Contratos de Adaptação e Promoção
Ambiental
I
- É comum, na discussão sobre qual o conteúdo e em que é que se traduz o
direito fundamental ao ambiente, consagrado no artigo 66.º da Constituição da República
Portuguesa, trazer-se também à colação saber o que é que se pode exigir da
Administração Pública, no que toda à protecção do ambiente: uma atitude
negativa ou passiva, de abstenção de condutas lesivas do direito ao ambiente;
ou/e também uma atitude positiva ou activa na protecção do direito ao ambiente.
Seja qual for a posição que se adopte, uma coisa é certa: a Administração tem em
seu poder uma série de instrumentos, criados por acto legislativo próprio, de
protecção do direito ao ambiente. Carla
Amado Gomes divide estes instrumentos em 4 grandes grupos, são eles os
preventivos, os reparatórios, os repressivos e os de fomento (Carla Amado Gomes: 194).
O
que há de comum nestes instrumentos é a sua função. Hoje em dia, a
Administração não se limita a tomar atitudes repressivas e preventivas da
violação do direito ao ambiente, antes tem ido mais além e tem procurado
alcançar objectivos de preservação e promoção da tutela ambiental, motivada
pela necessidade de incentivar, encorajar e educar para os valores do ambiente
(Carla Amado Gomes: 194).
Detenhamo-nos
nos instrumentos preventivos. Como é bom de ver, estes instrumentos seguem à risca
toda a lógica subjacente ao princípio da prevenção. São exemplos de
instrumentos preventivos os planos especiais de ordenamento do território,
actos autorizativos ambientais e os contratos de adaptação e promoção
ambiental, sendo estes últimos o objecto do nosso estudo.
Atentemos
agora nos contratos de adaptação e promoção ambiental. Urge saber, em primeiro
lugar, o que são estes contratos, qual o seu fim, objecto e natureza jurídica
e, em segundo lugar, quais os problemas específicos que se têm levantado na
doutrina.
II
- Como se sabe, cada vez mais, a Administração recorre a processos de
contratação com operadores privados e a área ambiental não é excepção. Isto
porque, como diz Vasco Pereira da Silva,
tornou-se comum a participação dos particulares na prossecução do interesse
público, de modo que a contratação se tornou numa alternativa à prática de
actos administrativos (recorde-se a classificação de "contratos
administrativos com conteúdo passível de acto administrativo" - Vasco Pereira da Silva: 210-211).
Se
olharmos para o paradigma legislativo do Direito do Ambiente, não encontramos
muitos diplomas, mas começando por analisar os poucos que existem, encontramos
uma série de referências legislativas as contratos de adaptação e promoção ambiental,
a começar pela Lei de Bases do Ambiente (doravante, LBA), que no seu artigo 96.º
faz referência ao primeiro.
Mais
recentemente, surge-nos o Decreto-Lei n.º 236/98, de 1 de Fevereiro que prevê a
possibilidade de a Administração celebrar com um privado um contrato que
derrogue as normas sobre valores-limite de emissões poluentes (Carla Amado Gomes: 204). Os contratos de
adaptação ambiental estão previstos no artigo 68.º do referido diploma, ao
passo que os contratos de promoção ambiental estão previstos no artigo 78.º do
mesmo regime jurídico.
Vejamos,
então, quais os seus traços característicos, para compreendermos melhor o
conteúdo destes contratos, tendo sempre presente que, apesar de os contratos de
adaptação ambiental e os contratos de promoção ambiental seguirem um regime
jurídico idêntico, são diferentes no objecto (Vasco
Pereira da Silva: 211), daí seguirmos os ensinamentos de Vasco Pereira da Silva tentando
apresentar os traços de cada um dos diferentes instrumentos separadamente.
Os
contratos de promoção ambiental têm como finalidade promover a "melhoria
da qualidade das águas" e a "protecção do meio aquático", nos
termos do exposto no artigo 68.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 236/98, de 1 de
Agosto. Já os contratos de adaptação ambiental seguem uma finalidade de
"adaptação à legislação ambiental em vigor (...) e à redução da poluição
causada pela descarga de águas residuais no meio aquático e no solo",
conforme o disposto no artigo 78.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 236/98, de 1 de
Agosto. Portanto, é bom de ver que os contratos em questão têm finalidades
diferentes em matéria ambiental.
Quanto
aos sujeitos que podem ser parte nestes contratos, Vasco Pereira da Silva diz que importa aqui distinguir duas
fases da contratação, para depois determinar quem é passível de se qualificar
como sujeito de um contrato de adaptação ou promoção ambiental (Vasco Pereira da Silva: 212). De facto,
os contratos de adaptação e promoção ambientais não são como quaisquer outros
contratos administrativos puros (não queremos com isto dizer que não são
contratos administrativos, pois, como veremos, eles são-no). Vejamos. Numa
primeira fase, surgem os sujeitos da negociação e celebração do acordo-tipo (Vasco Pereira da Silva: 212), que, nos
contratos de promoção ambiental são as associações representativas do sector em
causa, por um lado, e o Ministério do Ambiente e o ministério responsável pelo
sector de actividade económica em questão (artigo 68.º, n.º 1, do Decreto-Lei
n.º 236/98, de 1 de Agosto), por outro, e nos contratos de adaptação ambiental
são partes as associações representativas dos sectores industriais e
agro-alimentares e o Ministério do Ambiente e o ministério responsável pelo
sector de actividade económica em questão (artigo 78.º, n.º 1, do Decreto-Lei
n.º 236/98, de 1 de Agosto). Esta fase leva à assinatura e celebração do
acordo-tipo que se aplica apenas às partes contraentes.
Numa
segunda fase, surgem os sujeitos da relação contratual, que ganham esse
estatuto por via de uma adesão àqueles contratos-tipo. Podem aderir a eles
quaisquer empresas de um determinado sector de actividade económica,
independentemente de estarem ou não representadas pela associação que celebrou
o acordo-tipo, isto nos termos do exposto nos artigos 68.º, n.º 4 e 78.º, n.º
4, do Decreto-Lei n.º 236/98, de 1 de Agosto.
Cumpre
agora conhecer e diferenciar o objecto de cada um dos contratos em causa.
Enquanto que os contratos de promoção ambiental têm como objecto o facto de os
particulares se comprometerem a seguir normas de descarga mais exigentes do que
as que se encontram em vigor para o sector de actividade e para as empresas
aderentes (artigo 68.º n.º 3, do Decreto-Lei n.º 236/98, de 1 de Agosto), os
contratos de adaptação ambiental visam a adaptação da legislação ambiental em
vigor, através da adopção de prazos e de um calendário, que visa a progressiva
e gradual adaptação da empresa em causa à lei.
Através
da análise que se acaba de fazer, conseguindo identificar os traços
característicos de cada uma das figuras, façamos um apanhado geral e conclusivo
sobre em que consistem estes tipos de contratos.
O
contrato de adaptação ambiental, referido no artigo 78.º do Decreto-Lei n.º
236/98, de 1 de Agosto, permite a derrogação das normas de descarga, no sentido
de "degradar o índice de protecção aplicável" (Carla Amado Gomes: 204) por força da
lei, i.e., os contratos de adaptação ambiental, celebrados entre a
Administração e estruturas representativas de empresas de um certo sector,
visam afastar a aplicação da lei que estabelece limites às descargas de
resíduos no meio ambiente, isto porque a adaptação das empresas a nova
legislação é quase sempre caracterizada por custos elevadíssimos suportados
pelas empresas, de modo que a Administração, como alternativa à activação
imediata do sistema contra-ordenacional, celebra contratos com estas empresas,
estabelecendo um plano que torne menos abrupta e pesada a transição para
regimes jurídicos diferentes ou a adopção de novas políticas ambientais.
Obviamente que este plano prevê, pelo menos numa fase inicial, a não aplicação
de normas legais imperativas, o que, como veremos, traz associados muitos
problemas.
Os
contratos de promoção ambiental, pelo contrário, são contratos que vinculam as
empresas aderentes a "normas de descarga de águas residuais para o meio
hídrico e solo mais exigentes do que as aplicáveis ao sector da actividade em
causa" (Carla Amado Gomes:
205). Como podemos constatar pela análise do disposto no artigo 68.º do Decreto-Lei
n.º 236/98, de 1 de Agosto, os contratos de promoção ambiental consistem em
acordos entre a Administração e as empresas envolvidas que visam estabelecer um
limite mais baixo de descargas para estas empresas. Digamos que estes contratos
levantam também problemas que veremos adiante, mas que podemos adiantar já
estarem conexos com a aplicação a todas as empresas do sector em causa, tendo,
por isso, eficácia externa.
Discute-se
também qual a natureza jurídica dos contratos de adaptação e promoção
ambiental. É unânime na doutrina a natureza bilateral, de contrato
administrativo, de liberdade de celebração como alternativa à adopção de actos
administrativos e de contratos de adesão (como se disse supra, pode haver
adesão aos contratos-tipo por outras empresas do mesmo ou de outro sector) (Vasco Pereira da Silva: 215-217; Mark Kirkby: 96-103). Mais controversa é
a sua compatibilidade com o princípio da legalidade, mas essa questão é muito
controversa, por isso, vamos deixá-la para mais tarde.
III - Como se disse anteriormente, os contratos
de adaptação e promoção ambiental não estão isentos de críticas pela doutrina,
a começar pela sua mera existência e a terminar com a sua
(in)constitucionalidade. Vejamos cada uma destas críticas.
Quanto
aos contratos de adaptação ambiental, Carla
Amado Gomes não poupa críticas aos mesmos, começando por criticar o
próprio princípio subjacente a eles, isto porque o Estado, ao celebrar o
contrato, apoia "a manutenção do status
quo de degradação ambiental", deixando de o combater, para o passar a
apoiar. A autora afirma ainda que a atitude do Estado "constitui uma
demissão das responsabilidades públicas de protecção do ambiente",
trazendo à colação também a existência de violações dos compromissos assumidos
com a União Europeia e um "atentado aos princípios norteadores de uma
política coerente e eficaz de protecção do ambiente".
Também os contratos de promoção ambiental não são
impermeáveis às críticas desta autora, que vem afirmar que estes contratos são
inconstitucionais porque violam o artigo 112.º, n.º 5, da CRP, na medida em que
são contratos públicos a alterar normas legais e, acrescente-se, com eficácia
externa, ou seja, afecta terceiros não contraentes (Carla Amado Gomes: 2006). Esta última crítica merece também
ser enaltecida: de facto, para a autora, não haveria problema se se admitisse a
celebração de contratos de promoção ambiental caso a caso, com efeitos inter-partes,
ficando a cargo da empresa outurgante suportar a perda de competitividade (isto
porque, não devemos esquecer, a celebração de um contrato de promoção
ambiental, dado que implica elevação de padrões de protecção ambiental,
acarreta custos muito elevados, o que poderá naturalmente levar a uma
diminuição da produção e, portanto, menos concorrência); o problema é que não se
pode alterar o parâmetro de protecção da norma, através da celebração de um
mero contrato que é extensível a empresas não outorgantes, tal como dispõe o
artigo 68.º, n.ºs 9 e 10 do Decreto-Lei n.º 236/98, de 1 de Agosto.
Também
Mark Kirkby traz à colação o
problema da inconstitucionalidade da celebração destes contratos, optando por
defender a sua inconstitucionalidade (Mark
Kirkby: 77-79). Diz este autor que, tratando-se o artigo 78.º do Decreto-Lei
n.º 236/98, de 1 de Agosto, de uma norma habilitante para a celebração de
contratos que estabeleçam um prazo e um calendário de adaptação à nova
legislação que entra em vigor com o novo diploma, é inconstitucional, por
violação do artigo 112.º, n.º 6, da CRP, isto porque a Administração passa a
poder, por via contratual, suspender frontalmente os efeitos das normas que ela
própria veio consagrar (Mark Kirkby:
77).
Deste modo, os contratos de adaptação serão,
para este autor, violadores do princípio da tipicidade das formas de lei, que
levam a permitir-se que um contrato administrativo integre ou suspenda o conteúdo
de um acto legislativo (Mark Kirkby:
79). Nota ainda Mark Kirkby que é
a própria lei que se “autoprecariza”, uma vez que acaba por subverter a hierarquia
formal que a Constituição estabelece entre os actos do poder legislativo e os
actos do poder administrativo (Mark
Kirkby: 77).
Mas
Carla Amado Gomes e Mark Kirkby não são os únicos que alertam
para o problema da compatibilização dos contratos de adaptação e promoção
ambiental com o princípio da legalidade. Com efeito, também Vasco Pereira da Silva chama a atenção
para esta problemática. No entanto, este autor, alertado para a possibilidade
de os contratos de promoção e adaptação ambiental poderem contrariar o disposto
no artigo 112.º, n.º 6, da CRP, confronta-nos com uma solução, partindo da
análise dos valores em causa na celebração dos contratos em causa (Vasco Pereira da Silva:217). Por um
lado, temos princípios como o da constitucionalidade, da legalidade e da
tipicidade das formas de lei, implícitos no artigo 112.º, n.º 6, da CRP, por
outro lado, temos princípios como o da eficácia da realização da política
ambiental pela via contratual, da participação e colaboração dos particulares
no exercício da administração do ambiente e o da tutela da confiança dos
particulares (Vasco Pereira da Silva:217-218).
Ora, sendo certo que não se aceitará a
celebração de contratos administrativos que violem princípios constitucionais, não
se pode, a partir daí, negar qualquer relevância aos contratos de promoção e
adaptação ambiental, devendo-se, no entanto, delimitar o âmbito de aplicação
dos contratos de promoção e adaptação ambiental na ordem jurídica portuguesa. Assim,
para Vasco Pereira da Silva, há
uma série de situações em que a celebração destes contratos é possível sem que
haja violação do bloco de legalidade. Primeiro, quando a celebração dos contratos
aqui em causa couber na margem de livre decisão da Administração, é sempre
possível e legal (Vasco Pereira da Silva:
218). Em segundo lugar, a celebração de contratos de promoção e adaptação
ambiental também é possível quando, ao afastar-se dos limites legais, (i)
encontre cabimento na previsão legislativa, (ii) não corresponda a uma situação
de fraude à constituição ou à lei e (iii) não ponha em causa princípios fundamentais
da actuação administrativa (igualdade, proporcionalidade e imparcialidade).
Digamos
que esta solução é de aplaudir. Com efeito, o Prof. Vasco Pereira da Silva concede-nos todo um raciocínio que
muitos outros autores preferiram ignorar. Não se pode aceitar que se diga
liminarmente que estes contratos são todos violadores do princípio da
legalidade e das disposições constitucionais, sem antes compreender que estes
contratos não violam, muitas vezes, qualquer norma legal, principalmente os
contratos de promoção ambiental, que estabelecem condições menos favoráveis que
as estabelecidas na lei, por acordo, dando-se prevalência à autonomia privada. Quanto
aos contratos de adaptação ambiental o que sucede é que o infractor não deixa
de o ser por celebrar o contrato com a Administração. Ele continua a estar numa
zona de ilegalidade. O que se pretende apenas é que, em vez de o infractor
acumular sanções pecuniárias, numa lógica de retribuição, o infractor deverá
ser compelido a alterar os seus comportamentos gradualmente, até que se afaste
da zona de ilegalidade e se confine à da legalidade.
M.ª
Francisca Gomes.
n.º 19733
Bibliografia
Gomes, Carla Amado, Direito
administrativo do ambiente, in: Tratado
de direito administrativo especial, Volume I, Coordenadores Paulo Otero e Pedro
Gonçalves, Almedina, Coimbra, 2009.
Kirkby, Mark Bobela-Mota, Os contratos de adaptação ambiental: a
concertação entre a Administração Pública e os particulares na aplicação de
normas de polícia administrativa, Associação Académica da Faculdade Direito,
Lisboa, 2001.
Silva, Vasco Pereira da, Verde
cor de direito: lições de direito do ambiente, 2.ª reimpressão, Almedina,
Coimbra, Fevereiro de 2002.
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