sexta-feira, 29 de março de 2013

PRINCÍPIO DO POLUIDOR-PAGADOR: UM “DIREITO A POLUIR”?

O Direito do Ambiente, apesar do seu carácter interdisciplinar, é uma ciência dotada de autonomia científica. Por isso, na aplicação das suas normas devem ser observados os princípios específicos de protecção ambiental.

A Constituição da República Portuguesa estabelece um conjunto de princípios fundamentais em matéria de direito do ambiente, onde se encontra o princípio do poluidor-pagador, fazendo este parte também dos princípios ambientais presentes no regime da responsabilidade por danos ambientais. Para o professor VASCO PEREIRA DA SILVA, trata-se princípios novos, que resultam de «um processo, forçosamente lento, de consciencialização social e de integração efectiva no ordenamento jurídico de novas ideias».

Tratando-se de um dos princípios basilares do Direito Ambiental, inclusive consagrado no art. 66º/2 alínea h) da Constituição da República Portuguesa assim como no art. 191º do Tratado da União Europeia, o Princípio do Poluidor-Pagador (doravante PPP) traduz-se na seguinte fórmula: “quem provocar poluição deve suportar os respectivos custos económicos.”[1] Querendo isto dizer que o poluidor deve suportar os custos do desenvolvimento das medidas de controlo, prevenção e combate da poluição (ou das fontes potencialmente poluidoras) de forma a garantir que o ambiente esteja num nível “aceitável”[2] [3].

Resumidamente, o Princípio do Poluidor-Pagador tem três funções primordiais: a de prevenção, reparação e a de internalização e redistribuição dos custos ambientais.

Importa, antes de mais, referir que por poluidor-que deve pagar, na terminologia de MARIA ALEXANDRA DE SOUSA ARAGÃO[4], entende-se aquele que tem poder de controlo sobre as condições que levam à ocorrência da poluição, podendo portanto preveni-las ou tomar precauções para evitá-la[5].

Seguindo a posição da UE expressa no nº3 da Comunicação anexa à Recomendação do Conselho 75/436, de 3 de Março de 1975 é aquele que degrada directa ou indirectamente o ambiente ou cria condições que levam à sua degradação, logo, será o produtor[6].

Do supracitado percebe-se que o PPP não tem características punitivas podendo aplicar-se sem que se verifique o descumprimento de uma lei qualquer. Relacionando-se, porém, de forma estrita com o domínio económico.

De acordo com a concepção económica o PPP “visa a internalização dos custos relativos externos de deterioração ambiental”[7], ou seja, para a Economia a poluição é considerada uma externalidade negativa, que representa um desequilíbrio no mercado concorrencial. Atingindo-se, desta forma, o sistema ideal quando há concorrência perfeita (coincidindo o custo marginal social – custo imputado à sociedade para a produção de uma unidade adicional de um bem – com a oferta). Seguindo esta linha de pensamento, os economistas sugerem que seja atribuído ao bem ambiental um preço, equiparando o custo social e o privado envolvidos na produção sendo que a incorporação deste preço seria efectuado através da introdução de instrumentos económicos tais como as taxas.

Para encontrar uma fórmula ideal para determinar o valor destas taxas vários autores se debruçaram sobre este assunto entre os quais: A.C. PIGOU, W. BAUMOL, W. E. OATES, J.H. DALES.

Este último, apresentou um sistema semelhante ao das acções, ou seja, era fixado um limite máximo de poluição e o órgão competente criava e colocava à venda um correspondente número de direitos, direitos esses que corresponderiam ao direito de poluir a natureza com um número de dejectos. O preço dessas cotas seria fixado pelo próprio mercado, com base na lei da procura e da oferta.

Este sistema foi implementado nos EUA, de forma a controlar a poluição atmosférica, assim como foi, implementado no Protocolo de Quioto.

No entanto, esta teoria contende com a própria natureza do bem ambiente como bem difuso, indivisível e insusceptível de apropriação uma vez que fixa um “direito de poluir”[8].

Mostrando-se aqui pertinente perguntar, será este o escopo do PPP?

De facto, não é de todo, o PPP não confere ao poluidor um “direito de poluir”, o princípio não autoriza a poluição, ao invés busca que os custos decorrentes das actividades que visem proteger o meio ambiente sejam delegados aos agentes que deram origem à necessidade de tais custos, ou seja, que possuem atividades potencialmente lesivas ao meio ambiente[9].

Do exposto podemos retirar que, para os economistas a poluição não passa de um “erro” matemático que pode ser corrigido através da atribuição ao ambiente de um certo valor/preço para que as coisas retomem o seu curso normal “jogando” sempre com as situações de escassez e lucro[10].

Tendo, porém, surgido toda esta concepção através de uma análise errada e descuidada dos recursos naturais por parte das áreas da Economia e do Direito. Inicialmente, os recursos naturais eram bens livres, acessíveis e sem a característica de escassez, eram os chamados res nullius, isto é, bens sobre os quais não existiam direitos reais definidos, não havendo responsáveis pela sua degradação, por contraposição aos recursos económicos.

Com o passar do tempo e com a ajuda dos avanços científicos e tecnológicos, desmistificou-se a ideia de imperecibilidade e inesgotabilidade dos recursos naturais o que exigiu a requalificação dos mesmos, passando a ser considerados Património Mundial da Humanidade, levando então, ao nascimento de uma noção de responsabilidade inter-geracional para preservação dos recursos naturais.

Assim, como vemos, este “jogo” constante através de técnicas manipulativas para se compelir o consumidor a adquirir determinado produto escasso no mercado não é aplicável ao ambiente pois isto levaria a uma monetarização da natureza – bem indisponível, inter-geracional, insusceptível de apropriação e sem preço.

Delimitado o âmbito do PPP cumpre retomar a questão levantada acerca dos instrumentos utilizados como meio de realização do PPP respondendo à questão: Como Paga o Poluidor?

Esta pergunta encontra-se resolvida no art. 4º da Comunicação anexa à Recomendação do Conselho de 1975, que estatui o seguinte: “Na aplicação do princípio poluidor-pagador, os principais instrumentos à disposição dos poderes públicos para evitar a poluição são as normas e as taxas.”

Tanto as normas como as taxas exigem que o poluidor adopte determinados comportamentos, impondo ónus monetários caso o poluidor não siga as normas de conduta impostos por estes instrumentos.

 Da conjugação destes instrumentos obtêm-se dois efeitos bastante importantes para a preservação do Ambiente:

1) redução da poluição (função de incentivo)

2) financiamento dos custos das políticas de protecção ambiental (função de redistribuição)[11].

Enquanto as normas fixam níveis “óptimos” de qualidade de ambiente, isto é, fixam limites máximos de poluição que não podem ser ultrapassados, as taxas têm por objectivo incitar o poluidor a arcar com o custo das medidas necessárias para reduzir a poluição de que á autor.

A questão colocada acerca de como paga o poluidor trás à colação de como é feita a escolha do instrumento mais adequado com o PPP. Uma vez que não há um instrumento claramente preferível em relação aos outros são apontados variados factores para a escolha do instrumento adequado, de entre os quais se apresenta cinco, que pensamos ser essenciais:

- o tipo e gravidade da poluição (poluição gradual ou poluição acidental; muito ou pouco tolerável);

- a categoria e quantidade dos poluidores (produtores ou consumidores; um só ou variados);

- os objectivos de qualidade ambiental para o sector considerado (estabilização, redução, ou total eliminação da poluição);

- as necessidades financeiras da politica do ambiente;

- e ainda outros factores envolventes dos quais, existência ou não de estruturas administrativas pré-instaladas, conhecimento das funções de poluição, transitoriedade ou não das medidas implementadas.

No entanto, a avaliação destes instrumentos, segundo um critério de compatibilidade com o PPP, mostra-se mais eficaz se agruparmos os instrumentos em tipos, tal como faz MARIA ALEXANDRA DE SOUSA ARAGÃO. Numa primeira acepção, teríamos dois grandes grupos de instrumentos, os instrumentos preventivos e os instrumentos repressivos porém, só os instrumentos preventivos[12] se apresentam como adequados para aplicar o PPP.

Porém, entre os instrumentos preventivos, apenas as “subvenções e ajudas monetárias ou em espécie” não são conformes com o PPP isto porque, e tal como entende a maioria da doutrina[13],” o Estado passaria a pagar ao poluidor um valor que corresponderia à quantidade de poluição que este deixaria de produzir (traduzindo-se isto na concessão de um beneficio fiscal ao poluidor pela abstenção/ redução ou eliminação da poluição que produz)[14].

Suscitando-se novamente a questão se estamos perante um direito do poluidor a poluir e mais uma vez a resposta a esta questão apresenta-se negativa.

Contudo, mostra-se pertinente perguntar se este benefício fiscal concedido pelo Estado não desincentiva os agentes a tomarem medidas pro ambiente?

À primeira vista, os benefícios fiscais ambientais podem ser entendidos como instrumentos de estímulo positivo que, por meio da diminuição ou até mesmo da supressão da carga tributária, buscam incentivar a alteração de comportamento dos agentes poluidores.

No entanto, na maioria dos casos o imposto (ou taxa) a pagar pelas externalidades negativas causadas pelo agente poluidor, não tem qualquer efeito na consciencialização do agente para as questões ambientais e para fazer cumprir a tarefa da protecção do ambiente e da qualidade de vida. Isto porque, para as grandes empresas e indústrias fazendo uma ponderação do custo- benefício em adoptar medidas mais “amigas” do ambiente, a opção de nada fazer apresenta-se bem mais vantajosa do que qualquer outra.

Desta forma, não se pode permitir que os agentes poluidores tratem com leviandade a tarefa de protecção do ambiente, julgando que os actos por ele perpetrados não têm quaisquer consequências para o meio ambiente (uma vez que isto gera no agente poluidor um sentimento de impunibilidade) sendo necessário, se não imperativo, concretizar ainda mais e melhor o Principio do Poluidor-Pagador para que este possa cumprir de forma eficaz as suas vocações preventivas e repressivas, coisa que não se tem verificado.

Não obstante tudo o que foi dito, se considerarmos que o PPP engloba ainda os instrumentos da responsabilidade civil objectiva por danos causados ao ambiente e a responsabilidade penal e contra-ordenacional em matéria ambiental, podemos dizer que o PPP tem na legislação portuguesa mais ampla consagração necessitando tão e somente de uma melhor delimitação e concretização para assim atingir os seus fins de protecção e prevenção do meio ambiente.

 

 

 

 


 

BIBLIOGRAFIA

- AMADO GOMES, Carla, Introdução ao Direito do Ambiente, AAFDL, 2012.

- ARAGÃO, Maria Alexandra de Sousa – Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, O Princípio do Poluidor Pagador Pedra Angular da Política Comunitária do Ambiente Coimbra Editora 1997;

- PEREIRA DA SILVA, Vasco, Verde Cor de Direito - Lições de Direito do Ambiente, Almedina, 2002.

- MARQUES DA SILVA, Isabel – “O principio do Poluidor-Pagador” in Estudos de Direito do Ambiente, Coordenação Mário de Melo Rocha, FDUP, 2003;

- MIRANDA, Beatriz Conde – Principio da Precaução e do Poluidor-Pagador, Setembro 2008, FDL

- VASQUES, Sérgio; MARTINS, Guilherme Waldemar d’ Oliveira. A evolução da tributação ambiental em Portugal, Revista Fórum de Direito Tributário – RFDT, Belo horizonte, ano 5 nº28;

- VIEIRA, Germano Luiz Gomes – Protecção Ambiental e Instrumentos de Avaliação do Ambiente, Editores Arraes, Belo Horizonte 2011

 



[1] MARIA ALEXANDRA DE SOUSA ARAGÃO, “O Principio do Poluidor-Pagador -Interpretação Literal do PPP” in Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, 1997, pág.131
[2] Seguindo a Definição da OCDE na Recomendação de 1972
[3] Em termos gerais, verifica-se que o Princípio do Poluidor-Pagador, além das finalidades mencionadas, actua como instrumento de repressão, porque se empenha na tarefa de inibir a acção lesiva ao meio ambiente, através da punição do poluidor, na esfera civil, penal e administrativa. Assim, este princípio contempla a obrigação de reparar o dano causado e o impedimento da continuidade da actividade poluidora enquanto não for observado o padrão ambiental.
[4] MARIA ALEXANDRA DE SOUSA ARAGÃO, “O Principio do Poluidor-Pagador – Pedra Angular” in Boletim FDUC, 1997, pág 133 e ss
[5] Entendimento também preconizado pela Prof. Isabel Marques da Silva, “O principio do Poluidor-Pagador” in Estudos de Direito do Ambiente, Coordenação Mário de Melo Rocha, FDUP, 2003, Pág. 110 e ss.
[6] Todavia é admissível e natural que o mesmo repercuta no consumidor, através dos mecanismos de mercado.
[7] BEATRIZ CONDE MIRANDA, Principio da Precaução e do Poluidor-Pagador, Setembro 2008, FDL
[8] Através da Implementação do Mecanismo do Desenvolvimento Limpo (Clean Development Mechanism – CDM), da Implementação Conjunta (Joint Implementation) e de Certificados de Redução de Emissões (Reduction Emission Certificate – CER)
[9] Estando aqui em causa a dimensão económica (cálculo dos custos de reparação do dano ambiental) e jurídica (identificação do poluidor para que o mesmo seja responsabilizado) deste princípio
[10] Dado que onde há abundância não há lucro, tornando-se assim vital a escassez. Por isso, quanto maior for a dependência da sociedade perante o produto, mais acessível será o seu preço o que, consequentemente, ocasionará um constante consumo de bens.
[11] Maria Alexandra de Sousa Aragão, ob. Cit, pág 169 ess
[12]  Sendo que os que se mostram mais adequados e compatíveis com o PPP são os chamados instrumentos normativos e os instrumentos económicos (sendo aqui englobados taxas e impostos).
[13] De entre os quais: Gomes Canotilho, Maria Alexandra de Sousa Aragão, Carla Amado Gomes.
[14] Estando aqui subjacente, o sistema apelidado pela literatura anglo-saxónica de “bribe”, que traduzido à letra significa suborno.

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