A Constituição da República
Portuguesa estabelece um conjunto de princípios fundamentais em matéria de
direito do ambiente, onde se encontra o princípio do poluidor-pagador, fazendo
este parte também dos princípios ambientais presentes no regime da responsabilidade
por danos ambientais. Para o professor VASCO PEREIRA DA SILVA, trata-se
princípios novos, que resultam de «um processo, forçosamente lento, de
consciencialização social e de integração efectiva no ordenamento jurídico de
novas ideias».
Tratando-se de um dos princípios
basilares do Direito Ambiental, inclusive consagrado no art. 66º/2 alínea h) da
Constituição da República Portuguesa assim como no art. 191º do Tratado da
União Europeia, o Princípio do Poluidor-Pagador (doravante PPP) traduz-se na seguinte
fórmula: “quem provocar poluição deve suportar os respectivos custos
económicos.”[1] Querendo
isto dizer que o poluidor deve suportar os custos do desenvolvimento das
medidas de controlo, prevenção e combate da poluição (ou das fontes potencialmente
poluidoras) de forma a garantir que o ambiente esteja num nível “aceitável”[2]
[3].
Resumidamente, o Princípio do
Poluidor-Pagador tem três funções
primordiais: a de prevenção, reparação e a de internalização e
redistribuição dos custos ambientais.
Importa, antes de mais, referir
que por poluidor-que deve pagar, na terminologia de MARIA ALEXANDRA DE SOUSA
ARAGÃO[4],
entende-se aquele que tem poder de controlo sobre as condições que levam à
ocorrência da poluição, podendo portanto preveni-las ou tomar precauções para
evitá-la[5].
Seguindo a posição da UE expressa
no nº3 da Comunicação anexa à Recomendação do Conselho 75/436, de 3 de Março de
1975 é aquele que degrada directa ou indirectamente o ambiente ou cria
condições que levam à sua degradação, logo, será o produtor[6].
Do supracitado percebe-se que o
PPP não tem características punitivas podendo aplicar-se sem que se verifique o
descumprimento de uma lei qualquer. Relacionando-se, porém, de forma estrita
com o domínio económico.
De acordo com a concepção
económica o PPP “visa a internalização dos custos relativos externos de
deterioração ambiental”[7],
ou seja, para a Economia a poluição é considerada uma externalidade negativa,
que representa um desequilíbrio no mercado concorrencial. Atingindo-se, desta
forma, o sistema ideal quando há concorrência perfeita (coincidindo o custo
marginal social – custo imputado à sociedade para a produção de uma unidade
adicional de um bem – com a oferta). Seguindo esta linha de pensamento, os
economistas sugerem que seja atribuído ao bem ambiental um preço, equiparando o
custo social e o privado envolvidos na produção sendo que a incorporação deste
preço seria efectuado através da introdução de instrumentos económicos tais
como as taxas.
Para encontrar uma fórmula ideal
para determinar o valor destas taxas vários autores se debruçaram sobre este
assunto entre os quais: A.C. PIGOU, W. BAUMOL, W. E. OATES, J.H. DALES.
Este último, apresentou um
sistema semelhante ao das acções, ou seja, era fixado um limite máximo de
poluição e o órgão competente criava e colocava à venda um correspondente
número de direitos, direitos esses que corresponderiam ao direito de poluir a
natureza com um número ᵪ de dejectos. O preço dessas
cotas seria fixado pelo próprio mercado, com base na lei da procura e da
oferta.
Este sistema foi implementado nos
EUA, de forma a controlar a poluição atmosférica, assim como foi, implementado
no Protocolo de Quioto.
No entanto, esta teoria contende
com a própria natureza do bem ambiente como bem difuso, indivisível e
insusceptível de apropriação uma vez que fixa um “direito de poluir”[8].
Mostrando-se aqui pertinente
perguntar, será este o escopo do PPP?
De facto, não é de todo, o PPP
não confere ao poluidor um “direito de poluir”, o princípio não autoriza a
poluição, ao invés busca que os custos decorrentes das actividades que visem
proteger o meio ambiente sejam delegados aos agentes que deram origem à
necessidade de tais custos, ou seja, que possuem atividades potencialmente
lesivas ao meio ambiente[9].
Do exposto podemos retirar que,
para os economistas a poluição não passa de um “erro” matemático que pode ser
corrigido através da atribuição ao ambiente de um certo valor/preço para que as
coisas retomem o seu curso normal “jogando” sempre com as situações de escassez
e lucro[10].
Tendo, porém, surgido toda esta
concepção através de uma análise errada e descuidada dos recursos naturais por
parte das áreas da Economia e do Direito. Inicialmente, os recursos naturais
eram bens livres, acessíveis e sem a característica de escassez, eram os
chamados res nullius, isto é, bens
sobre os quais não existiam direitos reais definidos, não havendo responsáveis
pela sua degradação, por contraposição aos recursos económicos.
Com o passar do tempo e com a
ajuda dos avanços científicos e tecnológicos, desmistificou-se a ideia de
imperecibilidade e inesgotabilidade dos recursos naturais o que exigiu a
requalificação dos mesmos, passando a ser considerados Património Mundial da
Humanidade, levando então, ao nascimento de uma noção de responsabilidade
inter-geracional para preservação dos recursos naturais.
Assim, como vemos, este “jogo”
constante através de técnicas manipulativas para se compelir o consumidor a
adquirir determinado produto escasso no mercado não é aplicável ao ambiente
pois isto levaria a uma monetarização da natureza – bem indisponível, inter-geracional, insusceptível de apropriação e
sem preço.
Delimitado o âmbito do PPP cumpre
retomar a questão levantada acerca dos instrumentos utilizados como meio de
realização do PPP respondendo à questão: Como
Paga o Poluidor?
Esta pergunta encontra-se
resolvida no art. 4º da Comunicação anexa à Recomendação do Conselho de 1975,
que estatui o seguinte: “Na aplicação do princípio poluidor-pagador, os
principais instrumentos à disposição dos poderes públicos para evitar a
poluição são as normas e as taxas.”
Tanto as normas como as taxas
exigem que o poluidor adopte determinados comportamentos, impondo ónus
monetários caso o poluidor não siga as normas de conduta impostos por estes
instrumentos.
Da conjugação destes instrumentos obtêm-se
dois efeitos bastante importantes para a preservação do Ambiente:
1) redução da poluição (função de
incentivo)
Enquanto as normas fixam níveis “óptimos”
de qualidade de ambiente, isto é, fixam limites máximos de poluição que não
podem ser ultrapassados, as taxas têm por objectivo incitar o poluidor a arcar
com o custo das medidas necessárias para reduzir a poluição de que á autor.
A questão colocada acerca de como
paga o poluidor trás à colação de como é feita a escolha do instrumento mais adequado
com o PPP. Uma vez que não há um instrumento claramente preferível em relação
aos outros são apontados variados factores para a escolha do instrumento
adequado, de entre os quais se apresenta cinco, que pensamos ser essenciais:
- o tipo e gravidade da poluição
(poluição gradual ou poluição acidental; muito ou pouco tolerável);
- a categoria e quantidade dos
poluidores (produtores ou consumidores; um só ou variados);
- os objectivos de qualidade
ambiental para o sector considerado (estabilização, redução, ou total eliminação
da poluição);
- as necessidades financeiras da
politica do ambiente;
- e ainda outros factores
envolventes dos quais, existência ou não de estruturas administrativas
pré-instaladas, conhecimento das funções de poluição, transitoriedade ou não
das medidas implementadas.
No entanto, a avaliação destes
instrumentos, segundo um critério de compatibilidade com o PPP, mostra-se mais
eficaz se agruparmos os instrumentos em tipos, tal como faz MARIA ALEXANDRA DE
SOUSA ARAGÃO. Numa primeira acepção, teríamos dois grandes grupos de
instrumentos, os instrumentos preventivos e os instrumentos repressivos porém,
só os instrumentos preventivos[12]
se apresentam como adequados para aplicar o PPP.
Porém, entre os instrumentos
preventivos, apenas as “subvenções e ajudas monetárias ou em espécie” não são
conformes com o PPP isto porque, e tal como entende a maioria da doutrina[13],”
o Estado passaria a pagar ao poluidor um valor que corresponderia à quantidade
de poluição que este deixaria de produzir (traduzindo-se isto na concessão de
um beneficio fiscal ao poluidor pela abstenção/ redução ou eliminação da
poluição que produz)[14].
Suscitando-se novamente a questão
se estamos perante um direito do poluidor a poluir e mais uma vez a resposta a
esta questão apresenta-se negativa.
Contudo, mostra-se pertinente
perguntar se este benefício fiscal concedido pelo Estado não desincentiva os
agentes a tomarem medidas pro ambiente?
À primeira vista, os benefícios
fiscais ambientais podem ser entendidos como instrumentos de estímulo positivo
que, por meio da diminuição ou até mesmo da supressão da carga tributária,
buscam incentivar a alteração de comportamento dos agentes poluidores.
No entanto, na maioria dos casos o
imposto (ou taxa) a pagar pelas externalidades negativas causadas pelo agente
poluidor, não tem qualquer efeito na consciencialização do agente para as
questões ambientais e para fazer cumprir a tarefa da protecção do ambiente e da
qualidade de vida. Isto porque, para as grandes empresas e indústrias fazendo
uma ponderação do custo- benefício em adoptar medidas mais “amigas” do ambiente,
a opção de nada fazer apresenta-se bem mais vantajosa do que qualquer outra.
Desta forma, não se pode permitir
que os agentes poluidores tratem com leviandade a tarefa de protecção do
ambiente, julgando que os actos por ele perpetrados não têm quaisquer
consequências para o meio ambiente (uma vez que isto gera no agente poluidor um
sentimento de impunibilidade) sendo necessário, se não imperativo, concretizar
ainda mais e melhor o Principio do Poluidor-Pagador para que este possa cumprir
de forma eficaz as suas vocações preventivas e repressivas, coisa que não se
tem verificado.
Não obstante tudo o que foi dito,
se considerarmos que o PPP engloba ainda os instrumentos da responsabilidade
civil objectiva por danos causados ao ambiente e a responsabilidade penal e
contra-ordenacional em matéria ambiental, podemos dizer que o PPP tem na
legislação portuguesa mais ampla consagração necessitando tão e somente de uma
melhor delimitação e concretização para assim atingir os seus fins de protecção
e prevenção do meio ambiente.
BIBLIOGRAFIA
- AMADO GOMES, Carla, Introdução
ao Direito do Ambiente, AAFDL, 2012.
- ARAGÃO, Maria Alexandra de
Sousa – Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, O Princípio
do Poluidor Pagador Pedra Angular da Política Comunitária do Ambiente Coimbra
Editora 1997;
- PEREIRA DA SILVA, Vasco, Verde
Cor de Direito - Lições de Direito do Ambiente, Almedina, 2002.
- MARQUES DA SILVA, Isabel – “O
principio do Poluidor-Pagador” in Estudos de Direito do Ambiente, Coordenação
Mário de Melo Rocha, FDUP, 2003;
- MIRANDA, Beatriz Conde –
Principio da Precaução e do Poluidor-Pagador, Setembro 2008, FDL
- VASQUES, Sérgio; MARTINS,
Guilherme Waldemar d’ Oliveira. A evolução da tributação ambiental em Portugal,
Revista Fórum de Direito Tributário – RFDT, Belo horizonte, ano 5 nº28;
- VIEIRA, Germano Luiz Gomes –
Protecção Ambiental e Instrumentos de Avaliação do Ambiente, Editores Arraes,
Belo Horizonte 2011
[1] MARIA
ALEXANDRA DE SOUSA ARAGÃO, “O Principio do Poluidor-Pagador -Interpretação
Literal do PPP” in Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra,
1997, pág.131
[2] Seguindo
a Definição da OCDE na Recomendação de 1972
[3] Em
termos gerais, verifica-se que o Princípio do Poluidor-Pagador, além das
finalidades mencionadas, actua como instrumento de repressão, porque se empenha
na tarefa de inibir a acção lesiva ao meio ambiente, através da punição do
poluidor, na esfera civil, penal e administrativa. Assim, este princípio
contempla a obrigação de reparar o dano causado e o impedimento da continuidade
da actividade poluidora enquanto não for observado o padrão ambiental.
[4] MARIA
ALEXANDRA DE SOUSA ARAGÃO, “O Principio do Poluidor-Pagador – Pedra Angular” in
Boletim FDUC, 1997, pág 133 e ss
[5]
Entendimento também preconizado pela Prof. Isabel Marques da Silva, “O
principio do Poluidor-Pagador” in Estudos de Direito do Ambiente, Coordenação
Mário de Melo Rocha, FDUP, 2003, Pág. 110 e ss.
[6] Todavia
é admissível e natural que o mesmo repercuta no consumidor, através dos
mecanismos de mercado.
[7] BEATRIZ
CONDE MIRANDA, Principio da Precaução e do Poluidor-Pagador, Setembro 2008, FDL
[8] Através
da Implementação do Mecanismo do Desenvolvimento Limpo (Clean Development
Mechanism – CDM), da Implementação Conjunta (Joint Implementation) e de
Certificados de Redução de Emissões (Reduction Emission Certificate – CER)
[9] Estando
aqui em causa a dimensão económica (cálculo dos custos de reparação do dano
ambiental) e jurídica (identificação do poluidor para que o mesmo seja
responsabilizado) deste princípio
[10] Dado
que onde há abundância não há lucro, tornando-se assim vital a escassez. Por
isso, quanto maior for a dependência da sociedade perante o produto, mais
acessível será o seu preço o que, consequentemente, ocasionará um constante
consumo de bens.
[11] Maria
Alexandra de Sousa Aragão, ob. Cit, pág 169 ess
[12] Sendo que os que se mostram mais adequados e
compatíveis com o PPP são os chamados instrumentos normativos e os instrumentos
económicos (sendo aqui englobados taxas e impostos).
[13] De
entre os quais: Gomes Canotilho, Maria Alexandra de Sousa Aragão, Carla Amado
Gomes.
[14] Estando
aqui subjacente, o sistema apelidado pela literatura anglo-saxónica de “bribe”, que traduzido à letra significa
suborno.
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