A dimensão objectiva e
subjectiva da Protecção ambiental e a sua correspectividade com a vertente
pública e privada do Direito do Ambiente
A consideração do Direito do
Ambiente como Direito do Homem resulta da necessidade de repensar a posição do individuo
na comunidade. Os Direitos Humanos assumem uma configuração histórica concreta
numa determinada comunidade e num dado momento.
Nos anos 70 começou a surgir
o Direito Humano ao Ambiente, porque as questões ambientais passaram a ser
questões fundamentais, uma vez que passaram a poder afectar a dignidade da
pessoa Humana e por isso, o ambiente passou a ser um Direito que se deve
proteger.
O Direito do Ambiente surge
assim com a 3ª geração[1] de Direitos Fundamentais,
que corresponde cronologicamente ao Estado pós-social, em que surgem novos
direitos no domínio da Informática; tecnologia; ambiente e qualidade de vida
mas também a nível procedimental. Em causa está o retorno à ideia de protecção
do indivíduo contra o poder, acentuando a ideia de defesa das pessoas contra
novas ameaças provenientes de entidades públicas como privadas.
Partindo de uma concepção
antropocêntrica[2]
em que a protecção do ambiente tem como fim a protecção da vida humana, o
Direito ao Ambiente trata-se de um direito social, na medida em que gera
condições sociais que permitem o desenvolvimento humano de uma forma digna, é
assim um verdadeiro direito fundamental do Estado.
Deste modo, apontamos para
uma dimensão subjectiva do Direito do Ambiente, pois é um direito subjectivo
individual de fruição do ambiente (artigo 66.º da Constituição da República
Portuguesa).
Protege-se o titular do
direito de agressões ilegais, por se tratar de um preceito essencial
insusceptivel de sacrifício por conta de outros valores da comunidade. Ainda na
vertente subjectiva, o Direito ao Ambiente é de interesse difuso, por ser um
direito transindividual, de natureza indivisível, cuja titularidade pertence de
forma idêntica a pessoas indeterminadas e ligadas por uma circunstância de
facto. Ou seja, é difuso porque o ambiente pertence a todos e a cada um, o que
significa que em matéria de danos ecológicos essas agressões possuem vítimas
indeterminadas.
Assim, a dimensão subjectiva
surge concretamente como um Direito Humano ao ambiente, defendido pelo
Professor Vasco Pereira da Silva, mas que não é acompanhado por toda a
doutrina, como por exemplo a Professora Maria da Glória Garcia que rejeita o
entendimento do direito subjectivo fundamental preferindo falar em “consagração
fundamental de que a protecção ambiental é responsabilidade de todos, cidadãos
e Estado, não só perante os que um serão, mas perante também quem hoje é e tem
direito de aspirar à qualidade de vida”[3].
Contudo, e tomando posição
acerca da dimensão subjectiva do Direito do Ambiente, parece ser preferível
acompanhar a orientação do professor Vasco Pereira da Silva, pois na conjectura
que se vive actualmente, com todos os efeitos nefastos de que o Homem já criou
no ambiente, e tem vindo a fazê-lo progressivamente, urge a necessidade de
acautelar o bem jurídico ambiente, como bem jurídico autónomo, de forma a
garantir a qualidade de vida não só no presente, como também para as gerações
futuras, e não através de outros direitos que possam eventualmente parecer
acautelar melhor os interesses em causa. Como tal, concluímos que o artigo 66.º
da Constituição da República Portuguesa tem presente uma manifestação da
dimensão subjectiva do Direito do Ambiente, nomeadamente um direito fundamental
ao ambiente e à qualidade de vida, que como foi explicado anteriormente surgiu
numa perspectiva evolutista-historicista dos Direitos Fundamentais.
O Direito do Ambiente manifesta ainda uma
dimensão objectiva por impor um dever jurídico-constitucional, primordialmente
do estado, de tutelar o ambiente (tarefa fundamental prevista no artigo 9.º
alínea d) e e) da Constituição da República Portuguesa. Isto significa que cada
cidadão é à partida, simultaneamente, titular de um direito e de um dever sobre
o mesmo objecto que é o ambiente.
O ambiente é um bem jurídico
fundamental que obriga o Estado objectivamente a actuar no sentido de preservar
o ambiente. O Estado, surge como protector do ambiente, o que vai implicar
novas tarefas estaduais. Assim, numa tentativa de reequacionamento do papel do
Estado na Sociedade e de procura de resposta para as necessidades acrescidas de
defesa dos particulares em face das novas ameaças dos poderes públicos e
privados, a questão ecológica torna-se numa tarefa inevitável do Estado
Moderno, permitindo a concretização como Estado de Ambiente.
A constitucionalização da
sustentabilidade ambiental do desenvolvimento e a sua caracterização como
responsabilidade estadual não significa que o Estado seja o único responsável
pelo controlo da questão ecológica. Enquanto tarefa do estado, a
sustentabilidade ambiental do desenvolvimento obriga a introduzir na acção
estadual a coerência da acção e a eficiência dessa mesma acção, ou seja,
alcançar os objectivos ao menor custo. Introduzir coerência em múltiplas
acções, individuais e de grupo, gerindo os meios disponíveis, sem nunca perder
de vista o fim a alcançar, é o desafio do Estado de Justiça Ambiental.
A acção do Estado procura
incorporar os fins dos comportamentos concretos, em permanente adequação à
realidade e à liberdade dos cidadãos, com vista a conferir-lhes coerência e
obter maior eficiência para a acção. A responsabilidade do Estado torna-o
gestor de bens e regulador de acções auto-reguladas.
A acção estadual
consubstancia-se em deveres de cuidado, em informar, incentivar empenhamentos,
estimular acções, potenciando uma cidadania participativa. É através da
cooperação entre o estado e a comunidade que se obtém ganhos de eficácia, isto
porque agir implica colocar-se um fim para procurar meios adequados para o
atingir, isto é, alternativas impostas pelo dever de cuidado. A escolha da
melhor alternativa resulta da análise das vantagens e inconvenientes comparadas
de todas as alternativas, afastadas ficam as que são legalmente proibidas. Análise
que é feita de acordo com o princípio da ponderação e com o princípio da
precaução, que envolve a avaliação do risco, o princípio da proporcionalidade
tem papel fundamental na procura dos meios adequados aos fins, quer na busca de
meios de vinculação necessária quer na procura da adequada relação dos meios
aos fins.
Poderíamos neste âmbito
apontar para um compromisso dual, ou seja, como tarefa do Estado (como
explicitado até aqui) e como compromisso da comunidade.
A protecção do ambiente no
sentido de preservação dos bens ambientais é um dever de cada individuo, cujo
cumprimento reverte, quer a favor de si próprio, quer a favor dos restantes
membros da comunidade, existentes e futuros. O interesse na preservação e
promoção da qualidade dos bens ambientais pressupõe uma certa concepção de vida
em comunidade, ou seja, é um interesse de realização comunitária solidária,
assente numa cidadania empenhada no respeito e promoção da causa ecológica.
Assim, a necessidade de
proteger o ambiente reflecte-se sobre os membros da comunidade, ou seja, sobre
todos os cidadãos recaem deveres de non
facere, de respeito pela integridade dos bens ambientais naturais e de não produção
de danos significativos em virtude de gestão irracional. Sobre sujeitos que
desenvolvem actividades de médio e alto potencial lesivo, impendem deveres de facere, ou seja de adopção de técnicas
de minimização da poluição. A estes vêm associados os deveres de pati, ou seja, de suportação de acções
de fiscalização levadas a cabo pelos órgãos competentes. Pode o legislador
também instituir deveres de dare, de
prestação (exemplo tributos ambientais).
Importa ainda fazer
referência à dimensão positiva e negativa[4]. Enquanto a dimensão
negativa corresponde à pretensão de abstenção, o non facere de agir de modo nocivo ao ambiente. O escopo de
abstinência é o respeito pelo ambiente visando a sua conservação actual e
futura. Significa que tanto o poder público como o particular devem não atentar
contra o ambiente em que vivem. A dimensão positiva por ser um direito de
prestação positiva do Estado e da sociedade, para criar um ambiente sadio e
ecologicamente equilibrado, corresponde à necessidade de actuação das entidades
públicas para sua efectivação[5].
Cabe colocar a questão de
saber até que ponto podemos reconduzir o Direito Privado à dimensão subjectiva
da protecção do ambiente? E quanto à dimensão objectiva?
Desde já, é relevante fazer
a distinção entre o Direito Privado ao Ambiente (direito subjectivo ao
ambiente) e o Direito Privado do Ambiente (vertente privatística do direito na
protecção do ambiente).
Quanto ao Direito Privado ao
Ambiente, impõe-se analisar o direito subjectivo no seu sentido específico e
próprio do termo, este só existe quando a situação subjectiva implica a
possibilidade de uma pretensão, unida à exigibilidade de uma prestação ou de um
acto de outrem. O núcleo do conceito de direito subjectivo é a pretensão, que
pressupõe que aquilo que é pretendido por um sujeito seja correspectivo com
aquilo que é devido pelo outro. Assim o direito subjectivo é a possibilidade de
um sujeito de direitos de exigir com fundamento no direito objectivo,
prerrogativas próprias.
Importa situar o direito
subjectivo na esfera da protecção individualizada do interesse, afastando
qualquer ideia de protecção colectiva de interesses que satisfaçam os
interesses dos indivíduos de forma global, não revelando os interesses das
pessoas singularmente consideradas. A protecção do interesse no direito
subjectivo deve ser directa e não reflexa, de forma a que a protecção jurídica
do interesse seja actual e não eventual[6].
Por corolário lógico do
direito subjectivo, o bem deve ser susceptivel de apropriação individual, é
imprescindível que o objecto seja susceptivel de entrar na esfera jurídica do
património do individuo. Assim o Direito ao Ambiente assegurado pela Constituição
da República Portuguesa não constitui um direito subjectivo, porquanto a noção
jurídica de ambiente é incompatível com a noção do direito subjectivo. Pois não
é possível haver uma apropriação do bem jurídico ambiente, trata-se de um
objecto que não é susceptivel de ingressar na esfera patrimonial do sujeito
particular.
Assim, para quem nega a
existência da dimensão subjectiva da preservação do ambiente não existe de
facto Direito Privado ao ambiente.
Retomamos a posição tomada,
anteriormente, e mantemo-la. Ou seja, continuamos a afirmar a existência de um
direito subjectivo, pelas razões explicitadas anteriormente. E por isso
admitimos que o cidadão individualmente considerado é titular de um direito
material ao ambiente.
Contudo, afastamos a
existência de um Direito Privado ao ambiente, por considerarmos que de facto o
direito subjectivo pauta-se pela dimensão negativa enquanto direitos de defesa
contra agressões de entidades públicas e privadas na esfera individual
constitucionalmente protegida. Contudo, o que sucede é que a dimensão negativa
não diz respeito ao direito de defesa na esfera individual, mas na natureza
colectiva do bem ambiental. O artigo 80º alínea d) da Constituição elimina qualquer
dúvida da medida colectiva dos bens ambientais.
Ainda como refere o
Professor Luís Menezes Leitão o bem jurídico ambiente consiste num bem
unitário, insusceptivel de apropriação individual, que respeita a toda a
colectividade e não aos indivíduos que a compõem implicando interesses difusos,
relativos a toda a comunidade.
Quanto ao Direito Privado do
Ambiente, é importante salientar que devido ao reconhecimento pelas normas de
Direito Privado, dos valores inerentes aos bens naturais e ao equilíbrio
ecológico e com a contestação da cada vez maior interferência de questões
ambientais em sede de relações jurídico-privadas, as normas civis, juntos a
outros ramos especializados do Direito (como o Direito Penal do Ambiente ou o
Direito Administrativo) passaram a ser chamados para defender os recursos
naturais e assegurar a todos um ambiente sadio e ecologicamente equilibrado.
A tutela civil do meio
ambiente foi convocada como solução para eventuais falhas e lacunas não
alcançadas pelo Direito Público, mas com sua evolução mostrou-se apta a
proteger os recursos naturais.
No âmbito civil, podemos
apontar alguns meios de tutela ambiental como: as relações de vizinhança; os
direitos de personalidade e o instituto de responsabilidade civil.
As relações de vizinhança
consubstanciam-se nos artigos 1346.º e 1347.º do Código Civil. Sendo que o
primeiro preceito atribui um poder ao proprietário de insurgir-se contra actos
prejudiciais de terceiros, poder esse que, de uma forma ou de outra, beneficia
os recursos naturais na medida em que o titular do prédio vizinho deixar de
emitir substâncias nocivas ao ambiente. Enquanto o segundo preceito tem intrínseco
o princípio da prevenção, em virtude da sua proibição de construção de obras ou
manutenção de substâncias perigosas por parte do proprietário do imóvel.
O Direito Civil contribui
para a tutela ambiental por meio dos direitos de personalidade, uma vez que
certos objectos do Direito do Ambiente são os meios pelos quais alguns dos
direitos da personalidade se concretizam, é através da tutela ambiental e do
resguardo do equilíbrio ecológico que se salvaguardam direitos relativos à
saúde, sossego, descanso, etc. o exercício de um direito de personalidade pode
influenciar a necessidade de preservação ambiental.
Por fim, temos o instituto
da responsabilidade, como maior contributo, não nos alongaremos nesta questão,
por ser alvo de estudo posteriormente. O que convém referir em sede de
responsabilidade civil, que pela introdução do artigo 8º do DL 147/2008[7], o instituto é aplicável
também às hipóteses em que o dano não atinge o Homem. Assim a reparação
ambiental, ao tratar de uma reparação compensatória, não deixa dúvidas, que tal
modalidade reparatória não consiste numa compensação aos membros do público, o
que demonstra que as pessoas singularmente consideradas não são titulares de
indemnização decorrente de um dano ambiental.
Percebemos assim que por
intermédio do direito da vizinhança; dos direitos de personalidade e do
instituto da responsabilidade civil, que o Direito Privado contribui para uma
formação sistemática do Direito do Ambiente. Podemos ainda apontar para outros
instrumentos de reparação ambiental, como os contratos de seguros para riscos
ambientais, o que significa que a reparação ambiental se concretiza por meio de
técnicas contratuais do Direito Privado.
O Direito Civil permite a
intervenção em questões ambientais de qualquer individuo; possibilita a
poupança de serviços públicos, já que determinadas situações podem ser
resolvidas pelos particulares, proporcionando a concentração do Estado nas questões
onde a sua presença seja inquestionavelmente necessária; à luz do princípio da
liberdade, o particular pode fazer tudo aquilo que não é proibido por lei, ao
passo que o Estado só pode agir quando autorizado por lei; o Direito Civil, por
estar disseminado nas mãos dos particulares, atinge situações inalcançáveis
pelo Direito Público.
Podemos ainda encontrar
marcas do Direito Civil no princípio da correção na fonte, já que pode resolver
problemas inicialmente irrelevantes ao ambiente mas que, gradativamente poderia
gerar prejuízos irreversíveis à colectividade.
Concluímos assim que o
Direito Civil não tem o poder de conduzir o Direito do Ambiente, pois está
subordinado ao agir de um particular, ainda assim, pelo que foi explicitado
podemos concluir pela existência de Direito Privado do Ambiente que consiste no
auxílio fornecido pelo Direito Civil à formação não só sistemática mas também
dogmática do Direito do Ambiente, de modo a tornar mais completa e operativa a
tutela ambiental.
Bibliografia:
AMADO GOMES, Carla “Introdução ao Direito do ambiente”, AAFDL,
Lisboa 2012
ANDRESSA da SILVA, Daniely,
“Direito à saúde e a tutela privada do
Direito do Ambiente”, Lisboa, 2009
GLÓRIA GARCIA, Maria, “O lugar o direito na protecção do ambiente”,
Almedina, Coimbra, 2007
NOVAES de ANDRADA,
Guilherme, “Direito privado ao ambiente
realidade ou ficção”, Lisboa, 2009
OSTERNACK COSTA, Cristine, “
O ambiente como bem jurídico susceptivel
de legitima defesa”, LSBOA, 2010
PEREIRA DA SILVA, Vasco, Verde cor de direito : lições de Direito do
Ambiente, Coimbra, Almedina, 2003
[1] De
acordo com MIRANDA, Jorge, A Constituição
e o Direito do Ambiente, 1994 pp356: Os direitos de Terceira Geração não se
sobrepõem ou substituem os direitos de liberdade e dos direitos sociais, de
segunda geração, mas complementam na medida em que procuram abarcar cada vez
mais todas as pessoas e todas as dimensões da sua existência.
[2] Segundo, PEREIRA DA SILVA, Vasco, Verde cor de direito: lições de Direito do
Ambiente, Coimbra, Almedina, 2003, pp 29-30 afirma que o “antropocentrismo
rejeita qualquer visão meramente instrumental, economicista ou utilitária da
Natureza, ao considerar não apenas que o ambiente deve ser tutelado pelo
Direito, como também que tal preservação é uma condição da realização da
dignidade da pessoa humana”
[3] GLÓRIA
GARCIA, Maria, O lugar do direito na
protecção do ambiente, Almedina, 2007, Coimbra pp:480-481.
[4] Segundo
PEREIRA DA SILVA, Vasco, Verde cor de direito : lições de Direito do Ambiente, Coimbra,
Almedina, 2003, pp 103: o direito a ambiente é aplicado no regime jurídico dos
direitos, liberdades e garantias, na medida de sua dimensão negativa, e no
regime jurídico dos direitos económicos, sociais e culturais na dimensão
positiva.
[5] O estado
deve promover a fiscalização, a fim de evitar que particulares poluam.
[6] Da mesma opinião partilham Marcelo Rebelo de
Sousa, Sofia Galvão e Diogo Freitas do Amaral.
[7] ART.8º
Quem, com dolo ou mera culpa, ofender direitos ou
interesses alheios por via da lesão de um componente ambiental fica obrigado a
reparar os danos resultantes dessa ofensa.
Joana Margarida Viegas
nº 18178
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