quinta-feira, 28 de março de 2013

O Ambiente à luz do Tratado de Lisboa


O Direito do Ambiente constitui atualmente um "ecossistema jurídico complexo"[1], que envolve a emergência de forças oriundas de todos os países para se observar resultados eficientes, isto porque a proteção do ambiente não se restringe ao território de um estado, ou a uma região determinada, incide sim sobre recursos cuja sua gestão repercute-se por todo o ecossistema, e podendo até dar azo ao surgimento de uma lógica de classificação de certos bens como " património comum da humanidade" e logo tenderia-se a impor a  sua sujeição a uma gestão internacional[2]. No entanto por questões de soberania dos estados e também, neste sentido, o conteúdo patente  na declaração de Estocolmo e Declaração do Rio, fizeram com que a soft law predomine no Direito internacional do Ambiente, flexibilizando demasiado as normas prescritivas e deixando sem sanção as violações das  obrigações resultantes de convenções.

A evolução do direito eurocomunitário deste ramo teve uma infância pouco ciente dos problemas ambientais mas sempre numa tendência evolutiva e cada vez se acentuando e impondo-se mais os objetivos, numa visão actualista consoante novos dados científicos.
O Tratado de Roma ignorava a proteção ambiental, o que é compreensível na medida em que inicialmente existiu apenas uma vertente puramente económica da integração.


Esta emergência ecológica deve-se ao alarme soado pela Conferência de Estocolmo, e que foi tomada em conta pelos chefes de estado e de governo na Cimeira de Paris, em 1972, ultrapassando-se barreiras económicas para se centralizar na promoção da qualidade de vida das populações dos estados- membros [3].
Os Chefes de Estado e de Governo sublinharam a importância de uma Política Comunitária de Ambiente e com este fim em vista, convidam as instituições comunitárias a estabelecer antes de 31 de Julho de 1973 um Programa de Acção acompanhado por um “calendário bem definido”. Pretende-se assim uma harmonização de políticas ambientais, que tal foi formalizada pela mão do Acto Único Europeu através de um título dedicado a política do ambiente no Tratado de Roma, e que dão competência a comunidade para criar os objetivos e políticas ambientais[4].

Em 1998, com o  Tratado de Amesterdão  é reforçada esta legitimidade da União para definição e execução de metas, afirmando-se o principio da integração em sede de disposições introdutórias no Tratado da Comunidade Europeia (actual artigo 11 do TFUE).
A Carta dos Direitos Fundamentais proclamada em 2000, inseriu o ambiente entre as tarefas da comunidade no seu art 37, onde se apela ao desenvolvimento sustentável, (actuais artigos 3/3 e 11 do TUE ; 191 a 193 do TFUE). O entrosamento entre o ambiente e o desenvolvimento sustentável é um dos traços mais marcantes do Tratado de Lisboa.

Embora a ideia de desenvolvimento sustentável não seja inteiramente nova ao nível do direito comunitário originário (foi introduzida pelo tratado de Amesterdão), com o Tratado de Lisboa  esta ganha uma importância acrescida, através da sua intersecção com a política ambiental, que visam nomeadamente a luta contra alterações climáticas (domínio onde a União tem de vindo a distinguir-se com a ratificação do protocolo de Quioto em 2002); a estreita ligação que se vem estabelecendo entre proteção do ambiente e promoção da utilização dos recursos renováveis com vista à geração de energia, na produção de eletricidade e biocombustíveis; e observância de um mecanismo de exercício da cidadania ambiental na Europa, fortalecido com a nova possibilidade de iniciativa legislativa através do direito de petição coletiva[5].


No TUE o conceito de desenvolvimento sustentável aparece no 9º Considerando do documento, no âmbito da realização do mercado interno, e do reforço da coesão e da proteção do ambiente, com vista ao progresso económico e social. Também no art 3º/3 do mesmo tratado, volta-se a insistir no crescimento equilibrado e estabilidade dos preços numa economia que tenha como meta o pleno emprego, o progresso social, e um elevado nível de proteção e melhoramento da qualidade do ambiente. A insistente referência a este princípio no TUE nada vem acrescentar às vinculações a que a União estava adstrita, estas são muito lineares, e quer quanto aos meios e quanto aos resultados, nenhum deles se assume como pressuposto de qualquer política ambiental, antes se conformam casuisticamente, em função dos objetivos comerciais e económicos em presença, e sempre se fundindo com o princípio da integração[6].

O desenvolvimento sustentável é um desenvolvimento que vai ao encontro das necessidades das gerações presentes sem comprometer as necessidades das gerações futuras, no entanto desde a sua aparição na Carta dos Direitos Fundamentais, que este conceito é muito ambíguo, quer na definição das políticas quer na sua fraca intensidade jurídica, existindo uma inclinação para considerar este principio como uma meta essencialmente procedimental e não diretamente acionável, comandado por diretrizes que incorporam a soft law.

Nas palavras da professora Carla Amado Gomes “o que se pretende, é salvaguardar um determinado equilíbrio. Um equilíbrio entre os valores ecológico – que não poderão ser postergados em nome de uma espiral desenvolvimentista, mas também não deverão ser transformados no alfa e ómega da política europeia – e os demais desígnios máxime económicos da União – que hão de continuar a ser prosseguidos, embora de forma a não delapidar os recursos naturais, nem pôr em causa o funcionamento dos principais ecossistemas.” Ou seja, a economia deve-se desenvolver de forma o menos lesiva possível para o ambiente e a proteção do ambiente deverá ser prosseguida da forma mais económica possível. É necessário existir uma lógica de equilíbrio e uma interconexão e interdependência entre distintos valores, pois o bem-estar económico-social depende de uma saudável vivência ecológica, tal como a conservação da natureza carece de determinado desenvolvimento económico[7]. Pretende-se uma gestão racional dos recursos (principalmente dos não renováveis) e esse é o objetivo que se encontra expresso no art 191/1, 3º travessão do TFUE e que em última análise se reconduz a uma vertente proactiva do princípio da prevenção alojado no art 191/2 do TFUE.

Uma das grandes novidades do Tratado de Lisboa consiste na introdução de uma referência à temática das alterações climáticas (191/1, 4ºtravessao do TFUE). Esta incorporação das preocupações acerca do efeito de estufa e suas consequências não aparece desamparada em 2007, dado que no Protocolo de Quioto, a União Europeia assume um compromisso mais ambicioso do que os restantes países[8]. As instituições comunitárias lançam assim um Programa Europeu para as Alterações Climáticas (ECCP) acompanhado de instrumentos jurídicos, entre eles o Comércio Europeu de Licenças de Emissão (CELE) e o Pacote Clima-energia.
Relativamente ao primeiro, é inovador na medida em que assenta numa lógica de mercado, em que existe um sistema que fixa um limite absoluto às emissões de gases com efeito de estufa, conferindo aos operadores flexibilidade, para de forma licita e segundo os seus próprios critérios empresariais, poluírem mais, adquirindo as necessárias licenças de emissão, ou poluírem menos, alienando as licenças em excesso. Existe aqui uma mão invisível do mercado que assegura uma distribuição ótima da poluição em termos económicos, perseguindo um resultado ecologicamente equilibrado.
Quanto ao Pacote Clima-energia, teve a sua essência no Conselho Europeu de 2007, pela necessidade de se definir a política climática da União para o pós 2012 (posterior à vigência do Protocolo de Quioto), e onde se fixou um conjunto de metas a atingir até 2020, entre elas uma redução de 20% das emissões de gases com efeito estufa face aos níveis de 1990; um consumo de energia em 20% de fontes renováveis; aumento da eficiência energética em 20% e um nível de incorporação de biocombustíveis de 10%. Ficando conhecida como a decisão “20-20 em 2020”.

Assim em total coerência com o tema das alterações climáticas, no Tratado de Lisboa decide-se singularizar a política climática, atribuindo-lhe dignidade fundacional (ou constitucional para quem entenda que os Tratados fundadores têm essa natureza). Verifica-se um reforço da associação entre política de energia e ambiente, dado que a produção, transformação armazenamento e transporte de energias não renováveis (logo escassas) provoca efeitos negativos em termos de alterações climáticas, e em prol da resolução desse problema,  a consequente necessidade de transição para um novo paradigma energético, com base em fontes limpas e renováveis.
A relevância do art 194/1 do TFUE não está tanto no seu conteúdo mas no facto de passar a existir uma base habilitante, expressa e autónoma da política energética, acompanhada do desenvolvimento de energias novas e renováveis.

 Mariana Yee Raposo da Silva
subturma 7 
nº 18292

Bibliografia
Gomes, Carla Amado;  Antunes, Tiago – Tratado de Lisboa “Cadernos o Direito nº5” – Almedina 2010
Gomes, Carla Amado – Textos dispersos de Direito do Ambiente – AAFDL 2005
Gomes, Carla Amado – Introdução ao Direito do Ambiente – AAFDL 2012
Martins, Ana Maria Guerra – Ensaios sobre o Tratado de Lisboa – Almedina 2011




[1]  Carla A. Gomes – Introdução ao Direito do Ambiente (pág 49)
[2]  Carla A. Gomes in textos dispersos de direito do ambiente (pág 263 e ss)
[3]  Carla A. Gomes – Introdução ao Direito do Ambiente (pág 57)
[4]  Carla A. Gomes – Tratado de Lisboa (pág 32).
[5] Carla A. Gomes – Tratado de Lisboa (pág 35)
[6]  Carla A. Gomes – Tratado de Lisboa (pág 44)
[7]  Carla A. Gomes – Tratado de Lisboa (pág 46)
[8]  A generalidade dos países envolvidos comprometeu se entre 2008 e 2012 a reduzir as emissões de gases em 5% face a 1990, já os 15 países comunitários vincularam se a reduzir em 8%.


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