Ainda neste âmbito, é de notar a
centralidade da incerteza que acaba por moldar toda a matéria referente a este
princípio, de facto, a mesma autora atrás citada considera constituir este um
meio de lidar com esta mesma incerteza científica, designadamente no que toca
aos riscos associados aos efeitos gerados por determinado processo ou
substância. Neste sentido, resta falar um pouco sobre a evolução que o risco
teve na nossa sociedade e como é que a diferente importância que lhe foi sendo
atribuída contribuiu para a crescente relevância e autonomização do princípio da
precaução, ou seja, é possível dizermos hoje que a ideia do risco, que não
tinha nenhuma expressão, tal como refere KARL-HEINZ LADEUR, visto que era
completamente engolida pelo progresso, é actualmente assumida, regra geral como
contrapartida de uma vantagem (1). Outra referência que importa fazer é a
diferença entre Vorsorgeprinzip, conceito que apela
à ideia de cuidar de algo, inquietar-se, preocupar-se e tomar medidas) e que
caracterizava o princípio da precaução no direito alemão e a tradução que deste
conceito foi feita para inglês, e depois português, que é exactamente a de
precaução mas que, ao contrário do que acontecia na Alemanha, tinha um âmbito
muito menos amplo, já que apenas pressupunha um dever de cuidado e de boa
administração no presente, ou seja, apelava-se a uma mera prevenção, sem
qualquer preocupação com o futuro. É então, neste momento, que poderemos
começar a estabelecer uma diferenciação entre prevenção e precaução, sendo o
critério distintivo dos dois a identificação ou não de um dado risco,
exigindo-se na prevenção a adopção de medidas contra riscos que já estejam
identificados e, no caso do vorsorgeprizing a
necessidade de agir contra riscos onde a sua existência ou até mesmo a dimensão
não foi ainda demonstrada. Neste sentido, convém ainda dar nota de que o
princípio da precaução está previsto no Direito internacional, comunitário e
até mesmo em alguns sistemas nacionais, sendo um dos exemplos o direito alemão,
que aponta, como refere ANA GOUVEIA MARTINS, quatro postulados ao princípio da
precaução, sendo eles a detecção atempada dos perigos, em caso de ameaça de
danos irreversíveis, a ausência de provas científicas conclusivas não poderá
contribuir para a argumentação em favor do adiamento à adopção de medidas
adequadas, a promoção do desenvolvimento tecnológico e o incentivo à criação de
novos processos técnicos aptos a reduzir ou eliminar os níveis de descarga de
pluentes e, finalmente, a estatuição de que constitui uma incumbência do Estado
a promoção da introdução de processos e tecnologias mais limpas no sector
privado.
Feita esta primeira abordagem ao princípio, é
chegada a altura de nos centrarmos na questão central, ou seja, qual o
significado do princípio da precaução? Várias respostas poderão ser dadas,
sabendo-se que nenhuma parece reunir consenso, ainda assim passarei a
apresentar algumas considerações apontadas pela doutrina. Neste sentido, indica
CARLA AMADO GOMES que significará este o benefício da dúvida que deve ser dado
em favor do ambiente quando surja alguma incerteza, nomeadamente por falta de
provas científicas evidentes, “sobre um nexo causal entre uma actividade e um
determinado fenómeno de degradação do ambiente” (2). De forma diferente, ANA
GOUVEIA MARTINS prefere começar por caracterizar o princípio como sendo vago e
impreciso, sendo apenas possível verificar a originalidade da habilitação à
adopção de medidas apesar da inexistência de provas científicas conclusivas,
que se verifica sempre que se suspeite que uma actividade envolva um risco de
produção de danos ambientais, sem se conhecer a sua probabilidade de ocorrência
e magnitude, perante impactos ambientais já verificados, se desconheça a sua
causa, sempre que não seja possível demonstrar a existência de um nexo de
causalidade entre o desenvolvimento de uma determinada actividade ou processo e
a ocorrência de determinados danos. Continua a autora apontando aquilo que
considera serem manifestações do princípio da precaução e as ideias
fundamentais em torno das quais este gira, que são, perante a ameaça de danos sérios ao ambiente, ainda que
não existam provas científicas que estabeleçam um nexo causal entre uma
actividade e os seus efeitos, devem ser tomadas as medidas necessárias para
impedir a sua ocorrência, a inversão do ónus da prova, cabendo àquele que pretende
exercer uma dada actividade ou desenvolver uma nova técnica demonstrar que os
riscos a ela associados são aceitáveis, in dubio pro ambiente ou in dubio contra projectum, concessão de
espaço de manobra ao ambiente, reconhecendo que os limites de tolerância
ambiental não devem ser forçados, ainda menos transgredidos, a exigência de
desenvolvimento e introdução das melhores técnicas disponíveis, a preservação
de áreas e reservas naturais e a protecção das espécies e, finalmente, a
promoção e desenvolvimento da investigação científica e realização de estudos
completos e exaustivos sobre os efeitos e riscos potenciais de uma dada
actividade. Também importante é dar nota da divergência existente quanto ao
conteúdo, alcance e sentido atribuído a este princípio, sabendo-se que existem
três posições, sendo a primeira a daqueles que, próximos de uma visão
economicista da sociedade, cingem a actuação deste princípio aos riscos que
sejam bastante prováveis de ocorrer e, para além disso sejam idóneos a provocar
danos graves e irreparáveis. A segunda, diametralmente oposta à primeira,
compreende uma visão maximalista da aplicação do princípio, reconduzindo-o a
uma regra de abstenção. A terceira posição, intermédia, prefere atribuir-lhe
uma operacionalidade, sem que este se misture com o princípio da prevenção mas
sem caír em fundamentalismos. Não menos importante no que ao princípio da
precaução diz respeito é conhecer os seus elementos essenciais. De facto, desde
o início que vimos abordando o conceito de “risco”, pois bem, é chegada a
altura de o definir, distinguindo-o ainda de conceitos próximos. Deste modo,
começando por fazer a distinção entre risco e perigo, dir-se-á que o perigo
pressupõe que se conheça, de antemão e com base na experiência passada, que determinada
acção causará dado dano a um bem jurídico, ainda mais, o perigo constituirá,
nas palavras de ANA GOUVEIA MARTINS, “uma concreta ameaça à existência ou
segurança de uma coisa ou pessoa”, assentando numa probabilidade de ocorrência.
Já o risco constituirá aquilo que a doutrina designa por perigo eventual, no
qual não é conhecida uma probabilidade significativa de lesão. Outra distinção
relevante é a que distingue risco de aléa, determinando-se que se tratará esta
de um risco residual, ou seja um risco tão remoto que a sua existência á
considerada “aceitável pela sociedade” (3). Uma questão importante é a de saber
se com o princípio da precaução se pretenderá a erradicação de todo o risco
como atrás definido. Pois bem, defende a melhor doutrina que não é isto que se
pretende com este princípio (4), no entanto, não significa isto que este apenas
se aplique em casos de danos graves, bastando que estes sejam significativos
(5). Não menos importante é fazer referência à classificação do risco em
potencial e demonstrado, sabendo-se que o segundo, apesar da sua concretização
ser incerta, será conhecida a probabilidade ds sua ocorrência, sendo o risco
potencial o “risco de um risco” (6). Neste sentido, cabe, seguindo a doutrina
de F. ÖSSENBUHL, determinar o âmbito de aplicação deste princípio. Assim,
aplicar-se-á este princípio aos casos em que a intensidade de um risco não
representa um verdadeiro perigo (7), ou seja, a fronteira entre o princípio da
precaução e o da prevençao é demarcada pela “linha que separa o perigo do
risco”.
Finalmente, e ainda que apenas abordando os
temas sem os aprofundar, é importante dizer que após um risco potencial estar
identificado, a avaliação da sua intensidade importará de sobremaneira, de
forma a que seja possível apontar de forma clara quais os riscos meramente
plausíveis e os riscos com um nível de alerta qualificado. Não menos importante
é a matéria relativa à ponderação dos riscos na tomada de decisão. Deste modo
e, como já foi dito, as posições extremas que pensam o princípio como um
imperativo de abstenção, são de afastar, visto que esta exigência de risco zero
não se coaduna com as exigências da sociedade actual. A melhor opção parece ser
aquela que, após a delimitação dos riscos aceitáveis, os sujeita a uma estrita
vigilância e controlo ou ainda reduzindo-os, ou seja, necessária será uma
gestão global do risco, através da limitação do acesso à actividade. No fundo,
a recusa de uma autorização ou a interdição do uso de uma determinada
substância ou técnica “deve decorrer de uma apreciação ponderada da
aceitabilidade do risco em cada caso concreto e não de uma abstracta invocação
do princípio da precaução”, tal comoensina ANA GOUVEIA MARTINS (8). Bastante
importante na ponderação a ser levada a cabo é a questão dos custos, nomeadamente
no que se deverá ter ou não em conta. Assim, deve atender-se não apenas aos
custos financeiros mas também aos custos sociais (9). Outra questão com grande
relevância é a de saber se faz sentido que se deva aceitar, ainda que
provisoriamente, a hipótese que ofereça o quadro mais negro, quando existem
outras não tão pessimistas, no fundo, a questão é saber se devemos partir
“cenário do pior”? Tal não parece ser uma decisão racional, pelo menos na
maioria dos casos (10). Não faz sentido fazer prevalecer a precaução sobre a
prevenção com o único fundamento no cenário de que o risco, caso se concretize,
será mais gravoso do que o perigo.
(1)- cfr. KARL-HEINZ LADEUR, «Coping with
Uncertainty: Ecological Risks and the Proceduralization os Environmental Law,
in Environmental Law and Ecological Responsibility- The Concept and Practice os
Ecological Self-Organization», AAVV. (coord. GUNTHER TEUBNER/ LINDSAY FARMER7
DECLAN MURPHY), 1994, p.300).
(2)- visão da autora relativamente ao conteúdo
substantivo. Introdução ao Direito do Ambiente,
coord. J.J. Gomes Canotilho, Lisboa, 1998, p.48)
(3)- esta distinção é proposta, entre outras,
pela doutrina espanhola, do qual é exemplo IÑAKI BÁRCENA.
(4)- tal é defendido, nomeadamente, pela
interpretação que a Comissão Europeia faz do princípio (cfr. «Les lignes
directrices pour l’application du principe de précaucion», relatório elaborado
sob a égide da Comissão da Comunidade Europeia, II, 5º princípio, p.10).
(5)- o art. 2º, nº5 do projecto de Código
alemão define risco como a possibilidade de ocorrência de um dano
significativo, quando este não estiver praticamente excluído.
(6)- expressão utilizada pelos autores
PHILLIPPE KOURILSKY e GENEVIÉVE VINEY.
(7)- existe uma parte da doutrina,
minoritária, que integra no âmbito do princípio da precaução não apenas os
riscos incertos mas também os riscos conhecidos, embora probabilísticos.
(8)- a regra de abstenção justificar-se-á
assim quando exista uma dúvida suficientemente fundada sobre a gravidade ou
irreparabilidade de determinado risco e se considere que este é inaceitável.
(9)- questões como o obstáculo à descoberta de
novos conhecimentos ou a perda de competitividade das empresas, deverão ser
tidas em conta.
(10)- Quando se nos deparam dois riscos
igualmente verosímeis, e em que um deles tenha o apoio da ciência ou da
experiência e o outro não passe de uma mera hipótese, não faz sentido ar
prevalência ao segundo apenas porque traduz um cenário mais gravoso.
BIBLIOGRAFIA:
CANOTILHO, José Joaquim Gomes (coord.), AAVV;
Introdução ao Direito do Ambiente, Universidade Aberta, Coimbra, 1998.
GOMES, Carla Amado
A prevenção à prova no Direito do Ambiente, Coimbra Editora, Coimbra, 2000.
MARTINS, Ana Gouveia
O Princípio da Precaução do Direito do
Ambiente, AAFDL, Lisboa, 2002.
SILVA, Vasco Pereira da
Verdes são também os Direitos do Homem, Coimbra, 1999.
Trabalho realizado por: Sebastião Marques,
número 18409.
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