sexta-feira, 29 de março de 2013


 

A dimensão objectiva e subjectiva da Protecção ambiental e a sua correspectividade com a vertente pública e privada do Direito do Ambiente


A consideração do Direito do Ambiente como Direito do Homem resulta da necessidade de repensar a posição do individuo na comunidade. Os Direitos Humanos assumem uma configuração histórica concreta numa determinada comunidade e num dado momento.

Nos anos 70 começou a surgir o Direito Humano ao Ambiente, porque as questões ambientais passaram a ser questões fundamentais, uma vez que passaram a poder afectar a dignidade da pessoa Humana e por isso, o ambiente passou a ser um Direito que se deve proteger.

O Direito do Ambiente surge assim com a 3ª geração[1] de Direitos Fundamentais, que corresponde cronologicamente ao Estado pós-social, em que surgem novos direitos no domínio da Informática; tecnologia; ambiente e qualidade de vida mas também a nível procedimental. Em causa está o retorno à ideia de protecção do indivíduo contra o poder, acentuando a ideia de defesa das pessoas contra novas ameaças provenientes de entidades públicas como privadas.

Partindo de uma concepção antropocêntrica[2] em que a protecção do ambiente tem como fim a protecção da vida humana, o Direito ao Ambiente trata-se de um direito social, na medida em que gera condições sociais que permitem o desenvolvimento humano de uma forma digna, é assim um verdadeiro direito fundamental do Estado.

Deste modo, apontamos para uma dimensão subjectiva do Direito do Ambiente, pois é um direito subjectivo individual de fruição do ambiente (artigo 66.º da Constituição da República Portuguesa).

Protege-se o titular do direito de agressões ilegais, por se tratar de um preceito essencial insusceptivel de sacrifício por conta de outros valores da comunidade. Ainda na vertente subjectiva, o Direito ao Ambiente é de interesse difuso, por ser um direito transindividual, de natureza indivisível, cuja titularidade pertence de forma idêntica a pessoas indeterminadas e ligadas por uma circunstância de facto. Ou seja, é difuso porque o ambiente pertence a todos e a cada um, o que significa que em matéria de danos ecológicos essas agressões possuem vítimas indeterminadas.

Assim, a dimensão subjectiva surge concretamente como um Direito Humano ao ambiente, defendido pelo Professor Vasco Pereira da Silva, mas que não é acompanhado por toda a doutrina, como por exemplo a Professora Maria da Glória Garcia que rejeita o entendimento do direito subjectivo fundamental preferindo falar em “consagração fundamental de que a protecção ambiental é responsabilidade de todos, cidadãos e Estado, não só perante os que um serão, mas perante também quem hoje é e tem direito de aspirar à qualidade de vida”[3].

Contudo, e tomando posição acerca da dimensão subjectiva do Direito do Ambiente, parece ser preferível acompanhar a orientação do professor Vasco Pereira da Silva, pois na conjectura que se vive actualmente, com todos os efeitos nefastos de que o Homem já criou no ambiente, e tem vindo a fazê-lo progressivamente, urge a necessidade de acautelar o bem jurídico ambiente, como bem jurídico autónomo, de forma a garantir a qualidade de vida não só no presente, como também para as gerações futuras, e não através de outros direitos que possam eventualmente parecer acautelar melhor os interesses em causa. Como tal, concluímos que o artigo 66.º da Constituição da República Portuguesa tem presente uma manifestação da dimensão subjectiva do Direito do Ambiente, nomeadamente um direito fundamental ao ambiente e à qualidade de vida, que como foi explicado anteriormente surgiu numa perspectiva evolutista-historicista dos Direitos Fundamentais.

 O Direito do Ambiente manifesta ainda uma dimensão objectiva por impor um dever jurídico-constitucional, primordialmente do estado, de tutelar o ambiente (tarefa fundamental prevista no artigo 9.º alínea d) e e) da Constituição da República Portuguesa. Isto significa que cada cidadão é à partida, simultaneamente, titular de um direito e de um dever sobre o mesmo objecto que é o ambiente.

O ambiente é um bem jurídico fundamental que obriga o Estado objectivamente a actuar no sentido de preservar o ambiente. O Estado, surge como protector do ambiente, o que vai implicar novas tarefas estaduais. Assim, numa tentativa de reequacionamento do papel do Estado na Sociedade e de procura de resposta para as necessidades acrescidas de defesa dos particulares em face das novas ameaças dos poderes públicos e privados, a questão ecológica torna-se numa tarefa inevitável do Estado Moderno, permitindo a concretização como Estado de Ambiente.

A constitucionalização da sustentabilidade ambiental do desenvolvimento e a sua caracterização como responsabilidade estadual não significa que o Estado seja o único responsável pelo controlo da questão ecológica. Enquanto tarefa do estado, a sustentabilidade ambiental do desenvolvimento obriga a introduzir na acção estadual a coerência da acção e a eficiência dessa mesma acção, ou seja, alcançar os objectivos ao menor custo. Introduzir coerência em múltiplas acções, individuais e de grupo, gerindo os meios disponíveis, sem nunca perder de vista o fim a alcançar, é o desafio do Estado de Justiça Ambiental.

A acção do Estado procura incorporar os fins dos comportamentos concretos, em permanente adequação à realidade e à liberdade dos cidadãos, com vista a conferir-lhes coerência e obter maior eficiência para a acção. A responsabilidade do Estado torna-o gestor de bens e regulador de acções auto-reguladas.

A acção estadual consubstancia-se em deveres de cuidado, em informar, incentivar empenhamentos, estimular acções, potenciando uma cidadania participativa. É através da cooperação entre o estado e a comunidade que se obtém ganhos de eficácia, isto porque agir implica colocar-se um fim para procurar meios adequados para o atingir, isto é, alternativas impostas pelo dever de cuidado. A escolha da melhor alternativa resulta da análise das vantagens e inconvenientes comparadas de todas as alternativas, afastadas ficam as que são legalmente proibidas. Análise que é feita de acordo com o princípio da ponderação e com o princípio da precaução, que envolve a avaliação do risco, o princípio da proporcionalidade tem papel fundamental na procura dos meios adequados aos fins, quer na busca de meios de vinculação necessária quer na procura da adequada relação dos meios aos fins.

Poderíamos neste âmbito apontar para um compromisso dual, ou seja, como tarefa do Estado (como explicitado até aqui) e como compromisso da comunidade.

A protecção do ambiente no sentido de preservação dos bens ambientais é um dever de cada individuo, cujo cumprimento reverte, quer a favor de si próprio, quer a favor dos restantes membros da comunidade, existentes e futuros. O interesse na preservação e promoção da qualidade dos bens ambientais pressupõe uma certa concepção de vida em comunidade, ou seja, é um interesse de realização comunitária solidária, assente numa cidadania empenhada no respeito e promoção da causa ecológica.

Assim, a necessidade de proteger o ambiente reflecte-se sobre os membros da comunidade, ou seja, sobre todos os cidadãos recaem deveres de non facere, de respeito pela integridade dos bens ambientais naturais e de não produção de danos significativos em virtude de gestão irracional. Sobre sujeitos que desenvolvem actividades de médio e alto potencial lesivo, impendem deveres de facere, ou seja de adopção de técnicas de minimização da poluição. A estes vêm associados os deveres de pati, ou seja, de suportação de acções de fiscalização levadas a cabo pelos órgãos competentes. Pode o legislador também instituir deveres de dare, de prestação (exemplo tributos ambientais).

Importa ainda fazer referência à dimensão positiva e negativa[4]. Enquanto a dimensão negativa corresponde à pretensão de abstenção, o non facere de agir de modo nocivo ao ambiente. O escopo de abstinência é o respeito pelo ambiente visando a sua conservação actual e futura. Significa que tanto o poder público como o particular devem não atentar contra o ambiente em que vivem. A dimensão positiva por ser um direito de prestação positiva do Estado e da sociedade, para criar um ambiente sadio e ecologicamente equilibrado, corresponde à necessidade de actuação das entidades públicas para sua efectivação[5].

Cabe colocar a questão de saber até que ponto podemos reconduzir o Direito Privado à dimensão subjectiva da protecção do ambiente? E quanto à dimensão objectiva?

Desde já, é relevante fazer a distinção entre o Direito Privado ao Ambiente (direito subjectivo ao ambiente) e o Direito Privado do Ambiente (vertente privatística do direito na protecção do ambiente).

Quanto ao Direito Privado ao Ambiente, impõe-se analisar o direito subjectivo no seu sentido específico e próprio do termo, este só existe quando a situação subjectiva implica a possibilidade de uma pretensão, unida à exigibilidade de uma prestação ou de um acto de outrem. O núcleo do conceito de direito subjectivo é a pretensão, que pressupõe que aquilo que é pretendido por um sujeito seja correspectivo com aquilo que é devido pelo outro. Assim o direito subjectivo é a possibilidade de um sujeito de direitos de exigir com fundamento no direito objectivo, prerrogativas próprias.

Importa situar o direito subjectivo na esfera da protecção individualizada do interesse, afastando qualquer ideia de protecção colectiva de interesses que satisfaçam os interesses dos indivíduos de forma global, não revelando os interesses das pessoas singularmente consideradas. A protecção do interesse no direito subjectivo deve ser directa e não reflexa, de forma a que a protecção jurídica do interesse seja actual e não eventual[6].

Por corolário lógico do direito subjectivo, o bem deve ser susceptivel de apropriação individual, é imprescindível que o objecto seja susceptivel de entrar na esfera jurídica do património do individuo. Assim o Direito ao Ambiente assegurado pela Constituição da República Portuguesa não constitui um direito subjectivo, porquanto a noção jurídica de ambiente é incompatível com a noção do direito subjectivo. Pois não é possível haver uma apropriação do bem jurídico ambiente, trata-se de um objecto que não é susceptivel de ingressar na esfera patrimonial do sujeito particular.

Assim, para quem nega a existência da dimensão subjectiva da preservação do ambiente não existe de facto Direito Privado ao ambiente.

Retomamos a posição tomada, anteriormente, e mantemo-la. Ou seja, continuamos a afirmar a existência de um direito subjectivo, pelas razões explicitadas anteriormente. E por isso admitimos que o cidadão individualmente considerado é titular de um direito material ao ambiente.

Contudo, afastamos a existência de um Direito Privado ao ambiente, por considerarmos que de facto o direito subjectivo pauta-se pela dimensão negativa enquanto direitos de defesa contra agressões de entidades públicas e privadas na esfera individual constitucionalmente protegida. Contudo, o que sucede é que a dimensão negativa não diz respeito ao direito de defesa na esfera individual, mas na natureza colectiva do bem ambiental. O artigo 80º alínea d) da Constituição elimina qualquer dúvida da medida colectiva dos bens ambientais.

Ainda como refere o Professor Luís Menezes Leitão o bem jurídico ambiente consiste num bem unitário, insusceptivel de apropriação individual, que respeita a toda a colectividade e não aos indivíduos que a compõem implicando interesses difusos, relativos a toda a comunidade.

Quanto ao Direito Privado do Ambiente, é importante salientar que devido ao reconhecimento pelas normas de Direito Privado, dos valores inerentes aos bens naturais e ao equilíbrio ecológico e com a contestação da cada vez maior interferência de questões ambientais em sede de relações jurídico-privadas, as normas civis, juntos a outros ramos especializados do Direito (como o Direito Penal do Ambiente ou o Direito Administrativo) passaram a ser chamados para defender os recursos naturais e assegurar a todos um ambiente sadio e ecologicamente equilibrado.

A tutela civil do meio ambiente foi convocada como solução para eventuais falhas e lacunas não alcançadas pelo Direito Público, mas com sua evolução mostrou-se apta a proteger os recursos naturais.

No âmbito civil, podemos apontar alguns meios de tutela ambiental como: as relações de vizinhança; os direitos de personalidade e o instituto de responsabilidade civil.

As relações de vizinhança consubstanciam-se nos artigos 1346.º e 1347.º do Código Civil. Sendo que o primeiro preceito atribui um poder ao proprietário de insurgir-se contra actos prejudiciais de terceiros, poder esse que, de uma forma ou de outra, beneficia os recursos naturais na medida em que o titular do prédio vizinho deixar de emitir substâncias nocivas ao ambiente. Enquanto o segundo preceito tem intrínseco o princípio da prevenção, em virtude da sua proibição de construção de obras ou manutenção de substâncias perigosas por parte do proprietário do imóvel.

O Direito Civil contribui para a tutela ambiental por meio dos direitos de personalidade, uma vez que certos objectos do Direito do Ambiente são os meios pelos quais alguns dos direitos da personalidade se concretizam, é através da tutela ambiental e do resguardo do equilíbrio ecológico que se salvaguardam direitos relativos à saúde, sossego, descanso, etc. o exercício de um direito de personalidade pode influenciar a necessidade de preservação ambiental.

Por fim, temos o instituto da responsabilidade, como maior contributo, não nos alongaremos nesta questão, por ser alvo de estudo posteriormente. O que convém referir em sede de responsabilidade civil, que pela introdução do artigo 8º do DL 147/2008[7], o instituto é aplicável também às hipóteses em que o dano não atinge o Homem. Assim a reparação ambiental, ao tratar de uma reparação compensatória, não deixa dúvidas, que tal modalidade reparatória não consiste numa compensação aos membros do público, o que demonstra que as pessoas singularmente consideradas não são titulares de indemnização decorrente de um dano ambiental.

Percebemos assim que por intermédio do direito da vizinhança; dos direitos de personalidade e do instituto da responsabilidade civil, que o Direito Privado contribui para uma formação sistemática do Direito do Ambiente. Podemos ainda apontar para outros instrumentos de reparação ambiental, como os contratos de seguros para riscos ambientais, o que significa que a reparação ambiental se concretiza por meio de técnicas contratuais do Direito Privado.

O Direito Civil permite a intervenção em questões ambientais de qualquer individuo; possibilita a poupança de serviços públicos, já que determinadas situações podem ser resolvidas pelos particulares, proporcionando a concentração do Estado nas questões onde a sua presença seja inquestionavelmente necessária; à luz do princípio da liberdade, o particular pode fazer tudo aquilo que não é proibido por lei, ao passo que o Estado só pode agir quando autorizado por lei; o Direito Civil, por estar disseminado nas mãos dos particulares, atinge situações inalcançáveis pelo Direito Público.

Podemos ainda encontrar marcas do Direito Civil no princípio da correção na fonte, já que pode resolver problemas inicialmente irrelevantes ao ambiente mas que, gradativamente poderia gerar prejuízos irreversíveis à colectividade.

Concluímos assim que o Direito Civil não tem o poder de conduzir o Direito do Ambiente, pois está subordinado ao agir de um particular, ainda assim, pelo que foi explicitado podemos concluir pela existência de Direito Privado do Ambiente que consiste no auxílio fornecido pelo Direito Civil à formação não só sistemática mas também dogmática do Direito do Ambiente, de modo a tornar mais completa e operativa a tutela ambiental.

 

 

Bibliografia:

AMADO GOMES, Carla “Introdução ao Direito do ambiente”, AAFDL, Lisboa 2012

ANDRESSA da SILVA, Daniely, “Direito à saúde e a tutela privada do Direito do Ambiente”, Lisboa, 2009

GLÓRIA GARCIA, Maria, “O lugar o direito na protecção do ambiente”, Almedina, Coimbra, 2007

NOVAES de ANDRADA, Guilherme, “Direito privado ao ambiente realidade ou ficção”, Lisboa, 2009

OSTERNACK COSTA, Cristine, “ O ambiente como bem jurídico susceptivel de legitima defesa”, LSBOA, 2010

PEREIRA DA SILVA, Vasco, Verde cor de direito : lições de Direito do Ambiente, Coimbra, Almedina, 2003



[1] De acordo com MIRANDA, Jorge, A Constituição e o Direito do Ambiente, 1994 pp356: Os direitos de Terceira Geração não se sobrepõem ou substituem os direitos de liberdade e dos direitos sociais, de segunda geração, mas complementam na medida em que procuram abarcar cada vez mais todas as pessoas e todas as dimensões da sua existência.
 
[2]  Segundo, PEREIRA DA SILVA, Vasco, Verde cor de direito: lições de Direito do Ambiente, Coimbra, Almedina, 2003, pp 29-30 afirma que o “antropocentrismo rejeita qualquer visão meramente instrumental, economicista ou utilitária da Natureza, ao considerar não apenas que o ambiente deve ser tutelado pelo Direito, como também que tal preservação é uma condição da realização da dignidade da pessoa humana”
[3] GLÓRIA GARCIA, Maria, O lugar do direito na protecção do ambiente, Almedina, 2007, Coimbra pp:480-481.
[4] Segundo PEREIRA DA SILVA, Vasco, Verde cor  de direito : lições de Direito do Ambiente, Coimbra, Almedina, 2003, pp 103: o direito a ambiente é aplicado no regime jurídico dos direitos, liberdades e garantias, na medida de sua dimensão negativa, e no regime jurídico dos direitos económicos, sociais e culturais na dimensão positiva.
[5] O estado deve promover a fiscalização, a fim de evitar que particulares poluam.
[6]  Da mesma opinião partilham Marcelo Rebelo de Sousa, Sofia Galvão e Diogo Freitas do Amaral.
[7] ART.8º
Quem, com dolo ou mera culpa, ofender direitos ou interesses alheios por via da lesão de um componente ambiental fica obrigado a reparar os danos resultantes dessa ofensa.


Joana Margarida Viegas
nº 18178

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