quinta-feira, 21 de março de 2013

Direito Do Ambiente e Direito Ao Ambiente


Direito Do Ambiente e Direito Ao Ambiente

 

A consideração do Direito do Ambiente afigura- se indispensável, antes de mencionar directamente os problemas relativos ao conceito de Ambiente, deve referir- se o quão relevante se mostra a opção por uma perspectiva essencialmente antropocêntrica, em que a defesa do Ambiente é feita com o objectivo principal-ou único mesmo- de defesa da vida humana; ou a opção pela perspectiva ecocêntrica, em que o Ambiente já é tutelado em si mesmo, procurando- se a defesa e promoção da natureza como um novo valor[1].

Esta questão, tem vindo a ser profundamente discutida continuando a suscitar as maiores dúvidas: deverá proteger- se o ambiente pelo próprio ambiente, em razão do valor que ele tem em si e em face dos direitos de que a comunidade biótica deverá gozar ou, será que é “apenas” a vida do homem que se pretende assegurar em condições dignas de existência?

Creio não ser possível uma resposta em termos de opção radical por uma ou outra das perspectivas. Quer se parta, de resto, de uma pré- compreensão antropocêntrica ou antes de uma pré- compreensão ecocêntrica do Direito do Ambiente, a conclusão será a mesma: no primeiro caso, se se comprometerem os elementos naturais[2],a existência do Homem, pelo menos em condições de vida minimamente satisfatórias, estarão comprometidas; no segundo, ao se pretender proteger o Ambiente como um valor em si mesmo, está em causa a “comunidade biótica” como um novo valor emergente.

O conceito de Ambiente é de extrema dificuldade, devido à relatividade do conceito; que o jurista sente de forma muito especial ao perceber que a tutela do ambiente, não poderá nunca ser concebida de forma absoluta, mas apenas em termos relativos, segundo níveis de tolerabilidade.

Encontram- se à partida duas alternativas para o conceito de ambiente:

·         A de optar por um conceito amplo de ambiente, que inclua não só os componentes ambientais naturais, mas também os componentes ambientais Humanos[3] (isto é, não apenas o ambiente natural mas também o ambiente construído);

·         Ou a de optar por um conceito estrito de ambiente, que se centre nos primeiros componentes referidos;

O conceito amplo tende a abarcar tanto os elementos ou factores naturais, como elementos entretanto construídos pelo Homem, vindo a identificar- se com o meio ambiente que rodeia o Homem, na sua globalidade[4]. Esta noção serve para” exprimir a globalidade das condições envolventes da vida que actuam sobre unidade vital”, segundo, Gomes Canotilho. E assim se pode constatar a inegável vantagem de proporcionar um sistema global de interpenetração do mundo e da vida, o que representa um momento de progresso.

Com efeito, ao integrar tanto os elementos naturais como os económicos, sociais e culturais, o conceito de ambiente vem a significar “tudo aquilo que nos rodeia e que influencia, directa ou indirectamente, a nossa qualidade de vida e os seres vivos que constituem a biosfera[5].

Já na consideração de Vasco Pereira da Silva, o Direito do Ambiente como direito do Homem resulta da necessidade de repensar a posição do indivíduo na comunidade perante os novos desafios colocados pelas modernas sociedades. E se a “dignidade da pessoa humana” é o fundamento dos direitos humanos, a sua realização, em cada momento, exige um esforço de adaptação, que é determinado em cada momento concreto, segundo as circunstâncias. O Professor, fala a este respeito na geração de direitos humanos, dizendo que pode ser um conceito útil, se elas forem consideradas como momentos históricos de realização dos direitos dos indivíduos. As gerações representariam assim, uma dimensão da historicidade dos direitos humanos, mostrando como a matriz subjectiva se vai concretizando ao longo do tempo, conduzindo ao progressivo aprofundamento e desenvolvimento das formas de realização da dignidade da pessoa humana.

Considera ainda que no estado Pós- social em que vivemos, e no quadro de uma lógica constitutiva e infra- estrutural dirigida para a criação de condições para a colaboração de entidades públicas e privadas, está associado a uma terceira geração de direitos humanos em novos domínios da vida da sociedade, como é o caso do ambiente e da qualidade de vida, entre muitos outros.

A protecção do ambiente tornou- se, assim, uma tarefa inevitável do Estado Moderno, permitindo mesmo a caracterização como um “Estado de ambiente”.

Ora, no Direito do Ambiente tanto existem direitos subjectivos das pessoas relativamente ao meio- ambiente, no quadro de relações que têm como sujeitos passivos entidades públicas e privadas, como a tutela objectiva de bens ambientais[6]. E uma coisa são os direitos das pessoas nas relações jurídicas de ambiente; outra será a consideração das realidades ambientais como bens jurídicos, que implica a existência de deveres objectivos, de actuação e de abstenção; tanto de autoridades legislativas, administrativas e judiciais, como de privados.

Segundo esta concepção a via mais adequada para a protecção da natureza será a que decorre da lógica da protecção jurídica individual, partindo dos direitos fundamentais, e considerando que as normas reguladoras do ambiente se destinam à protecção dos interesses dos particulares, que desta forma são titulares de direitos subjectivos públicos. Já que, é esta subjectivação da defesa do ambiente que faz com que cada um de nós se preocupe com os interesses do estado como se fossem os nossos. Daí a necessidade de integrar a preservação do ambiente no âmbito da protecção jurídica subjectiva, mediante o recurso aos direitos fundamentais, porque só a consideração como direito fundamental ao ambiente pode garantir a adequada defesa contra agressões ilegais, provenientes quer de entidades públicas quer de privadas, na esfera individual protegida pelas normas constitucionais.

Assim, depressa se percebe que a heterogeneidade deste conceito não permite uma concepção monista do ambiente. Seja como for, o conceito de ambiente relevante para um enquadramento jurídico terá sempre que ser complementado pela normatividade inerente a qualquer conceito que se pretenda capaz de operacionalidade jurídica, o que significa dizer que terão consideração, os actos, as medidas e os instrumentos juridicamente vinculantes, que se debruçam sobre o ambiente por forma a protegê- lo e promovê-lo perante as agressões de que é alvo pelo Homem.

Feitas estas considerações, terá ficado patente a crescente preocupação que as sociedades contemporâneas têm vindo a experimentar em face de uma série de problemas trazidos ao Homem.

O Direito do Ambiente pode considerar- se um direito jovem, que se impôs pelas piores razões, nomeadamente pela tomada de consciência da finitude dos recursos naturais, fruto de séculos de aproveitamento desregulado e precipitado. Nas palavras de Carla Amado Gomes, o Direito Do Ambiente nasce como um “Direito contra”, mas tem crescido como um Direito de reconciliação (na medida do possível) entre o Homem e o Meio[7]. O que traduz uma tentativa de sustar a degradação do Estado dos recursos, sem com isso pôr em causa o modelo de desenvolvimento sócio- económico que sustenta a civilização ocidental.

Será então o Ambiente considerado como um Bem Jurídico?

A generalização dessa convicção que opera não apenas a nível nacional, mas internacional também, dada a inevitável propensão para a “ Mundialização” dos problemas ambientais, está na base da emergência do ambiente como um bem digno de protecção e tutela jurídica. A protecção do Ambiente tornou- se, assim, uma “tarefa inevitável”.

Importa realçar a noção de Bem Jurídico, isto é, o facto de através desta noção se pretender abranger valores ou interesses que se apresentam em estreita conexão com os interesses gerais da sociedade, tomados enquanto tais e não enquanto valores de cunho estritamente individual[8].

Gomes Canotilho fala a este respeito da “Socialização” do conceito, na medida em que o ambiente apesar de também ser um direito fundamental pertencente a todos e a cada um de nós é, sem dúvida, um interesse colectivo, com uma dimensão social que nunca poderá ser esquecida.

Por seu turno e como acima supra citado, Vasco Pereira da Silva, dá prevalência à dimensão subjectiva, mas considera que tanto existem direitos subjectivos das pessoas relativamente ao meio ambiente, no quadro de relações que têm como sujeitos passivos as entidades públicas e privadas, como a tutela objectiva de bens ambientais. Assim sendo, refere que a melhor forma de defender o ambiente passa pela tomada de consciência pelas pessoas dos direitos que possuem neste domínio, e não pela personificação das realidades naturais, mediante a indistinção entre protecção jurídica subjectiva e tutela objectiva, e com a consequente inutilização prática da noção de directo subjectivo.

Os valores ético- jurídicos da defesa do ambiente, não esgotam todos os princípios e valores do ordenamento jurídico, pelo que a realização do Estado de Direito Ambiental vai obrigar à conciliação dos direitos fundamentais em matéria de Ambiente com as demais posições jurídicas subjectivas constitucionalmente fundadas, quer se trate de Direitos de 1ª Geração ou 2º Geração[9].

Apesar das divergências entre os supra citados, há convergência quanto à autonomia do Bem Jurídico Ambiente, que é tutelado em si e por si mesmo; isto porque hoje em dia, um meio de vida são e sadio constitui em si mesmo um Bem Jurídico em sentido próprio e autónomo.

A lei protege e regula o ambiente quer entendido na sua globalidade, quer na medida em que os seus diversos componentes são também objecto da tutela do Direito. Assim se afigura a transcendência do ambiente, relativamente aos interesses individuais a ele ligados, o que se articula com a conclusão de que a sua dimensão colectiva ou social é, pura e simplesmente, irredutível.

Para tal há uma multiplicação de instrumentos de protecção do ambiente, que deram origem a uma rede normativa complexa e de árdua concatenação; a tutela do Bem Ambiente, nas suas diversas vertentes, afirma- se como um desígnio Internacional, fortemente dependente da cooperação entre os Estados, sendo reflexo de novos valores de solidariedade inter e intrageracional.

Mais se afirma que, a consagração jurídico- constitucional que o Ambiente recebeu no ordenamento jurídico vem confirmar a tutela do Bem Jurídico.

Em Portugal, a tarefa estadual de protecção do ambiente ganhou maior visibilidade com o ímpeto revolucionário, que foi aproveitado de forma a incorporar a tarefa da sua protecção no texto constitucional, acolhendo na Lei Fundamental de 1976 um artigo ambiental- o 66º, o qual acompanhado, desde a Revisão Constitucional de 1982 da norma de reserva de competência legislativa relativa da Assembleia da República, para estabelecer as bases de protecção da natureza (artigo 165º nº1 al.g) e da norma que lhe confere a titulação formal de “tarefa fundamental” do artigo 9º al. d,e) constitui a referência primeira do Direito do Ambiente Português[10].

No seguimento da consideração do Ambiente como um Bem Jurídico autónomo, torna- se fulcral perceber a consagração clara e inequívoca do direito dos cidadãos ao Ambiente, como um Direito Fundamental; o que se torna evidente se entendermos que o Ambiente, apesar de ser um bem social unitário, é dotado de uma indiscutível dimensão pessoal.

A Constituição da República Portuguesa revela- se paradigmática, prevendo no artigo 66º[11] “o direito a um ambiente de vida humana, sadio e ecologicamente equilibrado” como um Direito Fundamental, autónomo, relativamente a outros direitos como o Direito à Vida, o Direito à Saúde ou o Direito de Propriedade. Como bem acentua Gomes Canotilho, “ a leitura conjugada das normas constitucionais e das normas legais aponta, desde logo, para a existência de um direito subjectivo ao ambiente, autónomo e distinto de outros direitos também constitucionalmente protegidos”; o que determina que o Direito ao Ambiente sadio e ecologicamente equilibrado surge como direito subjectivo inalienável pertencente a qualquer pessoa[12].

Esta consagração significa que, por maior importância que se atribua à qualificação do ambiente como bem público ou colectivo, a sua dimensão subjectiva nunca poderá, na consideração jurídica passar para segundo plano.

A constatação do Ambiente como um Direito Subjectivo de cada pessoa, confere- lhe uma feição específica, devendo todos os mecanismos jurídicos existentes para a sua garantia e tutela adequar- se a esta caracterização, tendo em conta a especial força que assume um Direito Fundamental com assento na Constituição.

Isto em consequência de a Constituição ser a Lei fundamental na nossa ordem jurídica, ao que se acrescenta a circunstância de o reconhecimento dos Direitos Fundamentais ocupar nela um lugar central.

Na linha de pensamento da Constituição, importa considerar o Ambiente simultaneamente numa dimensão objectiva e subjectiva. Deve reforçar- se a ideia, segundo a qual, a dimensão subjectiva do ambiente nunca pode ser relegada. Importante ainda, conceber o Direito fundamental como um Direito da Personalidade Humana com a consequente autonomia que lhe é impressa. [13]

Segundo a doutrina de Vasco Pereira Da Silva, o recurso aos direitos fundamentais fornece a “chave” para entender tanto as relações públicas como as privadas no domínio ambiental, permitindo “reconduzir os problemas jurídicos do ambiente, em geral, a uma unidade de referência normativa e de construção dogmática, possibilitando o seu tratamento em termos de sistema”. E isto porque o Direito ao Ambiente, enquanto direito de defesa contra agressões ilegais goza do regime dos Direitos, Liberdades e Garantias, vinculando entidades públicas e privadas (vide os artigos 17º e 18º da Constituição).

O Direito ao Ambiente, apresenta em simultâneo uma vertente negativa, que garante ao seu titular a defesa contra agressões ilegais no domínio constitucionalmente garantido; e uma vertente positiva, que obriga à actuação das entidades públicas para a sua efectivação. Assim, ao Direito ao Ambiente é de aplicar o regime jurídico dos Direitos, Liberdades e Garantias, na medida da sua dimensão negativa; e o regime jurídico dos Direitos Económicos, sociais e Culturais na medida da sua dimensão positiva.

Nestes termos- e em outros- a ideia de que o Direito a um Ambiente São e Equilibrado, integra um aspecto fundamental da vida em comum dos Homens numa sociedade industrial avançada e pós- industrial; carecendo de uma autónoma, específica e forte disciplina ético- jurídica e técnico- jurídica, exprime- se num importante conjunto de princípios fundamentais da ordem cultural. O que resulta claro e como um desafio ao Direito, é que o desenvolvimento, hoje, não pode conceber- se sem a componente ambiental.

Do que fica dito, pode concluir-se que o recurso ao Direito Fundamental permite enquadrar todo o universo das ligações jurídicas e citando Vasco Pereira Da Silva, “ verdes são também os direitos do Homem, pois eles constituem o fundamento de uma protecção adequada e completa ao Ambiente”, respondendo aos novos desafios colocados pelas modernas sociedades, sempre em busca da realização da dignidade da pessoa humana.

 

 

 

 

 

Bibliografia:

 

Gomes Canotilho, “Direito constitucional e teoria da Constituição”, Almedina, Coimbra, 1998; e “Introdução ao Direito do Ambiente”;

António Sousa Franco in “ Comunicações apresentadas no curso realizado no Instituto nacional de Administração, de 17 a 28 de Maio de 1993;

Vasco Pereira Da Silva, “ Da constituição Verde para as Relações Jurídicas Multilaterais”, in Lições de Direito do Ambiente;

Carla Amado Gomes, “ Introdução ao Direito do Ambiente”, AAFDL-2012;

 

Trabalho realizado por Marta Araújo, subturma7

  



[1] Sobre estas perspectivas ou pré- compreensões ambientais cfr. GOMES CANOTILHO,” Procedimento Administrativo e Defesa do Ambiente”, Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 123º (1991), nº3799, p.290.
[2] Os elementos naturais são: o ar, a luz, a água, o solo vivo e o subsolo, a flora e a fauna.
[3] Os elementos humanos são: a paisagem, o património natural e construído e a poluição.
[4] Gomes Canotilho em “Procedimento”, Revista de Legislação e Jurisprudência, nº 3799,p.289
[5] Pereira Reis, lei de Bases do Ambiente- Anotada e Comentada- Legislação Complementar, Livraria Almedina, Coimbra, 1992, p.25.
[6] Em sentido contrário Freitas Do Amaral, ao considerar o Direito do Ambiente como “o primeiro ramo do Direito que nasce, não para regular as relações dos homens entre si, mas para tentar disciplinar as relações do Homem com a Natureza- os direitos do Homem sobre a Natureza, os deveres do Homem para com a Natureza e, eventualmente, os direitos da Natureza perante o Homem” (Freitas Do Amaral, “ Apresentação” in “Direito do Ambiente”, Instituto Nacional de Administração, Lisboa, 1994, p.17)
[7] Apelando a esta ideia, Jacqueline Morand-Deviller, Le Droit de L´environnement, Paris, 1987, p 5 segs.
[8] Bem Jurídico que embora possua dimensões individuais, deve ser sempre visto como um bem da colectiviadade.
[9] Direitos de 1º Geração têm como exemplos o Direito de Liberdade, de Propriedade; e Direitos de 2º Geração os Direitos Económicos e Sociais.
[10] De acordo com o artigo 9º, alínea d), constitui tarefa fundamental do Estado “promover o bem- estar e a qualidade de vida do povo e a igualdade real entre os portugueses, bem como a efectivação dos direitos económicos, sociais, culturais e ambientais, mediante a transformação e modernização das estruturas económicas e sociais”
[11] Artigo 66º da CRP colocado sistematicamente na sua Parte I, relativa aos Direitos e Deveres Fundamentais dos cidadãos.
[12] Gomes Canotilho in “ Procedimento…”, Revista de Legislação e Jurisprudência nº3.802.p.9)
[13] Enquanto Direito fundamental ele é protegido com autonomia relativamente a outros Direitos que lhe são próximos, tendo o Legislador dado garantia a uma tutela directa e imediata e não apenas como meio de efectivar outros direitos com ele relacionados.

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