quinta-feira, 28 de março de 2013

Princípio da Prevenção


 


1.      Introdução

Os princípios do Direito do Ambiente estão todos de forma expressa ou implícita consagrada na lei. Dos vários princípios[1] existentes os mais importantes são: o princípio da prevenção, que visa evitar a produção de um dano antes de ele ter ocorrido; o princípio da correção na fonte, que refere quem, onde e quando se deve evitar a poluição; o princípio da precaução destina-se a superar o ceticismo decorrente da falta de provas científicas, o ónus da prova de um dano ambiental possível; o princípio do polidor-pagador estabelece que os danos ambientais devem ser suportados pelos poluidores e não pelos contribuintes; o princípio da integração traduz a ideia de que a proteção do ambiente deve ser uma preocupação subjacente a todas as atividades; o princípio da participação confere aos cidadãos o direito de intervir nas decisões que possam afectar o ambiente; e por último o princípio da cooperação internacional, tendo em conta que o ambiente é um bem de todos e de que a poluição é um fenomeno transnacional que afecta o ambiente.

Na Constituição da República Portuguesa o artigo 66º e na Lei de Bases do Ambiente os artigos 2º e 3º - encontramos expressos os princípios do Direito do Ambiente. Mas também encontramos em legislação especial a proteção de diversos componentes ambientais, como por exemplo as várias leis relativas à proteção contra a poluição por produtos químicos.

A utilidade dos princípios[2] reside principalmente, no seguinte: no seu potencial como auxiliares da interpretação de outras normas jurídicas; permitem aferir a validade das leis; e por último, na sua capacidade de integração de lacunas[3].

No Direito do Ambiente todos os princípios tem como fim a proteção da vida humana, procurando garantir ao homem, um mínimo de possibilidades de viver ao longo do tempo. O meio ambiente é um bem difuso de titularidade comum a todos. Mesmo existindo a procura e a tentativa da reparação de um determinado espaço ambiental poluído, nunca mais se consegue fazer com que ele volte ao seu estado inicial, há sempre uma perda. O Homem é impotente frente a uma completa recuperação ambiental. Como tal, é melhor o homem prevenir, garantindo diversos benefícios que se perderiam se existisse um dano. Deve-se então primar pela prevenção[4] em detrimento da recuperação.

É preciso referir, que há Autores que não encontram distinção entre o princípio da prevenção [5]e o da precaução[6], afirmando que são um único princípio e outros que entendem que eles, embora próximos, não se confundem[7], possuindo características distintas.

O princípio que escolhi para desenvolver é um dos principais pilares do Direito do Ambiente – Princípio da Prevenção.

 


2.      Desenvolvimento: Princípio da prevenção

O Princípio da prevenção[8] é muito importante na proteção do ambiente pois é uma regra de mero bom senso, aquela que determina que em vez de contabilizar os danos e tentar repará-los, se tente sobretudo evitar a ocorrência de danos. Segundo uma expressão popular “mais vale prevenir do que remediar”. Este princípio encontra-se consagrado no artigo 66º alínea a) da CRP[9] e no artigo 3º alínea a) da Lei de Bases[10].

Este princípio tem como finalidade evitar lesões do meio-ambiente, o que implica capacidade de antecipação de situações potencialmente perigosas, de origem natural ou humana, capazes de pôr em risco os componentes ambientais, de modo a permitir a adoção dos meios mais adequados para afastar a sua verificação ou, pelo menos, minorar as suas consequências. Ou seja, devem ser tomadas medidas destinadas a evitar a produção de efeitos danosos para o ambiente, e não a reação a tais lesões, ainda que a prevenção e a repressão possam andar associadas.

Na proteção do ambiente mais vale prevenir: porque em muitos casos, depois da poluição ou do dano ocorrerem, são impossíveis de remover; mesmo quando a reconstrução natural é materialmente possível, frequentemente ela é de tal modo oneroso, que esse esforço não pode ser exigido ao poluidor; e por último, porque economicamente é sempre muito mais dispendioso remediar do que prevenir.  

Nem sempre a prevenção evita lesões para o ambiente, tendo que resignar-se, na maioria dos casos, a minimizar os danos. A lógica da precaução é a de afastar.

Carla Amado Gomes diz que “a prevenção deve ser repensada no contexto, dos parâmetros de incerteza da sociedade de risco, alargando o seu especto de perigos a riscos, mas sem abdicar da ponderação de interesses”.

A aplicação deste princípio implica a adoção de medidas antes da ocorrência de uma dano concreto cuja origem é conhecida, com o fim de evitar a verificação de novos danos ou pelo menos tentar minorar os seus efeitos.

Para que sejam tomadas as medidas adequadas à proteção do meio ambiente, é necessário existirem sistemas de informação e pesquisas para que se consigam todos os problemas ambientais logo na sua origem. Nesse sentido, Paulo Affonso Leme Machado organizou em cinco itens a aplicação do princípio da prevenção: “1º - identificação e inventário das espécies animais e vegetais de um território, quanto à conservação da natureza e identificação das fontes contaminantes das águas do mar, quanto ao controle da poluição; 2º - identificação e inventário dos ecossistemas, com a elaboração de um mapa ecológico; 3º - criar planos ambientais; 4º - ordenamento territorial ambiental para a valorização das áreas de acordo com a sua aptidão; e 5º - Estudo de Impacto Ambiental.”

O instrumento privilegiado da prevenção é o procedimento de avaliação de impacto ambiental e num contexto mais restrito de prevenção da poluição temos a licença ambiental, que permite minimizar o impacto poluente das atividades industriais através do estabelecimento de limites de emissões. 

Algumas leis mais recentes têm aditado e definido o princípio: “Princípio da precaução, nos termos do qual as medidas destinadas a evitar o impacto negativo de uma ação sobre o ambiente devem ser adotadas, mesmo na ausência de certeza cientifica da existência de uma relação causa-efeito entre eles”. – Lei 58/2005, de 29 de Dezembro, artigo 3º nº1 al.e), Lei da água; DL 142/2008, de 24 de Julho, artigo 4º al.e), Regime da proteção da natureza e da biodiversidade. 

Em sentido restrito a prevenção destina-se a evitar perigos imediatos e concretos, de acordo com uma lógica imediatista e atualista, por sua vez em sentido amplo, afastar eventuais riscos futuros, mesmo que não inteiramente determináveis (lógica de antecipar situações futuras), quer sejam de condutas humanas, quer sejam provenientes de causas naturais. Tem-se vindo a desenvolver-se uma importante tendência doutrinária no sentido de assimilar o princípio da prevenção à sua aceção mais restritiva, ao mesmo tempo que se procede à autonomização de um princípio da precaução, de conteúdo mais amplo.

Segundo o Professor Vasco Pereira da Silva, “preferível à separação entre prevenção e precaução como princípios distintos e autónomos é a construção de uma noção ampla de prevenção, adequada a resolver os problemas com que se defronta o jurista do ambiente.” O Professor justifica a sua preferência pela noção ampla de prevenção, apontado as seguintes razões:

                    I.            De natureza linguista: integrando no conteúdo da prevenção ou da precaução uma dimensão que permita abarcar tanto acontecimentos naturais como condutas humanas suscetíveis de lesar o meio-ambiente, sejam elas atuais ou futuras;

 

                 II.            De conteúdo material: as propostas de autonomização do princípio da precaução assentam em critérios muitos diversificados, nem sempre permitindo separar de forma inequívoca os domínios correspondentes a essa nova realidade. Logo o Professor não crê ser adequado distinguir o âmbito da prevenção em razão de perigos, decorrentes de causas naturais, e a precaução em função de riscos que seriam provocados por ações humanas. Exemplo: as inundações provocadas pela chuva (fenómeno natural), mas que pode ter acontecido devido a ação humana com a poluição atmosférica, por desviar os leitos dos rios, entre outros. É inadequando distinguir prevenção e precaução em razão do carácter atual ou futuro dos riscos, já que no domínio das lesões ambientais, uns e outros se encontram interligados.

 

               III.            De técnica jurídica: o ordenamento português eleva a prevenção à categoria de princípio, com todas as consequências jurídicas que isso implica relativamente à atuação dos poderes públicos. A adoção de uma noção ampla de prevenção parece ser mais eficaz para assegurar “melhor tutela disponível” dos valores ambientais.

 

Em síntese, o Professor adota um conteúdo amplo para o princípio da prevenção, de modo a incluir nele a consideração tanto de perigos naturais como de riscos humanos.

Por sua vez, o Professor José Joaquim Gomes Canotilho optou pelo sentido restrito, pois segundo o Professor o princípio da prevenção é uma regra de bom senso. Já a Professora Carla Amado Gomes diz que não se deve autonomizar os dois princípios, pois considera que são princípios que se sobrepõem.  

 

A prevenção a nível internacional - houve a necessidade imperiosa de evitar a consumação de danos ao meio ambiente como tal foram surgindo conveções, declarações e sentenças de tribunais internacionais, tais como a Convenção de Basiléia sobre o Controle de Movimentos Transfronteiriços de Resíduos Perigosos e seu Depósito, de 1989; a Convenção da Diversidade Biológica; o Tratado de Maastricht sobre a União Européia; e o Acordo-Quadro sobre o Meio Ambiente do MERCOSUL. Estas Convenções são imprescindíveis para que se evite na origem as transformações prejudiciais à saúde humana e ao meio ambiente.


 

3.      Conclusões

O princípio da prevenção é considerado um dos princípios fundamentais do Direito do Ambiente. Este vem previsto no artigo 66º nº2 al a) da CRP e no artigo 3º a) da Lei de Bases do Ambiente. A prevenção diz respeito ao conhecimento antecipado dos sérios danos que podem causar ao bem ambiental em determinada situação e a realização de providências para evitá-los.

O Professor Gomes Canotilho optou pelo sentido restrito, por sua vez o Professor Vasco Pereira da Silva prefere adotar um conceito amplo do principio da prevenção.

Depois da análise que fiz, concordo com a posição do Professor Vasco Pereira da Silva, pois é preferível que seja adotado o conceito amplo do princípio da prevenção, pois desta forma são abarcadas nele todas as situações, uma vez que separar os dois princípios pode levar a situações de confusão na sua interpretação e na sua aplicação.

Por último, é importante ressalvar que a concretização do princípio da prevenção deve estar sempre aliada a uma constante atualização das medidas preventivas, para que se consiga manter a política ambiental integrada com a realidade atual.




[1] “O Direito não é mero somatório de regras avulsas, produto de atos de vontade, ou mera concatenação de fórmulas verbais articuladas entre si. O Direito é ordenamento ou conjunto significativo e não conjunção resultante de vigência simultânea; implica coerência ou, talvez mais rigorosamente, consistência; projeta-se em sistema; é unidade de sentido, é valor incorporado em regra. E esse ordenamento, esse conjunto, essa unidade, esse valor projeta-se ou traduz-se em princípios, logicamente anteriores aos preceitos”. Miranda, Jorge, Teoria do Estudo e da Constituição, 2003, p. 431.
[2]  “Um princípio, por mais fluido que seja, deve traçar uma orientação, conter traços essenciais que o distinguem de outras fórmulas, propiciar ao intérprete/aplicador um apoio coerente; enfim, ser normativo”. Gomes, Amado Carla, Introdução ao Direito do Ambiente, 2012, p. 68.
[3] Lacuna: “Uma lacuna é a não previsão de um caso na lei e a integração da lacuna consiste na criação da disciplina jurídica para aquele caso concreto.” Santos, Cláudia Maria Cruz, Introdução ao Direito Ambiental, 1998, p. 39.
[4] Prevenção Ambiental: é o ato, ação, conduta, que procura evitar que determinado e conhecido mal, dano, lesão ou intempérie, de origem humana, venha a afetar o Meio Ambiente, reduzindo o seu equilíbrio ecológico e consequentemente a boa qualidade de vida.
[5] “Prevenção é substantivo do verbo prevenir, e significa ato ou efeito de antecipar-se, chegar antes; induz uma conotação de generalidade, simples antecipação no tempo, é verdade, mas com intuito conhecido. Precaução é substantivo do verbo precaver-se (do Latim prae = antes e cavere = tomar cuidado), e sugere cuidados antecipados, cautela para que uma atitude ou ação não venha a concretizar-se ou a resultar em efeitos indesejáveis. A diferença etimológica e semântica (estabelecida pelo uso) sugere que a prevenção é mais ampla do que precaução e que, por seu turno, precaução é atitude ou medida antecipatória voltada preferencialmente para casos concretos.” Milaré, Édis, Direito do Ambiente, RT, 2005, p. 165.
[6] “O princípio da precaução, portanto, tem uma finalidade ainda mais nobre do que a própria prevenção, já que em última análise este último estaria contido naquele. Enquanto a prevenção relaciona-se com a adoção de medidas que corrijam ou evitem danos previsíveis, a precaução também age prevenindo, mas antes disso, evita-se o próprio risco ainda imprevisto.” Rodrigues, Marcelo Abelha, Elementos de Direito Ambiental – Parte Geral, Revista dos Tribunais, 2005, p. 207.
[7] “No nosso sentir, o princípio da precaução não é a mesma coisa que o princípio da prevenção. Se a diferença semântica não parece ser muito clara, o mesmo não se dá quando a comparação recai na natureza e teleologia desses princípios. Há uma diferença fundamental entre o que se pretende por intermédio da precaução e o que se quer pela prevenção”. Rodrigues, Marcelo Abelha, Elementos de Direito Ambiental – Parte Geral, Revista dos Tribunais, 2005, p. 204-208.
[8] “O princípio faz-se presente a partir de uma brilhante perceção de que os danos geralmente quando atingem o meio ambiente, são irreversíveis, irreparáveis e, quando são reversíveis denotam alto custo e/ou muito tempo para o reequilíbrio da saúde do meio ambiente.” Pablo Juarez Viera. Análise jurisprudencial dos princípios da prevenção e da precaução. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XIII, n. 75, abr 2010.
[9] Artigo 66º nº2 CRP “para assegurar o direito ao ambiente (…) incumbe ao Estado (…): a) prevenir e controlar a poluição e os seus efeitos e as formas prejudiciais de erosão”.
[10] Artigo 3º, a) LBAas atuações com efeitos imediatos ou a prazo no ambiente devem ser consideradas de forma antecipativa, reduzindo eliminando as causas, prioritariamente à correção dos efeitos dessas ações ou atividades susceptiveis de alterarem a qualidade do ambiente, sendo o poluidor obrigado a corrigir ou recuperar o ambiente, suportando os encargos daí resultantes, não lhe sendo permitido continuar a ação poluente; ”.
 

 
Bibliografia:

· Bittencourt, Marcus Vinicius Corrêa, Manual de Direito Administrativo, Editora Fórum, Brasil, 2005.

· Canotilho, José Joaquim Gomes, Tratado de Direito do Ambiente, 1998.

· Condesso, Fernando dos Reis, Direito do Ambiente, Almedina, 2001, p. 1096 a1098.

· Fiorillo, Celso António Pacheco, Curso de Direito Ambiental Brasileiro, São Paulo, Saraiva, 2005, p.40.

· Garcia, Maria da Gloria F. D., O lugar do Direito na Proteção do Ambiente, Almedina, 2007, p.476 a 487.

· Gomes, Carla Amado, Tratado de Direito Administrativo do Ambiente, volume I.

· Gomes, Carla Amado, Introdução ao Direito do Ambiente, AAFDL, 2012, p.68 a 80.

· Machado, Paulo Affonso Leme, Estudos de Direito Ambiental, São Paulo, Malheiros Editores, 1994, p.36.

· Machado, Paulo Affonso Leme. O Princípio da Precaução e o Direito Ambiental. In: Revista de Direitos Difusos – Vol. 8. Editor: Ricardo A. Pamplona Vaz. São Paulo: Esplanada e IBAP, 2001.

· Rodrigues, Marcelo Abelha. A Presunção Constitucional de Degradação do Meio Ambiente pelas Atividades Econômicas.In: Revista de Direitos Difusos – Vol. 35. Coordenadores: Guilherme José Purvin de Figueiredo e Paulo Affonso Leme Machado. São Paulo: IBAP e APRODAB, 2006.

· Santos, Cláudia Maria Cruz, Introdução ao Direito do Ambiente, Universidade Aberta, 1998, coordenação científica de José Gomes Canotilho, p.39 a 46.

· Silva, Vasco Pereira Da, Verde Cor de Direito, Lições de Direito do Ambiente, Almedina, 2002, p. 64 a 83.
 
 
 
 
Neusa de Jesus Ramalho Pito

Nº 18331
 

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